Nem cinco minutos depois, ouvi ele me chamar baixinho.
— Luna...
Voltei para a sala sem muita vontade.
Ele estava deitado de lado, a respiração um pouco mais calma, mas o olhar ainda pesado como chumbo.
— Vem cá.
— O que é agora?
— Senta aqui.
— Pra quê? — Cruzei os braços, resistindo.
— Só senta, p***a.
Acabei cedendo e sentei na beirada do sofá. Ele puxou minha mão com uma força que surpreendeu, como se seu corpo agisse por instinto, contra a própria vontade.
— Fica aqui só um pouco — ele falou baixinho, a testa ainda úmida de suor, a voz falhando entre as palavras.
Fiquei. Mesmo com a raiva fervendo dentro de mim, mesmo com a vontade de dar um soco nele por ser tão teimoso, algo me manteve no lugar.
— E amanhã — murmurou, os olhos já pesados de sono. — Não inventa de sair por aí sem eu saber. Não agora.
— Dante...
— Não discute, Luna. Só faz.
Fiquei em silêncio, ouvindo a respiração dele ficando mais lenta e profunda. Quando percebi, ele tinha apagado ali mesmo, no sofá da sala. Deitei uma coberta por cima do seu corpo, peguei um travesseiro e coloquei debaixo da cabeça dele com cuidado.
Fiquei olhando para ele por alguns segundos, aquele homem sujo, machucado, vulnerável, mas ainda carregando no rosto relaxado uma expressão de arrogância que só ele sabia ter. Depois fui para a cozinha, respirei fundo e comecei a organizar as coisas, tentando me preparar para o que ainda viria pela frente.
(…)
Acordei antes do sol nascer, o corpo ainda pesado da noite m*l dormida. Quando olhei para o sofá da sala, vi Dante exatamente como havia deixado horas antes, mas agora com o rosto brilhando de suor e a respiração ofegante, como se cada inspiração exigisse um esforço enorme.
Fui até ele devagar e coloquei a mão na testa. A pele queimava.
— Merda... — sussurrei, correndo para pegar o termômetro.
Enquanto esperava o aparelho marcar a temperatura, ouvi passinhos vindos do quarto. Era a Clara, de pijama, com o cabelo todo bagunçado e os olhos ainda inchados de sono.
— Mãe... o que aconteceu com o Dante?
— Ele está doentinho, Clarinha. Mas vai ficar bem.
Ela se aproximou com cuidado, agachou ao lado dele e colocou a mãozinha gelada na testa dele.
— Você vai sarar... — disse ela, com aquela voz doce de criança que acredita que amor cura tudo.
Dante abriu os olhos com dificuldade, virou o rosto para ela e ficou ali parado, apenas olhando. Não disse uma palavra, apenas fechou os olhos de novo, como se a presença dela fosse um remédio silencioso.
O termômetro apitou. Trinta e nove vírgula dois.
— p***a, Dante... — murmurei, pegando um pano limpo e molhando com água fria para tentar baixar a febre.
Peguei um remédio na gaveta, o mesmo que dava para a Clara quando ela ficava doente.
— Abre a boca — falei, ajoelhando ao lado dele.
— Tô bem... — resmungou, tentando empurrar minha mão.
— Tá uma ova! Abre essa boca agora ou eu enfio esse comprimido goela abaixo.
Ele resmungou algo ininteligível, mas acabou engolindo o remédio. Enquanto trocava o pano na testa dele, ouvi a voz de um dos vapores chamando lá fora.
— Chefe... tá me ouvindo? Chefe? Precisa colar na laje... o bagulho azedou de novo.
Levantei na hora e fui até a porta.
— Ele não vai! — gritei, alto o suficiente para o cara lá fora escutar.
— Dona Luna... é sério, a situação tá feia.
— Mais feia tá ele aqui, quase desmaiado de febre. Se alguém quiser resolver alguma coisa... que resolva sem ele.
Voltei para dentro bufando, a cabeça fervendo de raiva. Dante ainda estava de olhos fechados, mas um sorriso torto apareceu no canto da boca.
— O que foi agora? — perguntei, irritada.
— Tá me defendendo, é? — murmurou, a voz fraca.
— Tô te impedindo de morrer. É diferente.
Ele riu baixo, um riso rouco e cansado de quem m*l tinha forças para abrir os olhos.
Passei a manhã toda ali. Troquei a água do pano, dei mais remédio quando deu o horário e não deixei ninguém chegar perto dele.
A Clara ficou do lado dele por um bom tempo também. Sentada no chão da sala, com o caderno de desenho aberto, rabiscando enquanto olhava para ele de vez em quando, como para certificar-se de que ainda estava respirando.
No fundo, eu sabia que aquela febre ia passar. Que não era a primeira vez que ele estava naquele estado, e provavelmente não seria a última.
Mas mesmo assim, o medo de vê-lo partir me pegou de um jeito que eu não estava preparada para sentir.
A madrugada estava sufocante. Mesmo com todas as janelas abertas, o calor parecia ter se instalado dentro de casa. A claridade fraca da rua m*l conseguia iluminar a sala, criando sombras que se moviam lentamente pelas paredes.
Fiquei sentada no chão, ao lado do sofá, observando o ritmo da respiração dele, cada movimento do seu peito, cada expressão que cruzava seu rosto mesmo dormindo.
E naquela quietude, percebi que algo dentro de mim tinha mudado. Algo que eu não conseguia mais ignorar, não importa o quanto tentasse.