ISABELA
Levantei e fui até o espelho. Olhei para mim mesma, meus olhos estavam vermelhos, o rosto pálido, mas, no fundo, havia algo diferente. Um brilho que eu não havia notado antes. Determinação.
Eu sabia que merecia mais. Talvez ainda não tivesse coragem de agir, mas saber disso já era um começo.
Vesti meu pijama, o tecido macio trazendo um pouco de conforto ao meu corpo cansado. Quando voltei ao quarto, Ryan dormia profundamente, deitado de lado, com a respiração pesada. Alheio. Essa era a palavra que definia como ele parecia em relação ao que acontecia comigo.
Deitei-me ao lado dele, mas mantive os olhos abertos, fixos no teto. Não havia como dormir. Minha mente estava ocupada demais, planejando silenciosamente um futuro onde eu finalmente me sentisse livre.
Livre para ser quem eu quisesse. Livre para fazer minhas escolhas sem medo. Livre para encontrar o tipo de amor que não machuca, que não exige que eu me diminua para caber nele.
Enquanto os minutos passavam, meu corpo se acomodou ao lado do dele, mas minha alma já não estava mais ali. Ela já começava a imaginar outro caminho, outro destino.
E, pela primeira vez em muito tempo, isso me deu esperança.
***
O dia seguinte começou cedo, como todos os outros. Acordei com o despertador tocando, minha mente já pulando da preguiça para a lista interminável de tarefas que me aguardavam.
Após uma manhã intensa na faculdade, onde tentei absorver cada palavra do professor enquanto meus pensamentos vagavam para tudo o que ainda precisava resolver, segui direto para a casa de shows no centro da cidade.
O lugar era enorme, vibrante, sempre cheio de movimento e, geralmente, caos. Era o tipo de ambiente que exigia o melhor, e às vezes o pior, de mim. Naquela noite, haveria um show importante, o tipo que lota o local e deixa a equipe correndo como se fosse uma maratona.
Como sempre, eu era a primeira a chegar e, inevitavelmente, a última a sair.
Assim que atravessei as portas da entrada lateral, fui recebida pelo gerente de produção, Carlos, que parecia à beira de um colapso. Ele sempre parecia assim, mas hoje havia algo a mais em seu tom apressado.
— Isabela, precisamos que você verifique o camarim. O artista principal pediu algumas alterações, e o fornecedor dos equipamentos de som ainda não chegou. Pode resolver isso pra gente?
Mal tinha terminado a frase, e eu já sabia que ele não esperava um “não”. Carlos era assim, do tipo que empurrava os problemas para os outros e desaparecia no meio do caos.
— Claro, deixa comigo. — respondi automaticamente, tirando a mochila das costas e ajustando a postura. Meu corpo cansado queria gritar, mas eu aprendi a calar esses sinais há muito tempo. Não havia espaço para fraquezas nesse trabalho.
Segui em direção ao camarim, minha mente já organizando prioridades. Ajustar a decoração. Confirmar a lista de exigências do artista, sempre cheia de detalhes ridículos como a marca exata da água ou a cor das toalhas. Resolver o atraso do fornecedor, que provavelmente tinha se perdido ou esquecido o horário.
No fundo, gostava do trabalho. Havia algo satisfatório em ver tudo funcionando no final, mesmo que fosse às custas da minha energia e sanidade.
Mas também havia dias em que eu me perguntava quanto tempo mais conseguiria fazer isso. Quanto tempo mais eu continuaria sendo a pessoa que consertava tudo para todo mundo, sem nunca consertar minha própria vida.
Enquanto entrava no camarim, respirando fundo para começar mais uma missão impossível, prometi a mim mesma que não deixaria essa rotina me consumir.
Eu ainda tinha sonhos. Ainda acreditava que podia usar tudo isso como um trampolim, não como uma âncora.
Mas hoje, como sempre, o foco precisava estar aqui. Resolvi arregaçar as mangas, lidar com as exigências absurdas e fazer tudo funcionar.
Era isso que eu fazia.
E, no fundo, sabia que era boa nisso.
***
O som ensurdecedor da multidão vibrava na casa de shows, e eu sentia o chão tremer sob meus pés quando Mc Jace finalmente subiu ao palco, duas horas atrasado. Balancei a cabeça, irritada com o descaso dele com o horário. “Um absurdo”, pensei, enquanto cruzava os braços, tentando não deixar transparecer a minha frustração.
Depois de reorganizar parte do camarim e conferir a entrega de bebidas e petiscos, fui até a lateral do palco para pegar mais instruções. No caminho, parei por um momento e me permiti observar.
Lá estava ele. Mc Jace. Irradiando uma confiança quase irritante. Era impossível ignorar sua presença. Ele era loiro, alto, com tatuagens que cobriam o peito, os braços e parte do pescoço, cada uma parecendo contar uma história. Sem camisa, ele deixava à mostra um corpo que parecia esculpido por algum escultor perfeccionista. Os músculos, bem definidos, destacavam-se sob a iluminação do palco, quase hipnotizando quem olhasse.
A bermuda, visivelmente maior do que precisava, caía de forma proposital, revelando a cueca estilosa e aquela entrada muscular que desenhava sua cintura. Por um instante, só um instante, minha mente divagou. Onde aquele caminho levaria? Um arrepio percorreu minha espinha, e eu sacudi a cabeça, tentando afastar os pensamentos que, definitivamente, não eram apropriados.
Lucas passou apressado ao meu lado, segurando um emaranhado de cabos. — Com licença, Isa. — disse ele, me tirando do transe em que eu havia caído.
Pisquei algumas vezes, tentando me recompor. — Concentração, Isabela. — murmurei para mim mesma, virando-me para continuar minha rota até o camarim. Mesmo assim, por mais que eu tentasse ignorar, a imagem de Jace no palco parecia ter se gravado na minha mente.
"Bonito e talentoso, mas arrogante." — pensei, tentando reforçar a ideia de que ele não era mais do que um artista descompromissado com o horário. E, no entanto, uma parte de mim sabia que aquele momento, aquele olhar, aquele arrepio, não seria esquecido tão facilmente.