— Precisa aprender a aproveitar, Selena! A vida não é só estudar — insistiu Júlia com a insistência de que diz a milésima vez.
— Eu sei, eu sei... — ela respondeu pouco convencida e desconcertada.
Desde que se lembrava, seu mundo era feito de páginas viradas e metas bem traçadas. Dividia a rotina entre os estudos e algumas raras saídas com os amigos. A recente aprovação no vestibular não fora apenas uma conquista acadêmica, era também um fardo que carregava há meses.
O caminho para a faculdade estava aberto. O significado disso, no entanto, por dentro, ainda era quase anacrônico.
As duas estavam em um dos barzinhos espalhados pela capital paulistana com um motivo mais do que justo.
Afinal, também mereciam um momento para si, para saborear as conquistas.
— Às duas aprovadas! — a amiga levantou o copo brindando ao sucesso.
— Às duas — repetiu ela erguendo o copo. A bebida fria contrastava com a sensação quente de excitação que começava a crescer dentro dela, embora ainda estivesse reticente quanto estar ali.
O ambiente era animado pelo som da música ao vivo conjunta às conversas das mesas. Selena, ainda se acostumando à ideia de relaxar, girava o canudo no copo enquanto Júlia tagarelava sobre a nova fase que as esperava.
André Luiz chegou depois, trazendo com ele o primo, Caio, com quem ela havia cruzado no dia do almoço em família a cerca de seis meses atrás.
André Luiz era o mesmo das conversas bobas e risadas fáceis. Enquanto Caio, era alguém de uma realidade distante da dela. Vinha de uma família abastada, o tipo que ela dificilmente se aproximaria se não fosse em condições iguais àquela. Daqueles que exalam confiança, sempre com um sorriso largo nos lábios e uma fala certeira.
— Então, será que as belas moças querem um pouco de companhia? — se ofereceu galanteador.
— À vontade! — assentiu Júlia dano um gole no copo.
Entre tragos de cigarro, e planos para o futuro, Caio falava sem reserva sobre sua vida privilegiada, mencionando um possível MBA no exterior, como etapa para assumir os negócios da família.
— Sou o único herdeiro. Alguém tem que arregaçar as mangas — completou com um ar de falsa modéstia.
Selena revirou os olhos discretamente. Caio era exatamente o tipo que gosta de impressionar as mulheres, e ela ao contrário dessas pretensões, não se deixava levar fácil pelas cantadas, tão pouco de um tipo falastrão incorrigível feito aquele.
Otávio e a namorada mestiça, Sara, entraram juntos no barzinho. E Júlia com um aceno animado, tratou de os convidar para se juntar a comemoração.
André Luiz arrastou uma cadeira para o lado de Júlia. Caio repetiu o gesto do primo, e ávido como um cometa assobiou chamando o garçom para que reabastecer a mesa.
Foi então que Caio, com um olhar sério, fez uma proposta meticulosa.
— Eu estava pensando… podiam vir passar um fim de semana no sítio da minha família. Para relaxar um pouco, fugir da rotina.
Selena congelou por um instante. A ideia soava surreal. Um fim de semana inteiro fora? Além de tudo, em um ambiente tão distante da sua ordem natural? Ela se quer sabia o que deveria pensar.
Júlia, no entanto, não perdeu tempo. — Eu topo! — disse entusiasmada como se aquela fosse uma oportunidade única.
André Luiz deu um risinho. — Eu também.
— Eu também, claro. Vai ser divertido.
Sara deu de ombros.
Otavio, cauteloso, ponderou para responder:
— Não sou de sair muito, mas, por que não? Vai ser bom mudar um pouco de ares.
— Só falta você, Selena — Caio voltou a atenção para ela com um ultimo trago no cigarro ainda aceso – a pupila levemente dilatada a meia luz.
— Vamos, Céu! Vai ser ótimo. É sempre bom conhecer outros lugares, espairecer a mente — garantiu Júlia sobre solenidade, confiante de tranquiliza-la.
— Eu... preciso pensar — ela disse tentando não soar careta ou totalmente avessa à ideia.
— Ah, para! Nunca faz nada sem calcular antes? — provocou André Luiz.
Otávio acrescentou num tom conciliador. — Um fim de semana longe desse tumulto, vai ser ótimo! Mas só vai ter graça se também for.
Selena suspirou.
— Tá bom — respondeu com o semblante neutro.
Talvez fosse hora de sair um pouco da bolha.
A resposta vinha da razão não da vontade. Talvez estivesse pronta para experimentar algo novo.
*****
O grupo se encontrou no ponto de partida combinado, e se dividiram em dois carros antes de pegarem a estrada com destino ao interior do Estado. Onde o sítio cercado por montanhas e natureza preservada, os esperava.
O trajeto inicial seguiu pela Rodovia dos Bandeirantes, uma via tranquilo e bem asfaltada que os levou até Jundiaí. Lá fizeram uma breve parada para abastecer e comprar alguns lanches. A paisagem mudava gradualmente: os prédios altos e o trânsito urbano ficavam para trás, dando lugar a vastos campos verdes e pequenas propriedades rurais.
Na saída da rodovia principal, tomaram uma estrada secundária até Santa Amélia do Vale — o último município antes do sítio. Era uma cidade pequena de casarões antigos, com uma praça central arborizada e ruas tranquilas, típica do cenário interiorano.
O trecho final seguia por uma estrada de terra batida, ladeada por morros cobertos de vegetação nativa, plantações de café e eucalipto. O carro balançava conforme avançavam pelas curvas fechadas do caminho acidentado e pequenas subidas. O sítio se estendia por hectares de terra verdejante, árvores altas e uma vista que se perdia no horizonte.
Ao terem chegado ao destino final, a animação era de quem atravessa a eternidade.
— Bem-vindos ao paraíso! — Caio abriu os braços. — Aqui é onde o tempo passa devagar, então aproveitem.
O casarão principal, de arquitetura rústica, tinha um alpendre de madeira e janelas amplas que deixavam entrar a brisa fresca do campo. Ao lado, um lago refletia o céu avermelhado pelo pôr do sol.
Sara tirou os óculos escuros e olhou ao redor, impressionada.
— Nossa! Incrível! Não falou que o sítio era tão bonito assim.
André Luiz sorriu
— E ainda não viram nada.
— Primeiro o descanso. Depois a diversão — sugeriu Caio com um sorriso enigmático nos lábios.