07 - Teto

1179 Words
Teto Narrando Mano, quando eu terminei de me arrumar, a Celina ainda tava lá enrolando. Falei: — Espera só mais um pouquinho, Teto, tô quase. Quase nada. Já eram dez e dez e eu tava püto. Já cheguei logo falando: — Não vou esperar ninguém. Vai com o Hell, que eu já tô atrasado. Peguei minha moto e meti o pé. O rolê já tava marcado, e eu odeio chegar atrasado, ainda mais quando é coisa importante. Quando dobrei o beco do barraco da Alice, vi que a luz da frente tava acesa. Pensei: "Beleza, ela tá em casa." Nem desliguei a moto, já buzinei logo. Nada. Buzinei de novo. Nada de novo, mano. Já fiquei com aquele ranço subindo no peito. A terceira vez foi com raiva. E silêncio total. Desci da moto já cuspindo fogo. Bati no portãozinho de ferro com força. — Alice, abre essa pörra, vamo logo. Fiquei ali, esperando uns dois minutos. Nadinha. Comecei a pensar mil coisa. Bati de novo, mais forte. — Ô, Alice. Tô aqui fora, Carälho. Nada, véi. N-A-D-A. Aí não teve jeito, pulei o murinho da frente, fui bater na porta da sala. Chutei leve pra não quebrar, mas deu pra fazer barulho. — Vamo, Alice, para de palhaçada. E a porta fechada. Silêncio do outro lado. Já era quase dez e meia, e eu já tava há uns vinte minutos ali, feito um idïota. Senti o sangue ferver. — Qual foi, Alice? Tá me tirando? Combina e depois da nossa pé. Encostei na moto, respirei fundo, mas a raiva era tanta que nem cigarro resolveu. Fiquei olhando pro portão, pensando se ela tava ali dentro me ouvindo e rindo da minha cara. Liguei a moto, dei a partida e saí acelerando, aquela Mandada me paga, deixa ela aparecer na minha frente, vai levar um esculacho pra deixar de ser Vacilona. O baile rolava solto. DJ mandando só pedrada, e eu ali, no camarote, com o copo na mão e Celina no colo, mas minha cabeça tava a mil. Fingindo que curtia, fingindo que tava no clima, fingindo que tava inteiro. Só que não taca tô com raiva dessa garota, e ela pensa que é para me dar um touco, safäda tá se achando, ela que não se ache demais, que eu corto as asinhas dela. Bebi a tequila que tava no corpo todo de uma vez, fiz o sinal para o Talibã me trazer outro Beck, o sangue tá fervendo. — Tu tá estranho hoje, Teto — Celina sussurrou, me olhando de canto. — Tô nada, só chapado. Mentira. Tava era bolado. O baseado batendo, a bebida, misturando tudo, e eu ainda preso naquela sensação de que fui feito de troüxa. Ela podia ter mandado um áudio, uma mensagem, qualquer coisa. Mas não. Fingiu que nem existo. Aí dói o ego, né? parceiro. Ninguém me deixa no vácuo assim. Ninguém. Na pista, a galera tava maluca. As mina descendo até o chão, os cara levantando copo, fumando, gritando, vibrando. E eu ali, parado, como se não pertencesse àquele momento. A Celina tentava me puxar pro clima, rebolava no meu colo, me beijava, me chamava de meu dono, e eu só respondia no automático. Ela é gostosa, é envolvente, é firmeza. Mas não era ela que eu queria hoje, já tô até enjoado de tanto que como essa büceta. Tinha horas que eu fechava os olhos e imaginava a Alice chegando, daquele jeitinho marrento, fingindo que não liga, mas toda arrumadinha só pra me provocar. Eu ia fazer questão de pegar ela na frente de todo mundo. Mostrar que quem manda aqui sou eu. Mostrar que ela me tirou uma vez, mas não vai tirar duas. — Vamo dançar? — Celina perguntou, já querendo ir pra pista. — Vai lá tu. Tô de boa aqui. Ela não curtiu muito, mas foi mesmo assim, com aquele olhar de quem não gostou. Fiquei mais um tempo no camarote, olhando a multidão como se fosse um rei entediado. A noite foi passando e o baile ficando mais insano. Fogos estourando, foguinhos na pista, os moleques soltando fumaça pro alto. Hell veio trocar ideia comigo, me deu parabéns, me passou uma garrafa de whisky caro, falou que tava orgulhoso. Assenti, agradeci, trocamos um brinde, mas nem aquilo me animou. Celina voltou depois de um tempo, suada, com o cabelo colado no rosto, me beijou como se nada tivesse acontecido, sentou no meu colo de novo, e ficou ali me grudando. E eu, na moral? Deixei. Hell me chamou. Disse que era hora de dar aquele salve, aquele jeitão que ele gosta, com moral, presença e respeito. E a quebrada toda parou para ouvir. Ele Falou que já que sou tipo um filho pra ele e era pra eu puxar o bonde do jeito certo, mostrar quem manda. Ele curte muito minha vibe, fala direto que eu nasci pra comandar. E eu gosto disso, desse respaldo. Rolou aquela salva de tiros pro alto, só pra deixar claro que o morro tem dono, que ninguém pisa ali de qualquer jeito. O clima já tava quente, o DJ mandando o pancadão, Celina quase subindo em mim no meio do sofá, mas aí os moleque chegaram com a notícia: — Ret chegou, Teto! Na hora o baile virou outro. Eu sou fãzaço desse cara, pô. Ele subiu no palco e a favela inteira vibrou. O cara tem uma presença, uma energia, A galera foi no delírio. Até Celina levantou do meu colo pra filmar, gritando toda empolgada. A batida envolvente, a rima cortando no beat, todo mundo cantando junto. Ret mandou os brabos, aqueles que bate lá dentro da alma de quem vive no corre. O clima melhorou cem por cento. Parecia que a noite só tinha começado. Fumaça de baseado no ar, garrafa de bebida passando de mão em mão, os menor soltando as gargalhadas, todo mundo vibrando. Eu puxei mais um trago, olhei pro povo dançando lá embaixo e pensei: Era isso que eu queria. Poder, respeito e geral na minha volta. Celina grudada, não deixava espaço nem pra outra mulher respirar do lado. Beijava meu pescoço, falava no meu ouvido que eu era dela. Eu deixava, fingia que tava amarradão, mas na moral? A Alice tava martelando no meu pensamento. Mesmo tentando esconder, fiquei procurando ela no meio da galera. Só que nada. Não vi nem sombra dela. E no fundo, isso me deu mais raiva ainda. Queria que ela tivesse ali, vendo que ela não é nada perto de mim. Que eu tenho a que eu quiser, na hora que eu quiser. Mas ninguém pode saber que eu fui atrás dela, né? Isso eu levo comigo até o caixão. O baile terminou lá pras seis e pouca. Hell com aquela cara de quem tá satisfeito com a noite, deu um tapa nas minhas costas e falou: — É assim que se faz, moleque. Eu só balancei a cabeça e saí, com a Celina puxando minha mão. Ela queria ir pra minha cama, mas eu só queria esquecer que eu fui feito de Otärio.
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