Alice Narrando
Acordei cedo naquele pique. Fiz minha rotina de sempre, botei uma música pra animar o corpo, tomei meu leite com Nescau e fui direto pro salão. A agenda tava lotada, mas eu já fui preparada. Quando cheguei, a Teresa já tava com o olho arregalado, passando vassoura na porta.
— Hoje vai ser pauleira, hein — ela disse, me olhando com aquela cara de quem já previu o caos.
— Vai mesmo. Mas segura que hoje a gente fecha cedo, hein?
— Já ia falar — ela sorriu. — Cinco horas fechando tudo. A gente também é filha de Deus, né?
Concordei rindo. A mulher tava certíssima.
O dia foi um furdunço só. As clientes só sabiam falar de uma coisa: o baile.
— Será que o MC vai ser aquele do desce gostosinho? — uma delas perguntou.
— Eu ouvi dizer que vai ser o do senta com carinho, balança com maldade — respondeu a outra, rindo e dançando na cadeira.
A energia no salão tava lá no alto. Parecia que já era baile ali mesmo. A galera animada, uma fofoca rolando solta, e eu sem tempo nem de respirar.
Na hora do almoço? Que almoço? Só deu pra comer um pão com salsicha atrás do balcão mesmo. Enfiei pra dentro, tomei um copo d’água e fui correndo atender a próxima cliente. Nem deu pra sentar direito.
Quando deu cinco em ponto, a Teresa bateu as palmas e gritou:
— Fechando. Quem tá dentro, termina. Quem tá fora, volta outro dia.
Abaixamos as portas e finalizamos as meninas que ainda tavam lá. Quando a última foi embora, a farra começou. Era hora da gente se cuidar.
Comecei fazendo minhas unhas. Escolhi um vermelho poderoso, tipo olha eu aqui, bebê. Enquanto secava, a Simone veio com a pinça.
— Bora ajeitar essa sobrancelha, Alice. Tá parecendo que brigou com o vento.
— Vai com calma, hein, que eu preciso do meu rosto inteiro no baile.
Depois que ela terminou, foi minha vez de fazer as unhas dela. Assim a gente foi: uma cuidando da outra, rindo, jogando conversa fora, cantando os funks mais indecentes da playlist.
Teresa, do nada, veio com uma:
— E esse cabelo, Alice? Não vai dar um trato na juba, não?
— Ih, deixa quieto, Tequinha. Hoje tenho outros planos.
— Ah é? — ela levantou uma sobrancelha.
— Só no baile, amor.
Ela deu uma gargalhada daquelas que ecoam até na alma.
Saímos do salão já era quase oito e meia. O tempo voou. Dei aquele corre pra casa, coração na adrenalina.
— Vamos mostrar pro Teto como é que se diverte.
Falei sozinha mesmo. Me sentindo. Hoje ninguém me segura.
Tomei um banho caprichado, esfregando até a alma. Saí do chuveiro e já fui direto pro hidratante, aquele com cheiro doce que gruda na pele e deixa qualquer um hipnotizado. Passei com calma, sentindo a pele macia e cheirosa. Depois escolhi uma lingerie bem pequena, rendinha branca que mäl cobria o necessário, só pra garantir que, caso aparecesse, ia ser no mínimo provocante.
O look? Ah, bebê. Hoje eu fui de ousadia total. Vesti um conjuntinho de paetê prata que eu tava guardando pra uma ocasião especial. A sainha era curta, curtíssima, mäl cobria a coxa. O top deixava a barriga de fora e valorizava tudo que eu tenho. Completei com um salto alto fino, daqueles que alongam a perna e fazem qualquer caminhada parecer um desfile.
Na frente do espelho, fiz uma make babadeira. Pele bem feita, iluminador nas bochechas, aquele contorno marcando bem, sobrancelha alinhada e pintei da cor do cabelo e um delineado gatinho de respeito. O batom? Nude, é claro. Não podia faltar.
E aí veio o gran finale, Peguei a lace vermelha. Sim, bebê, vermelha. Um cabelão até o meio das costas, brilhoso, sedoso, de fazer qualquer um virar o pescoço. Coloquei com cuidado, alinhei no espelho e me olhei de cima a baixo. Eu tava simplesmente um escândalo.
— Teto, tu não vai entender nada hoje — falei sozinha, piscando pra mim mesma no espelho.
Já era nove e meia quando peguei minha bolsinha prata e saí de casa apressada. Não ia pela rua de sempre, não. Dei a volta pela outra rua, não queria dar de cara com ele.
Cheguei na esquina da quadra e já dava pra ouvir o som batendo forte. O grave fazia o chão tremer. Era como se o coração batesse no ritmo da batida. A fila na porta tava enorme, gente entrando, saindo, bebendo, se encostando na parede, rindo alto, dançando, tirando foto. Era um mundo totalmente diferente do que eu tava acostumada, e mesmo assim, parecia que eu pertencia ali.
Respirei fundo, ajeitei o cabelo e entrei com a cabeça erguida. Os olhos se voltaram pra mim na hora. As luzes da quadra piscavam em cores neon, azul, roxo, vermelho. O chão colava um pouco, sinal de que já tinha rolado bebida pra todo lado. O ar tava pesado de perfume doce, suor, fumaça e expectativa. A galera tava fervendo.
Fui andando devagar, sentindo olhares me acompanharem. Uns caras soltavam assovios, outros cochichavam. As meninas me olhavam de cima a baixo, algumas com cara de nojo, outras com um sorrisinho de aprovação. Eu sorria de volta, confiante, sem perder o rebolado.
O DJ soltou funk pesado, proibidão, aquelas batidas que não tem como o corpo ficar parado. A galera dançava sem pudor, suando, se encostando, descendo até o chão. O clima era puro fogo.
Eu tava em choque e maravilhada ao mesmo tempo. Nunca tinha ido num baile na vida, e logo no primeiro, parecia que eu tinha nascido praquilo. A energia era surreal. A liberdade, a ousadia, o jeito que todo mundo se expressava no corpo, no olhar, na roupa. Era um mundo à parte, e eu tava no centro dele.
Fui passando pelo meio da pista, o som ficando cada vez mais alto. Comecei a mexer o corpo devagar, sentindo a batida me guiar. Mas é claro que eu procurei em um canto mais escuro, não quero perder a visão do palco. Quero ver quem vai sentar no colo do Teto, e se eu tiver sorte hoje eu vejo meu pai. Nunca vi o famoso Hell.