Capítulo 45: No corre

1143 Words
ISABELA O dia foi um caos. Literalmente. Acordei atrasada, quase perdi a prova de manhã, e ainda fui com o estômago vazio porque não deu tempo nem de tomar um café. Minha cabeça tava a mil, tentando lembrar fórmulas, conceitos, datas... tudo ao mesmo tempo. E no meio de tudo isso, claro, o Jace. Aquele beijo. Aquela transa. Aquela sensação de que a gente tava prestes a se envolver de novo. Respirei fundo várias vezes durante a prova tentando focar, mas era difícil com a lembrança da voz dele no meu ouvido. Do jeito como ele me olhava. Como se eu fosse tudo. Mas a real é que eu não posso viver nesse mundo de fantasia. Ainda mais com minha realidade gritando no meu ouvido o tempo todo. Saí da faculdade direto pro trabalho. Tava exausta, com sono, mas fui mesmo assim. Sem tempo pra mimimi. O dia foi longo, cheio de cliente chato e uma colega que resolveu faltar e me deixou com o dobro de tarefa. Meu pé doía, minha cabeça latejava e minha única vontade era dormir por três dias seguidos. Só fui chegar no quartinho depois das três da manhã. Tava morta. Me joguei na cama sem nem tirar a roupa direito. Aí lembrei do celular que nem tinha olhado o dia inteiro. Desbloqueei a tela e vi uma mensagem do Jace. De horas atrás. Abri. Era um áudio. Um trecho de música. Cliquei pra escutar e… Nossa. Era sobre mim. Era sobre a gente. Sobre tudo o que a gente viveu, o que ainda sente. A letra era quente, romântica, intensa. Igual a ele. Fiquei arrepiada do começo ao fim. A voz dele… p**a merda… me acertou em cheio. Quase chorei. Mas eu não respondi. Não naquele momento. Eu tava cansada demais. Confusa demais. Deixei o celular de lado, me cobri e fechei os olhos. Talvez amanhã. Talvez com mais calma. Eu só sabia que, mesmo tentando seguir focada na minha vida, o Jace… ele tava ali. Em cada canto da minha mente. E talvez eu já estivesse envolvida de novo, mesmo tentando fugir. --- O despertador tocou às sete e eu, mesmo destruída, levantei. Corpo moído, mas a cabeça a mil. Eu precisava correr. Não só pelo corpo, mas pela mente. Correr sempre foi minha terapia. Coloquei meu top, shortinho e prendi o cabelo num coque alto. Fone no ouvido, tênis no pé e fui pra orla. A cidade ainda tava acordando, o sol nascendo bem de leve, e o mar calmo me fazia respirar fundo. Tava no terceiro quilômetro, respirando melhor, sentindo o suor escorrer pelas costas, quando escutei uma voz atrás de mim: — Vai correr e nem me avisa? Arregalei os olhos e tirei um lado do fone. Olhei pra trás. Jace. — Cê tá me perseguindo agora? — falei rindo, brincando com ele. Ele sorriu, aquele sorriso safado que me desmonta. — Não, pô. Só dei sorte. A vida querendo que a gente se esbarre por aí... — Aham, claro. — Escutou a música? Eu dei uma respirada mais profunda, abaixei o olhar e respondi: — Escutei sim. Cheguei tarde, tava exausta... mas ouvi. É bonita. — Bonita? Só isso? — O que você queria que eu dissesse? — Que te arrepiou... que lembrou de nós... que quer tudo de novo. — Jace... — parei de correr e ele parou também. — A música mexeu comigo, mexe tudo que é meu... mas a minha vida não é tão simples. A gente não pode sair se pegando e achar que tá tudo resolvido. Ele chegou mais perto, o olhar firme no meu. — Eu não quero só te pegar, Bela. Eu quero você. Tua correria, teu cansaço, teu drama, tuas provas, tuas manias... tudo. Eu sei que a gente se atropela às vezes, mas eu tô aqui. E vou continuar aqui. Fiquei muda. Ele era tão intenso, e isso me dava medo. Mas também me dava vontade. — Me dá um tempo — falei baixo. — Só isso. Me dá tempo pra organizar aqui dentro. Não foge, mas também não me pressiona. Ele assentiu devagar. — Te dou o tempo que for, desde que tu saiba... eu não vou desistir de tu, não. E aí ele fez o que sempre faz: sorriu e me deu aquele beijo estalado na testa, como se dissesse "eu te cuido". Voltei a correr. Mas o coração? Esse já tava correndo desde que ele apareceu. A gente correu mais um pouco, lado a lado, sem pressa, só sentindo a brisa e o silêncio que ficou confortável. Nem tudo precisava ser dito. Às vezes só a presença dele já era barulhenta o suficiente dentro de mim. Quando a gente chegou na altura da padaria da outra vez, ele falou: — Bora tomar café? Pago o pão na chapa, o mamão e até o café preto sem açúcar. Soltei uma risada, lembrando daquele dia caótico. — Se vier com drama, eu te deixo plantado de novo, hein. — Prometo me comportar. Entramos e sentamos na mesma mesinha de canto. Ele tirou a camisa suada e ficou só de regata, chamando atenção como sempre. Tentei não ligar pros olhares, mas era impossível. Ele era o Jace, né? Pedi meu café preto, pão na chapa, mamão e um pão de queijo. Ele pediu um pingado e dois mistos quentes. — Tu come igual pedreiro — brinquei. — E tu come igual modelo estressada, só fruta e café. Isso não sustenta nem teu mau humor — ele riu, e eu acabei rindo junto. A conversa fluiu. Falamos de música, faculdade, até de como o mar tava bonito hoje. Foi leve. Foi bom. Pela primeira vez, em muito tempo, eu me senti... normal. Quando terminamos, ele puxou a carteira, pagou tudo mesmo com minha tentativa de dividir e ficou me olhando com aquela cara de cachorro pidão. — Me deixa te levar até em casa? — Jace... — Prometo que te deixo na esquina se tu quiser, nem olho pra dentro do portão. Só quero saber que tu chegou segura. Fiquei em silêncio por um segundo e depois soltei: — Tá. Mas é só até a esquina mesmo. Ele sorriu vitorioso, aquele sorrisinho safado e fofo ao mesmo tempo. — Juro que nem tento te roubar hoje. Amanhã, talvez. Saímos da padaria e fomos em silêncio. Chegando perto da rua onde eu tava morando, ele reduziu o passo e falou mais sério: — Um dia você vai deixar eu entrar. Mas só o fato de tu deixar eu te trazer já é um avanço. — Não se empolga, Wisley. — Nunca. Só anoto mentalmente cada vitória. Nos despedimos com um selinho rápido, discreto. Mas o coração tava dando cambalhota. Entrei pelo beco e, antes de sumir da vista dele, olhei pra trás. Ele ainda tava lá, parado, sorrindo. E eu? Eu tava derretendo por dentro.
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