O Sabor da Mudança
O sol invadia o apartamento com timidez, dourando as cortinas de linho e espalhando reflexos suaves sobre o chão de mármore. O ar trazia o perfume de pão recém-assado e café forte — um aroma caseiro que contrastava com o requinte frio do lugar.
Melina havia acordado antes do amanhecer. O cabelo preso num coque simples, o avental branco marcando a cintura delicada. Cada gesto era um ritual de serenidade: peneirava a farinha, misturava os ovos, deixava o pão crescer enquanto cortava frutas e preparava o suco.
Não havia empregadas, não havia barulho. Apenas o som compassado da vida real, algo que Blade nunca experimentara em seus trinta e um anos.
Quando ele desceu as escadas, ainda de camiseta e calça de dormir, parou no último degrau. O que viu o fez esquecer o sono, a ressaca, o orgulho.
A mesa estava impecável, uma toalha de linho branca, guardanapos dobrados com perfeição, pães dourados saindo do forno, o brilho âmbar do mel, as frutas cortadas em pequenos cubos coloridos e o suco de laranja servido em uma jarra de cristal.
E ali, no centro de tudo, ela — a mulher com quem se casara por contrato, agora sorrindo com doçura, como se aquele lar fosse o mundo inteiro.
— Bom dia — disse Melina, virando-se com a cafeteira nas mãos. — Dormiu bem?
A voz dela era calma, mas tinha algo de melodia, um tom de cuidado que ele não estava acostumado a ouvir.
— Fui eu quem dormiu, ou acordei em um sonho? — respondeu ele, meio brincando, meio sério.
Melina riu, e o som leve se espalhou pela cozinha como música.
— Nenhum dos dois, senhor Schneider, acordou na realidade. — E pousou a cafeteira sobre a mesa. — Aceita o café?
Blade sentou-se, observando o cenário, os pequenos detalhes que nunca existiram antes em sua vida: flores na jarra, pães ainda quentes, o cheiro de canela misturado com o de manteiga derretida.
Tomou um gole do café e olhou para ela.
— Este pão é caseiro? — perguntou, surpreso.
— Sim, — respondeu com naturalidade. — Fiz ontem à noite, deixei crescer e assei de madrugada.
— Você fez com as próprias mãos?
— Claro que fiz,— respondeu, enquanto cortava uma fatia. — Sempre fiz, Quando estudei na Suíça, aprendia nos intervalos das aulas com uma senhora que morava perto do campus, ela me dizia que cozinhar é um ato de amor, acredito que seja verdade.
Ele ficou olhando para ela como se visse sua esposa pela primeira vez.
Não uma modelo, nem uma socialite, nem uma sombra passageira de seus excessos.
Mas uma mulher inteira — simples, verdadeira, com alma.
— E pensar que uma moça criada entre o luxo e a alta sociedade sabe fazer pão, — murmurou, ainda admirado.
Melina sorriu com leveza.
— O luxo nunca me impediu de aprender, gosto do que é simples, Blade. O simples é melhor.
Ele se calou por um instante, a sinceridade dela o atingia em um lugar que nem sabia que existia.
Quando ergueu o olhar, encontrou os olhos azul-violeta dela fixos nos dele, serenos e firmes.
— Você me desarma, sabia? — confessou ele, baixinho.
Melina abaixou os olhos, fingindo ignorar o tom mais íntimo.
— Está tudo aí, coma enquanto está quente.
Ele obedeceu, a cada mordida, sentia que algo diferente estava acontecendo.
O pão era simples, mas tinha sabor de cuidado. O café, forte e doce, parecia feito sob medida para ele.
E no meio daquele silêncio confortável, percebeu que estava sorrindo — algo raro desde a adolescência.
— Sabe Mel, — disse por fim, encostando-se na cadeira — acho que é a primeira vez que tomo café feito por alguém que realmente se importa.
— Então aproveite, porque na minha casa, mesmo tendo empregadas, minha mãe, sempre fez questão de preparar nossas refeições, e comigo será assim— respondeu ela, com um brilho sereno nos olhos. — Porque esse é só o primeiro de muitos.
O riso leve dela ecoou de novo, Blade ficou observando-a por alguns segundos, e em silêncio pensou:
“Ela é o lar que eu nunca soube procurar.”
Quando terminaram o café, Melina recolheu os pratos.
Ele se levantou para ajudá-la, ainda desajeitado.
— Perfeito. — ela concordou. — Quero que nossa casa tenha paz, não servos observando cada passo.
— Nossa casa — repetiu ele, saboreando a palavra como se fosse a primeira vez.
Ele subiu, e foi se arrumar, para ir trabalhar, com um novo ânimo em sua vida.