1 - Morte

2327 Words
Brien — Denise, que diabos? A mulher não esperou por um convite e entrou no meu apartamento. Era meia-noite de uma rara noite chuvosa em Los Angeles, e uma estrela de cinema estava à minha porta. A vida em Los Angeles podia ser bem estranha, mas aquilo era completamente novo para mim. Denise retrucou: — Tem mais alguém em casa? — Apenas meu colega de quarto. Ela está dormindo. Minha irmã tá trabalhando até tarde. O que é isso tudo? Denise abaixou o capuz do moletom, o cabelo loiro platinado encharcado colando no rosto. Mesmo sem maquiagem, ela estava deslumbrante — a próxima Charlize Theron. O tipo de mulher tão naturalmente bela que não era justo com o resto da sociedade. Olhei para o corredor onde Kristyn dormia. Denise e eu éramos só amigos, nada além disso. Eu tinha sentimentos por Kristyn, enquanto Denise estava envolvida com o nosso produtor. Eu era apenas o dublê do interesse amoroso dela no último sucesso de bilheteria do verão, mas nos demos bem. Era uma parceria estranha — ela parecia uma supermodelo, com cabelo longo e loiro e grandes olhos azuis, e eu era o oposto: cabelo ruivo cacheado e sardas. Mas Denise não era como a maioria em Hollywood. Linda, sim, mas também com uma alma rara. Ela era definitivamente uma das boas. Ela empurrou uma sacola nas minhas mãos. Estava pesada — pesada demais para ela carregar sozinha. Seus olhos varreram o apartamento, inquietos. — Abre isso e olha, mas não diz nada — ordenou. — Ok — murmurei, coçando a cabeça enquanto abria o zíper da bolsa. Assim que olhei dentro, meus olhos se arregalaram. — p**a merda, Denise... Ela colocou a mão sobre minha boca e estreitou os olhos. — O que foi que eu disse? Fechei a sacola imediatamente. Ela tirou a mão e começou a andar de um lado para o outro na minha pequena sala de estar. Dentro da sacola havia mais dinheiro do que eu ganhava em um ano inteiro. Notas grandes, todas. De onde aquilo tinha vindo? — Podemos ir a algum lugar pra conversar? Um lugar onde ninguém possa ouvir? — sussurrou, parando a poucos centímetros de mim. — Ah, claro... acho que sim. — Fui até a mesinha lateral pegar minhas chaves. — Podemos dar uma volta de carro, se isso te fizer sentir melhor. — Isso me faria sentir muito melhor. Não quero ficar parada no mesmo lugar, caso... Ela parou de falar. — Caso o quê? Denise estremeceu. — Nada demais... Vou explicar tudo. Só dirige. E deixa isso aqui. Não quero ficar carregando por aí. — Apontou para a bolsa cheia de dinheiro. Não queria deixar aquilo à vista, então abri o armário do corredor — que estava lotado de tralhas que nunca usamos — e enfiei a sacola lá dentro antes de sairmos. Ela puxou o capuz do moletom novamente e saímos juntas do apartamento. Era estranho que estivesse sozinha tão tarde. Sendo quem era, geralmente andava com seguranças por perto. — Meu carro ou o seu? — perguntei. — Eu não dirijo. — Uber? — Não. Eu fugi. Não queria ninguém me seguindo. Olhei por cima do ombro enquanto caminhávamos pelo estacionamento, só para garantir. A paranoia dela estava me contagiando. Há muito tempo, eu era do tipo que se metia em encrenca, mas desde que me mudei pra Los Angeles, prometi à minha irmã que me comportaria, desde que ela me arranjasse um emprego na indústria. Ela cumpriu a parte dela. E eu cumpri a minha. Era bom não se preocupar com polícia ou com alguém querendo te dar uma surra por besteira. Apertei o botão da chave e as luzes da minha caminhonete se acenderam. Denise franziu a testa diante da minha escolha de veículo, mas não comentou. Sim, eu morava em LA e ainda dirigia uma caminhonete enorme. Você pode tirar o garoto das montanhas, mas não tira as montanhas do garoto. Ou algo assim. Entramos no carro e ela só falou depois que liguei o motor e saí do estacionamento. Sua voz tremia. — Desculpa. Eu só... apareci assim. Não sabia pra onde ir — disse baixinho. Ela torcia as mãos e tremia como uma folha. — Quando encontrei aquilo, eu simplesmente... precisei sair. Sempre soube que o Tony estava envolvido em algo sujo, mas agora tenho provas. — Calma, Denise. Do que você tá falando? Entrei na estrada molhada, espantado por quase não haver carros àquela hora. Los Angeles raramente era silenciosa, mas a chuva fazia tudo desacelerar. Por algum motivo, até uma garoa bastava pra cidade parar. — O dinheiro. Encontrei escondido na minha casa — disse ela. — Imagino que o Tony tenha escondido, ou talvez algum dos meus seguranças. — E de onde veio esse dinheiro? — perguntei. — Como diabos eu vou saber? — rebateu Denise, me encarando. Respirou fundo antes de continuar. — Tudo o que sei é que alguém escondeu uma grande quantia na minha propriedade e... Ela se calou. Esperei um momento e, como ela não disse mais nada, insisti: — E o quê? — E ouvi uma ligação do Tony com um cara chamado Charles. Ou Charlie. Acredito que o Tony esteja lavando dinheiro pra esses caras. — O Tony sabe que você ouviu? A realidade da situação começou a pesar. Não era só estranha — era perigosa. Se Denise estava certa, Tony estava lavando dinheiro e usando a casa dela como esconderijo. Isso não era o tipo de informação que se podia guardar pra si. Fiquei atento aos carros ao nosso redor, sentindo a mesma inquietação que tomava conta dela crescer em mim também. — Não sei — disse Denise, com a voz embargada. — É possível. Depois que ouvi, brigamos e ele foi embora. Fiquei tão chateada que comecei a vasculhar a gaveta dele e a jogar as roupas fora, quando encontrei o dinheiro escondido entre as coisas dele. — Precisamos ir até a polícia, Denise — falei, encarando-a com seriedade. — Eu sei, mas... — Sem “mas”. Precisamos ir agora — insisti com firmeza. Ela assentiu, o lábio inferior tremendo. Aquilo não era um roteiro de filme, era a vida real. E minha amiga estava em perigo de verdade. Fiz uma conversão ilegal e segui direto em direção à delegacia. — O que te faz pensar que eles vão acreditar em mim? — perguntou Denise, enquanto dirigíamos. — Você é Denise Lambert. Claro que vão. Luzes vermelhas e azuis piscaram no retrovisor, e eu me xinguei mentalmente. Estava tão imerso no drama que nos envolvia que nem percebi a presença de uma viatura por perto quando fiz a conversão proibida. — É, mas ele é o Tony Cromwell — disse ela, olhando para trás com a testa franzida. — Ele controla metade de Hollywood. — Ele pode até controlar metade de Hollywood, mas não controla a polícia — respondi, puxando para o acostamento. — E, por falar no d***o, temos um policial bem ali. Podemos começar por ele. Denise mordeu o lábio, olhando fixamente pela janela traseira. Seu rosto estava manchado pelos reflexos vermelhos e azuis das luzes. — Não gosto disso. — Vai dar tudo certo — tentei tranquilizá-la. — E é mais rápido do que ir até a delegacia, se parar pra pensar. Ela assentiu, ainda que hesitante, mas não tirou os olhos do policial que se aproximava. Abaixei o vidro da caminhonete e entreguei minha habilitação e o documento do carro. O policial examinou tudo, depois olhou para dentro do veículo com uma expressão carregada. — Vou precisar que vocês dois saiam do carro, por favor — disse ele, com um tom severo. — O quê? Por quê? Está chovendo — protestou Denise. O policial se inclinou para frente, tentando enxergar melhor o rosto dela. Imaginei que fosse porque a reconheceu. Quase todo mundo em Los Angeles sabia quem era Denise Lambert. — Senhorita, não gosto de repetir ordens. Saia do carro. — Por favor, policial — implorei, abrindo a porta. Ele deu um passo para trás para que eu saísse, e, assim que desci, agarrou meus braços e me empurrou contra a lateral da caminhonete. — Tem um m*l-entendido aqui. Eu sei que fiz uma conversão ilegal, mas estávamos indo à delegacia. — Ah, é? E por quê? — disse outro policial, me surpreendendo. Ele estava encostado na viatura, mas se aproximou do lado de Denise. — Moça, precisamos mesmo que você saia do carro. Agora. Denise suspirou pesadamente antes de responder: — Oficial Derusso, é isso? Você sabe quem eu sou? Arrepiei com a pergunta. Era a coisa mais clichê que se podia dizer — mas ela não estava errada. Forçar Denise Lambert a sair na chuva por causa de um retorno era ridículo. E ainda por cima ela nem era quem dirigia. — Eu não dou a mínima pra quem você é — rosnou Derusso. — Fora do carro. Agora. — Denise, só vai — pedi. — Vamos explicar tudo. Vai ficar tudo bem. Ainda não tinham me algemado, o que era um bom sinal. Meus braços estavam presos, mas o policial parecia velho, fora de forma. Eu podia derrubá-lo se quisesse. Mas também não queria complicar a situação. Então apenas obedeci. Denise saiu do carro, e felizmente o outro policial não a tratou do mesmo jeito que fizeram comigo. Ele a deixou parada à beira da estrada, debaixo