O dia tava abafado. O tipo de calor que gruda na pele e não te deixa respirar direito. Eu passei a manhã fingindo normalidade. Lavei roupa, varri o chão da sala, troquei os lençóis da cama da Clara. Coisas simples, rotinas pequenas que me davam uma falsa sensação de controle.
Mas no fundo, eu sabia. Sabia que a qualquer hora ia acontecer. Que ele não ia deixar passar o que eu tinha feito.
As batidas na porta vieram no meio da tarde. Três socos secos, fortes, pesados. Meu coração disparou antes mesmo de eu chegar na porta. Não precisava ver pra saber. Era ele.
Girei a maçaneta com a mão tremendo e lá estava Dante. Parado na soleira, com aquele olhar de sempre, de quem já entrou antes mesmo de pedir.
Ele não disse oi. Não perguntou se podia entrar. Só passou por mim, empurrando a porta com o ombro como se fosse dono da casa.
— Você tem problema, é? — disse, sem nem olhar pra trás, já caminhando pela sala, olhando tudo ao redor com aquele olhar de desdém.
Minha garganta fechou. Fiquei parada perto da porta, com as mãos suadas.
— Eu... eu não quis... — tentei começar, mas a voz falhou.
— Não quis? — Ele se virou devagar pra me encarar. — Não quis? — repetiu, rindo seco. — Você acha que tem o luxo de querer ou não querer alguma coisa vindo de mim?
Deu dois passos na minha direção. Eu recuei, mas ele veio junto, como sempre fazia.
— Quando eu deixo o dinheiro... você pega. — A voz dele era baixa, carregada, daquele jeito que parecia entrar direto no meu osso. — Quando eu mando... você obedece. Isso aqui... — Ele abriu os braços, apontando pra casa inteira. — Isso aqui... é meu morro. Meu território. Minhas regras.
Meu corpo tremia. As pernas pareciam moles, mas ainda assim, eu não baixei a cabeça.
Foi quando ouvi a porta do quarto ranger. Clara apareceu, coçando os olhos, com a boneca no colo.
— Mana? — falou, com a voz sonolenta.
Meu peito apertou. Corri até ela, me ajoelhei, puxei ela pro colo.
— Vai pro quarto, meu amor. Já tô indo. — Falei baixo, forçando um sorriso pra ela.
Clara obedeceu, mas antes de fechar a porta, ainda ficou me olhando, desconfiada.
Quando voltei pra sala, Dante já tinha se encostado na parede. Ele tava com um maço de dinheiro na mão agora, como se já tivesse tirado do bolso antes de chegar.
— Achei que talvez você tivesse esquecido o quanto vale. — Ele balançou o dinheiro na frente do meu rosto.
Minha primeira reação foi virar o rosto. O orgulho queimando na garganta, a vontade de mandar ele enfiar aquele dinheiro no cu. Mas o medo era maior. O medo de provocar mais ainda.
Mesmo assim... minha boca foi mais rápida que meu cérebro.
— Eu não sou lixo pra você pagar como se eu fosse. — Saiu num sussurro, mas saiu.
Ele parou. Os olhos escureceram na hora.
Deu mais um passo pra cima de mim, até ficar perto demais. Tão perto que eu sentia o cheiro dele. A respiração quente.
— Não é? — perguntou, com aquele sorriso torto no canto da boca. — Então por que sempre abre as pernas quando eu quero?
Meu rosto queimou na hora. A vergonha, o ódio, o medo... tudo junto.
Ele enfiou o maço de dinheiro com força dentro do bolso da minha bermuda. Fez questão de empurrar com a mão, como se quisesse me marcar ali também.
— Guarda isso. Antes que eu perca a paciência de vez. — A voz saiu mais baixa, mais grave, carregada de ameaça.
Minha mão foi até o bolso, mas não tirei o dinheiro. Fiquei ali, com os punhos fechados, engolindo a vontade de gritar.
Ele me olhou mais alguns segundos, com aquele olhar de quem gostava de me ver quebrada... mas ao mesmo tempo parecia se divertir com cada pedaço meu que ainda tentava lutar.
Sem dizer mais nada, girou nos calcanhares e saiu, batendo a porta com força atrás dele.
Fiquei ali, parada, com as pernas bambas, o peito subindo e descendo rápido e o bolso pesado, como se o dinheiro queimasse minha pele.
Sabendo que a próxima vez ia ser pior.
(…)
Ficar em casa tava me deixando louca. A cada canto que eu olhava, parecia que tinha um pedaço dele ali. No cheiro que ainda não saia da roupa de cama, nas marcas roxas espalhadas pelo meu corpo, no dinheiro amassado jogado dentro da gaveta da cozinha que eu me recusei a tocar.
O pior era a cabeça.
O medo misturado com raiva. O orgulho brigando com o desespero. Eu precisava de dinheiro.
Então, respirei fundo e fui.
Coloquei uma roupa simples, a mesma de sempre pra não chamar atenção: short jeans, top preto, chinelo nos pés. Passei um batom vermelho só pra tentar fingir alguma confiança que eu já nem sentia.
O caminho até o ponto parecia mais longo do que de costume. A cada passo, minha barriga embrulhava.
Quando cheguei, tudo tava igual e... ao mesmo tempo... completamente diferente.
As outras meninas estavam nos cantos de sempre, jogando conversa fora entre um cliente e outro. Mas quando me viram, o papo parou. Algumas fingiram que nem me viram. Outras olharam de r**o de olho, como quem sabe de um segredo que eu não sei.
E os caras... os caras foram piores.
Os mesmos que semanas atrás vinham me procurar, agora só olhavam de longe. Riam. Cochichavam. Faziam piada entre eles.
— Olha lá... a preferida do patrão! — ouvi um deles dizer, com aquela voz de deboche.
Outro riu alto.
— Vai ver agora é só no fiado, ou no favor. — Gargalhou, com os outros acompanhando.
Engoli seco, mas não respondi. Não ia dar palco pra o****o.
Fiquei no meu canto, encostada na parede, como sempre fazia. Só que dessa vez, nenhum deles se aproximou de verdade.
Tinha uns dois ou três que chegaram perto, mas era só pra jogar piada, fazer gracinha, olhar pro meu corpo como se eu fosse um prêmio em exposição, mas ninguém teve coragem de me tocar.
Nem um cliente de verdade apareceu.
Dava pra sentir o peso do nome dele pairando ali. Como uma cerca invisível ao meu redor.