12. Luna

863 Words
O tempo passou devagar. O sol se pôs e as outras meninas entraram nos carros, subiram nas motos e voltaram com dinheiro nos bolsos. E eu, nada. Minhas pernas doíam de tanto ficar parada. Meu estômago roncava e minha cabeça latejava, mas o que mais incomodava era meu orgulho ferido. Não queria o olhar de pena das outras meninas, nem o riso dos caras, nem o silêncio forçado. Só queria fazer meu trabalho, pegar meu dinheiro e ir para casa. Mas ali, naquele dia, ficou claro que eu não tinha mais esse direito. Seu nome estava colado em mim, mesmo que eu não quisesse, mesmo que eu lutasse. Quando o céu escureceu completamente e as luzes dos postes acenderam, desisti. Saí andando com o corpo pesado, os olhos ardendo e os bolsos vazios. De volta para casa, de volta para Clara e de volta para esse novo tipo de prisão, a pior de todas, aquela que eu nem enxergava direito, mas que já me sufocava por dentro. Foram três dias seguidos. Três dias saindo de casa com a cabeça erguida, o peito estufado de um orgulho que estava mais perto de teimosia do que de força real. A cada manhã, repetia para mim mesma que ninguém me tiraria dali. Nem o medo, nem as ameaças, nem ele. Principalmente ele. No primeiro dia, ninguém chegou perto. Nem olharam direito, apenas cochichos e risadas abafadas, como se eu fosse uma piada ambulante. No segundo, um ou outro homem passou mais perto, olhou com atenção, mas bastava uma palavra minha para recuarem. Parecia que só o nome dele bastava para afastar qualquer um. No terceiro dia, já estava cansada. Exausta de tanto ficar em pé, com fome e garganta seca. O sol queimava minhas costas, mas eu fiquei até o último segundo de luz, até depois que todas as outras meninas foram embora com os bolsos cheios. Naquela noite, decidi que se alguém parasse, qualquer um, eu aceitaria. E ele parou. Um cara que já tinha feito programa antes, um dos poucos que ainda pareciam ter coragem de chegar perto. Não era dos piores, nem dos melhores, mas naquela hora era o suficiente. Subi em sua moto e fomos para um quartinho barato, daqueles que conhecíamos de cor. Mas quando chegamos lá, travei. O cara tirou a camisa, me puxou para a cama, tentou me beijar, mas seu cheiro, seu toque, seu jeito de me segurar – tudo parecia errado. Meu corpo inteiro rejeitava, como se tivesse aprendido outro ritmo, outro cheiro, outra violência. A imagem do Dante se misturava a tudo – na respiração do cara, no jeito como tentava me virar, até no gosto amargo que subia em minha garganta. Acabei empurrando ele. — Esquece, não vai rolar — falei, levantando da cama e catando minha roupa com as mãos trêmulas. O cara ficou furioso, é claro. Xingou, me chamou de maluca, ameaçou não pagar o pouco que havíamos combinado. Mas no final, foi embora. Voltei andando para casa sem olhar para trás. No dia seguinte, de novo. Fui para o ponto, fiquei o dia inteiro. Sem cliente, sem coragem, sem dignidade. Apenas com a cabeça girando e os bolsos vazios. E foi nesse dia, no final da tarde, que ele apareceu. Dante. Veio andando devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo. Camiseta preta, boné aba reta, corrente no pescoço, olhar carregado. Os caras que estavam por perto se calaram imediatamente. As meninas sumiram do caminho. O morro inteiro pareceu prender a respiração. Ele parou bem na minha frente. — Tá se esforçando, hein? — sua voz veio baixa, arrastada, carregada de ironia. — Fazendo de tudo para me irritar. Cruzei os braços, tentando manter o pouco de firmeza que me restava. — Se você acha que pode mandar em tudo, está enganado — falei, a voz mais trêmula do que gostaria. Ele riu. Um riso curto, seco, de quem já havia perdido a paciência. Sem dizer mais nada, enfiou a mão no bolso e tirou um maço de dinheiro grosso. Tão grosso que só de olhar dava para saber que era mais do que eu faria em semanas ali. Estendeu o dinheiro para mim. — Aqui. Para você parar com esse showzinho patético — ele me encarou com os olhos afiados, como se me furasse com o olhar. — Já deu, Luna. Olhei para o dinheiro. Meu orgulho berrava para não pegar, mas minhas mãos tremiam, querendo arrancar aquilo de sua mão. Mesmo assim, não estiquei a mão. Fiquei parada. — Não quero — falei baixo, firme, mesmo sabendo que era mentira. O sorriso dele sumiu imediatamente. Deu um passo a mais, ficando tão perto que senti sua respiração em meu rosto. — Eu não estou perguntando — ele empurrou o dinheiro contra meu peito, forçando até eu segurar. As notas se amassaram entre meus dedos. Depois disso, virou as costas. Saiu andando sem olhar para trás. E eu fiquei ali, de pé, com os bolsos cheios, a dignidade no chão e o gosto amargo da humilhação entalado na garganta. Ele tinha ganhado. Mais uma vez e o pior era saber que, no fundo, parte de mim já esperava por isso.
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