da chuva, enquanto começava a fazer perguntas. — Por que estavam indo até a delegacia? Ela me olhou, e eu decidi responder por nós dois. — Ela acredita ter provas de uma atividade ilegal. Viemos registrar uma ocorrência. — Que tipo de atividade ilegal? — questionou Derusso. Ele era mais jovem e magro do que o policial que me segurava, mas ainda assim algo estava errado. Nenhum dos dois tinha a postura de um verdadeiro policial. Uma sensação incômoda subiu pela minha espinha. Continuei falando, tentando explicar a situação. — É sobre o namorado dela... — Ele não é meu namorado — interrompeu Denise. Ah, é. Ele era casado. Tinha esquecido disso. Ficar com Tony era o escândalo que todos conheciam, mesmo que a imprensa não tocasse muito no assunto. Havia uma esposa em casa, o que era uma mácula na imagem de Denise — uma que eu fazia esforço para ignorar. Tentei continuar, mas o policial me empurrou com força contra a caminhonete. — Deixa ela falar — rosnou. — Senhorita Lambert, se não se importar, talvez possamos conversar no carro — disse Derusso, agora com um tom mais calmo. — Parece uma ótima ideia — disse o policial atrás de mim. Olhei para Denise, que agora hesitava, os olhos indo de um rosto ao outro, claramente desconfortável. — Acho melhor a gente conversar aqui mesmo — falei. — Ou melhor ainda, podemos todos ir à delegacia e resolver tudo lá, com calma. — Por aqui, senhorita Lambert — disse Derusso. — Só um segundo. Afastei-me da caminhonete, tentando me colocar entre ela e os dois. Algo estava definitivamente errado. Os pelos do meu pescoço estavam eriçados. Foi quando o policial atrás de mim sacou uma arma. A merda ficou real. Olhei para onde Denise estava, andando em direção ao carro com o tal policial. Meus olhos deslizaram para o veículo. Não havia “Departamento de Polícia de LA” escrito na lateral — e sim “Seguradora Rossi”. Eles não eram policiais. Eram seguranças disfarçados, armados, com distintivos falsos. Meu coração disparou. Gritei: — Denise! Eles não são policiais! Corre! Ela se virou, mas Derusso a atingiu com a coronha da arma na lateral da cabeça. A dor da arma pressionada nas minhas costas desapareceu — eu só pensava nela. Empurrei meu corpo contra o policial atrás de mim, fazendo-o cair. Corri até Denise, mas ela já estava nos braços dele, com a arma apontada para sua cabeça. Ela sangrava pelo couro cabeludo, os olhos vidrados. Estava zonza. Quase inconsciente. Ele a jogou na traseira do carro, e tiros foram disparados na minha direção. Não consegui alcançá-los. Corri de volta para minha caminhonete, que ainda estava ligada, e entrei, escapando por um triz do outro homem que tentava me agarrar. Os pneus cantaram no asfalto molhado enquanto eu saía dali a toda velocidade, seguindo o falso carro de polícia. Eles mantinham as luzes piscando, fingindo serem policiais de verdade. E estavam parando outros motoristas no caminho. Eu os seguia de perto, até que o carro deles virou de repente. Virei também, cruzando três faixas de uma vez. Ainda estava na cola deles, mas outro carro bateu na lateral da minha caminhonete e perdi o controle. — Merda — murmurei, tentando recuperar a direção. O outro motorista buzinava, gritando. Estava vivo — graças a Deus. Mas eu não podia parar. Não agora. Endireitei o carro e acelerei o máximo que pude. As luzes do carro deles haviam sumido, ou talvez estivessem fora do meu alcance. Continuei dirigindo, esperando encontrá-los, olhando para todos os lados da estrada. Nada. Nenhum sinal. Peguei meu celular, prestes a ligar para a polícia, quando ele tocou. Um número bloqueado apareceu na tela. Atendi. — Brien Moore — disse uma voz fria do outro lado. — Sabemos tudo sobre você. — Onde está Denise? — exigi, os olhos ainda vasculhando a estrada. — Ela está morta, receio — respondeu a voz. — Ou vai estar em breve. Não há nada que você possa fazer por ela. Mas se fizer exatamente o que mandarmos, talvez consiga salvar a si mesmo. — f**a-se — rosnei. — Me dá a Denise ou eu te encontro e te mato com as minhas próprias mãos. — Não é assim que funciona. Eu faço as regras, não você — retrucou. — E a primeira é esta: vá até a polícia, e Denise não será a única pela qual virão. Sabemos tudo sobre você, Brien. Se não liga para sua vida... talvez ligue para a da Ava. A ligação caiu.
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