ISABELA
Quando saí da salinha com o Carlos, ainda com as bochechas quentes e o batom meio borrado, ele me deu um selinho leve e disse que precisava resolver umas paradas da boate.
Fui direto atrás dos meus amigos e, no caminho, encontrei o Conrado encostado no bar, sozinho, com um copo na mão e cara de poucos amigos.
Já senti que vinha merda.
Pedi uma bebida igual a dele, tentando fazer a fina, mas ele ficou me olhando como se tivesse mil perguntas atravessadas na garganta.
Eu fingi que não vi no começo, mas aí ele soltou:
— Sou afim de você há mó tempão e tu fica com o meu irmão, mas não fica comigo.
Deu vontade de dar um passo pra trás.
A voz dele veio carregada, tipo um soco no estômago. E, por mais que eu tivesse me preparado mentalmente pra esse tipo de climão um dia, eu não esperava que fosse tão direto.
Engoli seco.
— Conrado... — comecei, com calma — olha, eu sei que não parece certo, mas as coisas simplesmente aconteceram, tá ligado?
Ele riu sem humor nenhum.
— Aconteceram? Cê deu pro meu irmão numa salinha de escritório no meio da festa que eu te convidei. p***a, Isabela...
Aquilo ali me desmontou por dentro, mas eu não podia mentir. Nem disfarçar. Eu sabia o que tinha feito e não era certo ficar inventando desculpa agora.
— Eu não planejei nada disso, juro. Tu sabe que eu gosto de você, mas é como amigo, Conrado. Eu nunca dei esperança pra outra coisa... e eu não sou de medir impulso. Só sigo o que eu sinto na hora. E hoje, aconteceu... mas nós só ficamos nos beijos.
Ele me olhou como se eu fosse uma decepção que ele não queria ter vivido. Desviou o olhar e deu um gole longo na bebida. Eu tentei quebrar o clima, mesmo sabendo que talvez não tivesse mais volta:
— Vem dançar comigo, vai... só pra aliviar essa tensão.
Ele hesitou, bufou... mas veio.
Fomos pro meio da pista, onde a galera já tava no modo “esquece o mundo”. A batida da música invadia o peito, e eu só queria me perder naquele ritmo.
Dancei com ele, mesmo sentindo o gelo no toque, o peso no olhar. De vez em quando ele falava alguma gracinha no meu ouvido, mas dava pra ver que tava forçado, tentando fingir que não tava ferido.
E ali, no meio daquela multidão, eu percebi que às vezes a gente machuca quem não merece.
Não porque quer, mas porque a vida não encaixa os sentimentos do jeito certo. E eu... eu só queria seguir dançando, tentando fazer as pazes com a bagunça que eu mesma causei.
A pista tava fervendo, luzes piscando, a batida do som batendo no peito... e a tensão entre os dois irmãos era quase palpável.
Conrado dançava perto de mim com um sorrisinho torto no rosto, como quem tava tentando provar alguma coisa. E logo, como se o universo quisesse testar minha paciência, o Carlos se juntou à gente.
Se encostou com aquele jeitão seguro, olhar malandro, e começou a dançar ali, pertinho.
Papo reto?
Eu me senti no meio de um campo minado.
Conrado nem se abalou, parecia até que tava mais animado com a presença do irmão, dançava com gosto.
Mas aquilo ali me incomodou.
Eu tinha acabado de quase t*****r com o Carlos numa salinha qualquer da boate, e agora tava dançando com o Conrado, que, por mais que eu nunca tivesse correspondido, era meu amigo e claramente tava mexido com a situação.
Bateu aquela culpa. Aquela vozinha chata dentro da cabeça dizendo “tu vacilou, Isabela.”
Me afastei devagar dos dois, fugi sorrateira e fui pro bar. Pedi um drink bem gelado, sentei num dos bancos altos e cruzei as pernas, tentando colocar a cabeça no lugar.
O barulho da boate era ensurdecedor, mas dentro de mim, o silêncio já gritava.
Quando meu copo ficou pronto, eu nem cheguei a dar o primeiro gole. Carlos apareceu do nada, chegou me acariciando o braço, tentando encaixar o corpo no meu, com aquele sorriso safado.
— Vem cá, gata... dá um beijo aqui — ele disse, já indo com tudo.
Eu desviei na hora, virei o rosto, e encostei a mão no peito dele, segurando.
— Carlos, na moral... não dá mais. O Conrado tá magoado, e eu gosto da nossa amizade. Não quero destruir isso por uma parada sem futuro, tá ligado?
Ele fez uma cara de quem não entendeu nada, como se fosse inconcebível alguém negar ele.
Insistiu, tentou me convencer, foi se aproximando de novo com aquele jeitinho envolvente.
— Para com isso, Isabela. A gente se deu mó bem, cê sabe... tá sentindo também. Só mais um beijo, vai... — ele falou, colando em mim.
— Já falei que não, Carlos — repeti, me levantando, tentando sair.
Foi aí que ele me agarrou pela cintura, forte, colando meu corpo no dele de novo, como se não tivesse escutado nada.
Minha respiração travou.
Olhei pra ele com raiva, com medo, com tudo misturado. E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa...
PÁ!
O som foi alto, seco e certeiro.
Carlos foi pro chão na hora, cambaleando pra trás e caindo com um baque. O bar inteiro parou por uns segundos, tipo cena de filme. Gente gritou, o som pareceu diminuir mesmo estando no talo.
E eu? Eu congelei.
Só senti a tensão no ar, o cheiro do álcool misturado com o suor da pista, e aquele silêncio que vem antes da tempestade.
O olhar de Carlos tava perdido, tentando entender de onde tinha vindo. E eu também.
Mas no fundo... no fundo mesmo... eu já desconfiava quem tinha dado o soco.
Só não queria olhar pra confirmar.