Em casa, o ambiente era tão impecável quanto nos negócios, o que faltava era o brilho de uma vida compartilhada. O apartamento amplo, com móveis modernos e iluminação cuidadosamente projetada, se revelava um tipo de fuga das discussões do escritório.
Chegou tarde como era de costume. Bianca estava no sofá, analisando as tendências de uma coleção que deveria apresentar em Milão na semana seguinte.
— Se quiser comer, o jantar está pronto. É só esquentar — murmurou a esposa.
— Não estou com fome — ele desconversou. — Quando viaja?
— Quinta-feira — ela continuou clicando nas imagens. — Amanhã tenho reuniões o dia todo. Fico fora duas semanas, talvez três. Depende de como as negociações em Paris se desenrolarem.
— Algum tempo livre na agenda? — ele comentou com uma leve ironia.
Bianca ergueu os olhos pela primeira vez, o senho, indiferente, não esboçava nenhuma emoção.
— Não que eu me lembre — ela encerrou a conversa voltando a se concentrar nos afazeres.
Podiam dividir o mesmo teto, o problema é que viviam em mundos completamente opostos.
Stefano foi até o bar da sala, pegou um copo de uisque e deixou escapar um suspiro discreto.
O espaço entre eles era preenchido por diálogos curtos ásperos.
A distância entre eles não estava apenas nas agendas lotadas, e sim em algo que não podia ser resolvido com reuniões, contratos ou negociações. Algo que ambos pareciam ter aceitado como inevitável.
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O som abafado dos pneus no asfalto molhado preenchia o interior do carro. Stefano, segurava o volante com uma mão, enquanto a outra equilibrava um copo de capuccino duplo, ainda soltando vapor. Era tarde, as ruas de São Paulo estavam menos movimentadas, enquanto a mente fervia em outra frequência. Ele usava o viva-voz do carro para uma chamada internacional com Bianca. Ela já havia chegado em Paris para o desfile. Ocupada com a preparação da equipe do desfile de moda. Ela fala enquanto, distraído, Stefano inclinava o copo para tomar um gole da bebida. Um movimento sutil do carro, quase imperceptível, bastou. O líquido quente transbordou pela borda, escorrendo em um fio caramelizado que o lambuzou a mão antes de alagar os bancos de couro claro do esportivo favorito.
— Merda! — disse, desviando a atenção da rua por um instante para observar o estrago. O capuccino havia formado um pequeno lago pegajoso no assento do passageiro e já escorria pela costura dos bancos.
O aroma doce de chocolate e café misturado impregnava o interior do automóvel. A prioridade era outra, não apreciar o olfato.
— Não, não era com você.
— Tive um pequeno acidente.
— É. Um acidente.
— Não esse tipo de acidente que esta pensando.
— Explico tudo depois — disse encerrando a chamada.
Estacionou em uma vaga qualquer para comprar um pacote de lenços para a limpeza do banco de couro lambuzado de capuccino. Sentia-se ridículo por um deslize tão mundano tê-lo feito mudar o curso.
Dentro do mercadinho, pagou por um pacote de papel-toalha e enquanto se virava para sair do estacionamento, sem querer cruzou com o olhar dela. A mesma moça que havia visto na saída da butique. Camiseta básica com gola em V, short jeans destroçado e coturno cano longo.
Ao vê-lo, os olhos. Penetrantes. Desafiadores. Se arregalaram.
Por um momento, pensou em falar.
Diferentemente de qualquer mulher, a tímida garota parecia atraí-lo como ninguém jamais fizera — nem mesmo a esposa.
Podia estar diante de algo que poderia desestabilizar o que ele lutava para manter organizado.
A bela moça possuía uma aparência incrivelmente jovem. Então, talvez por essa. E outras razões que desconhecia. Se via entregue ao dilema de tomar a decisão de se lançar naquela conquista ou conservar o que ainda restava do casamento decadente. No fundo, talvez fosse tarde para reatar o relacionamento multifacetado pelas instabilidades e distanciamento entre os dois.
De volta ao carro, Stefano ficou parado por alguns segundos, o pacote de papel-toalha esquecido sobre o painel. A racionalidade dizia para ele ignorar aquilo — voltar para sua rotina impecável e deixar aquela distração para trás. Uma curiosidade quase irrepreensível, o incomodava.
Algo que não sentia desde que o casamento com Bianca tinha começado a perder intensidade.
Enquanto ajustava a gravata no reflexo do espelho, tomou a decisão. Ele não costumava deixar dúvidas em aberto. Se aquela garota havia surgido novamente em seu caminho, talvez valesse se arriscar em compreender o motivo.
Era humilhante alguém do nível dele está naquela posição, só que também preciso se quisesse descobrir quem ela era. Se estava sendo correspondido ou apenas fazendo um papel bobo. E se esse era o risco ele estava determinado a correr, mesmo que depois o arrependimento batesse.
Deu algumas voltas passando pelo local onde a tivera visto pela primeira vez, e quando já pensava que ela não apareceria, a encontrou sentada em um banco. Os fios de cabelo dançando ao redor do rosto. Um livro aberto entre os joelhos.
Ela percebeu a aproximação. O breve instante em que os olhares se encontraram foi o suficiente para fazer o mundo ao redor parecer silenciar.
— Sabia que não havia me enganado — disse ele.
Surpresa, ela fechou o livro quase num reflexo.
— Desculpe. Acho que não está me reconhecendo.
Ele deu um passo à frente, inclinando-se levemente, soando baixo, quase íntimo.
— Deveria? — ela ajeitou o cabelo atrás da orelha.
— Não se lembra? Nos vimos semana passada aqui perto. Não sabia que "papel-toalha" poderia criar encontros tão interessantes.
— Coincidência, só isso — ela disse levantando-se com o livro na mão.
— Coincidências são uma questão a parte.
Stefano bloqueou suavemente o caminho, obviamente sem parecer invasivo e o suficiente para fazê-la parar.
— Especialmente quando... o acaso insiste em se repetir com tanta insistência — completou ele.
Ela o olhou como quem avalia o comentário.
— É sempre assim tão direto?
— Nem sempre. Só quando o convencimento exige ter que ir além do argumento.
Ele sorriu. Não era uma conversa qualquer. Era uma confissão.