Ava
Depois de um longo dia no set, tudo o que eu queria era chegar em casa, desabar na cama e dormir como os mortos pelos próximos dez dias. Felizmente, as filmagens tinham acabado por algumas semanas, o que significava que os dias exaustivos finalmente dariam lugar ao descanso. Eu teria a chance de respirar, relaxar e recarregar antes de voltar a interpretar meu papel.
Não, eu não era atriz. Mas, na maior parte do tempo, parecia. Era eu quem fazia o trabalho pesado. Eu fazia as acrobacias perigosas que as estrelas de verdade não podiam — ou não queriam — fazer. Graças à minha experiência com ginástica e artes marciais, eu me destacava nas cenas de luta e, na maioria das vezes, conseguia concluí-las em uma única tomada. Isso economizava tempo, dinheiro e agradava tanto a equipe quanto os estúdios.
O fato de eu ser praticamente idêntica à protagonista da série ajudava muito. Tínhamos o mesmo tipo físico, o mesmo cabelo ruivo comprido e a mesma pele clara e sardenta. Ela podia ser uns dois centímetros mais alta, mas nada que meus saltos não resolvessem. Eu usava isso como uma espécie de troféu. Ninguém conseguia dizer quem era quem durante as cenas de ação. Vitória Popas era uma estrela de Hollywood, um ícone sensual. E eu? Eu era o rosto por trás das quedas. Mas tudo bem — não trocaria a adrenalina das acrobacias por um tapete vermelho nem por todo o glamour do mundo. Vestidos longos nunca foram minha praia, de qualquer forma.
— Alô? — gritei ao entrar em um apartamento silencioso.
Normalmente, meu irmão já estaria em casa, largado no sofá, de cueca boxer e camiseta, comendo alguma nova invenção. Ele não tinha vergonha nenhuma — se fôssemos só nós dois em casa, pouco importava.
Brien era meu irmão gêmeo. Nunca o enxerguei com outros olhos, mas minha melhor amiga, Kristyn, que morava conosco há uns cinco meses, provavelmente tinha outra opinião sobre o estilo “confortável demais” dele.
Assim que pensei nela, Kristyn apareceu no corredor, sorrindo.
— Você chegou cedo.
— É, terminamos antes do previsto — respondi, me jogando no sofá vazio e ocupando o lugar preferido do meu irmão.
Kristyn se juntou a mim. Ela ainda usava o look de trabalho — calça social de grife e camisa impecável. Linda como sempre, apesar de viver tentando esconder isso. Às vezes, eu achava que era uma tentativa de ser levada mais a sério em Hollywood. Ao contrário de mim, Kristyn trabalhava nos bastidores, no marketing dos filmes. Era inteligente, dedicada, com um corte bob elegante que m*l roçava o queixo, e olhos castanhos expressivos que revelavam tudo antes mesmo de ela abrir a boca.
— Ei, você viu o Brien ultimamente? — perguntou, mordendo o lábio inferior.
Dei de ombros.
— Na verdade, não. Mas andei trabalhando tanto que nem daria para notar. A gente se esbarrou poucas vezes nas últimas semanas.
— Pois é, eu também não. Tínhamos planos para hoje e ele simplesmente sumiu. Não atende o telefone. Estou começando a ficar preocupada.
Soltei uma risada curta.
— Você conhece o Brien. Ele esqueceria a própria cabeça se não estivesse presa ao pescoço. Aposto que só esqueceu de carregar o celular.
— Isso é diferente — insistiu ela, desviando o olhar. — Ele não aparece em casa há dias.
Aquilo me fez parar. A preocupação começou a me invadir, mas tentei me controlar. Brien era um espírito livre. Trabalhava como dublê, assim como eu, mas também se enfiava em vários projetos malucos. Era conhecido por sumir do nada e reaparecer com alguma história absurda. Mesmo assim... havia algo diferente desta vez. Não sei explicar.
— E ele realmente não está atendendo? Nenhuma mensagem?
Kristyn balançou a cabeça, hesitante. Tinha algo em seus olhos — uma sombra de algo mais profundo, algo que ela não estava me contando. E aquilo me incomodou mais do que eu gostaria de admitir.
Peguei meu celular, disquei o número dele e levei ao ouvido. Caiu direto na caixa postal. Falei assim que o bipe tocou:
— Ei, cara... onde você está? — gritei, frustrada. — Você está nos preocupando. Liga de volta o mais rápido possível, tá bem?
Ela tinha razão. Ele não atendia o telefone. Brien vivia grudado naquele aparelho, e mesmo que nós dois odiássemos falar ao telefone, nunca ignorávamos ligações da família. Depois de perder nossa mãe ainda jovens, toda vez que o telefone tocava e era da família, meu estômago se revirava, temendo más notícias.
— Ele está bem, tenho certeza — eu disse, tentando afastar a preocupação dela. — Ele comentou algo sobre voltar pra casa assim que terminasse o trabalho. Não era pra ele encerrar essa semana ou algo assim?
— Sim — ela disse, em tom baixo. — Mas ele teria contado se fosse embora, certo?
Dei de ombros.
— Talvez ele tenha dito e eu não tenha prestado atenção. Tenho estado m*l-humorada e totalmente distraída nas últimas semanas. O ritmo das gravações tem me deixado exausta.
— Mas a gente tinha planos pra hoje à noite. E mesmo que ele tivesse esquecido e voltado pra casa, por que ele não atenderia o telefone? — ela insistiu.
— Talvez esteja sem sinal — sugeri. — Nas montanhas nem sempre tem cobertura boa.
Aquilo deveria tê-la tranquilizado. E, de certa forma, também me acalmou. Eu estava exausta ultimamente, e talvez tivesse esquecido de alguma conversa. Mas Brien partir sem avisar ninguém? Isso não soava como ele. Algo nas duas explicações não batia.
— Eu não sei... só acho tudo muito estranho. A gente tinha planos, Ava — ela disse, me lançando um olhar hesitante.
Dei um sorriso irônico.
— Ah, é? Que tipo de planos?
As bochechas dela coraram, e Kristyn se recostou no sofá, desviando o olhar.
— Vamos lá, que tipo de planos, Kristyn? Agora fiquei curiosa.
Um sorrisinho surgiu nos cantos da boca dela.
— Não é o que você está pensando.
— Ah, não? Então quer dizer que você não tem uma queda pelo meu irmão?
Ela não respondeu. Mas também não precisava. Eu via o jeito como Kristyn olhava para o Brien — os olhares furtivos, os sorrisos tímidos, as conversas cheias de segundas intenções. Ela era mais reservada do que nós dois, mas os sinais estavam ali. E, sinceramente, não a culpava. Meu irmão era bonito, charmoso, embora um pouco instável... mas, no geral, era um cara do bem.
— Desculpa — falei, dando um tapinha no braço dela. — Vou parar de te provocar.
— Obrigada — ela murmurou, sorrindo levemente.
— Se você prometer cuidar do Billie por mim, eu estava pensando em ir pra casa também. Vou dar uma passada lá, ver se ele está por lá.
Kristyn olhou para o Billie, nosso gato preto e branco, sentado em cima da estante. Ele a encarava com uma expressão que oscilava entre tédio, arrogância e puro desdém felino.
— Seu gato me odeia.
— Meu gato odeia todo mundo — falei, rindo. — Não é nada pessoal.
— Tem certeza de que quer ir até o Colorado? — ela perguntou, incerta. — Quer dizer... ele pode nem estar lá.
— Eu já estava pensando em ir de qualquer jeito — respondi. — É melhor ir logo do que ficar esperando. E se ele voltar enquanto isso, você está aqui pra recebê-lo. Parece um bom plano, né?
A verdade é que eu não planejava voltar para casa. Fazia tempo que não ia lá. Depois que meu pai e minha madrasta se mudaram para a Flórida, nossa antiga casa ficou vazia. Brien já tinha mencionado mais de uma vez que pensava em passar um tempo lá, fugir da cidade e da bagunça toda. Eu entendia. Mas, para mim, aquela casa era cheia de memórias — e eu não tinha nenhum motivo real, ou desejo, de revisitá-las.
Mexer em feridas antigas nunca foi meu passatempo favorito.
Ainda assim... depois de tanto trabalho, a ideia de sumir um pouco, respirar o ar puro das montanhas, parecia cada vez mais atraente. Tranquilidade, silêncio, nada de trânsito ou multidões. Só eu e a natureza. Quanto mais eu pensava, mais fazia sentido.
Só tinha um detalhe incômodo: eu teria que evitar Asher e Jaxon. E isso não seria fácil, já que eles moravam na casa ao lado. A menos que eu milagrosamente aprendessem a ficar invisível até chegar lá.
Meu estômago se revirou só de imaginar vê-los de novo. Ir para a Flórida visitar a família sempre foi mais fácil... menos fantasmas por lá.
Mas talvez estivesse na hora de encarar os velhos fantasmas. Encontrar o Brien, acalmar minha mente — e a da Kristyn — e, se necessário, resolver as pendências do passado.
— Eu vou amanhã de manhã — anunciei.
— Vai dirigir?
— Não. Tenho contatos — respondi, sorrindo de lado. — Vou ligar e conseguir um voo. Uma das vantagens de trabalhar em Hollywood. Você já devia estar acostumada.
— E de quem é o jatinho que você vai pegar dessa vez? — ela perguntou, com um risinho divertido.
Dei de ombros.
— Pensei em pedir à Victoria primeiro. Mas se ela estiver ocupada, tenho outras opções.
Apesar de reclamar da correria e dos dias puxados, meu trabalho tinha lá seus privilégios — tipo conseguir um jato particular porque fiz amizade com as pessoas certas.
Meu nome talvez não estivesse em outdoors ou nas luzes de Hollywood, e ninguém além do pessoal da indústria sabia quem eu era. Mas eu vivia bem. Não era a vida que sonhei, mas estava longe de ser r**m. Podia ser pior. Eu podia ter que encarar um voo comercial.
Victoria me devia uma. Eu a ajudei a se livrar de uns paparazzi numa balada certa noite — nada como alguns golpes simples de artes marciais para fazer um tablóide pensar duas vezes antes de encostar em alguém. Estive ao lado dela antes mesmo dos seguranças chegarem. Por isso, tinha quase certeza de que conseguiria um voo para o Colorado no dia seguinte. E se o jatinho dela não estivesse disponível, ela arranjaria outro pra mim.
A única coisa que eu podia dizer sobre a Victoria era que ela nunca esquecia das pessoas que a ajudava. E eu apreciava isso nela, porque nem todo mundo na indústria era assim. Muitos esqueciam até seu próprio nome depois de um tapinha nas costas mais forte, mas ela não. Victoria podia ser intensa, exigente e um pouco excêntrica, mas era leal — e isso era raro por aqui.
De Denver, eu planejava alugar um carro e dirigir o restante do caminho, já que meu destino final era uma casa literalmente enfiada no meio do nada. Não me surpreenderia se Brien tivesse mesmo sumido por conta própria, considerando o cronograma insano que ele teve de encarar nos últimos meses. Ele provavelmente só precisava desligar a cabeça, fugir da cidade e respirar. E, para ser honesta, pela primeira vez em anos, eu não podia dizer que o culpava por isso.
Na verdade, uma parte de mim entendia perfeitamente. Talvez mais do que eu estivesse pronta para admitir.