Capítulo dezoito - 18:2

1049 Words
O comboio avança pela Marginal, a chuva fina cobrindo o asfalto com um brilho frágil. Renan mantinha os olhos no retrovisor, o sentimento de que algo estava errado crescendo. A pressão aumentava. O rádio chiou de novo. [Aproximação.] Beto falou, tenso. Renan ajustou o espelho e viu as luzes no retrovisor se aproximando rapidamente. Faróis cortavam a pista como fantasmas, ganhava terreno. [Aguardem meu sinal.] — avisou Renan. As motos se emparelharam lado a lado com o caminhão. Renan não teve tempo de reagir. As motos eram uma distração. E outro som cortou o ar — uma onda de choque fez o caminhão tremer. Renan olhou para o lado e viu fumaça saindo do lado direito. Não era apenas fogo. Uma carga de pequeno impacto fora acionada para danificar a estrutura do eixo traseiro que serve de sustentação para as rodas. O segundo ataque havia sido estratégico. A pista estava sendo obstruída por um bloqueio físico, e o comboio estava sendo cercado. [Estamos encurralados!] — gritou Beto, enquanto o comboio tentava desviar da obstrução. O motorista do caminhão tentou uma manobra, mas era tarde. Um segundo estrondo nas rodas dianteiras fez a direção travar e o veículo derrapar na pista. O comboio, com os veículos danificados, desacelerava rapidamente. [Atirem!] — Renan ordenou. O resto do grupo começou a disparar contra a barreira de carros. A pressão era imensa. Eram muitas unidades e o tempo estava se esgotando. Renan sentiu um impacto e a dor crescer logo abaixo do abdômen. O caminhão estava praticamente parado. Um dos SUVs rodou se perdendo no movimento da estrada. [Precisamos sair daqui.] — Warley disse, enquanto apontava para os carros se aproximando rápido. Renan olhou ao redor, já com a camisa molhada de sangue e a respiração ofegante. Eles estavam cercados, mas ainda havia uma chance. Com o terceiro SUV fora de combate, ele deu a ordem final. [Abandonar! Repito abandonar.] Acatando a ordem, eles correram para uma posição segura. Renan foi o último a sair, fugindo dos zumbidos dos disparos na lataria e estilhaços de vidros. O corpo pesado, o incômodo agudo no abdômen. Ele tentou se mexer, um gosto amargo subiu pela garganta. Preto apareceu no campo de visão, a expressão tensa. — Aguenta firme. Vamos te tirar daqui. Os outros estavam em movimento. O caminhão tombado e os SUVs fora de ação. O carregamento perdido. As armas, o dinheiro — tudo que era esperado já não existia mais. E eles pagariam por todo aquele prejuízo. Preto e Beto conseguiram arrastar Renan para um dos carros de fuga, um sedã preto que estava posicionado como retaguarda. Douglas assumiu o volante e acelerou, saindo da zona de risco antes que qualquer reforço inimigo chegasse. No banco de trás, Renan tentava controlar a respiração. O sangue encharcava a camisa. Warley apertava o ombro dele, tentando mantê-lo consciente. A bala tinha pegado no lado direito do abdômen, e a dor se espalhava como um veneno. Foram direto para um hospital. Dois enfermeiros já esperavam com uma maca improvisada. — Ferimento profundo no abdômen. Suspeita de perfuração intestinal — um deles analisou rapidamente, cortando a camisa ensanguentada. Ele sentiu a pressão das mãos, os murmúrios técnicos, o frio do metal da tesoura raspando sua pele. A agulha perfurando a veia do braço esquerdo. A anestesia bateu rápido. Escuridão. ***** A sala de cirurgia estava mergulhada em tensão. O cheiro metálico de sangue misturava-se ao odor químico. Renan jazia na maca, imóvel, os sinais vitais estabilizados pelos sedativos. O tiro pegara o órgão. Sob a luz fria do refletor, os cirurgiões tinham uma tarefa urgente: remover o projétil antes que uma infecção complicasse a situação. O médico-chefe, um homem de meia-idade com as mangas do jaleco dobradas, analisou o corte já iniciado os procedimentos de emergência. — Vamos abrir. Quero visibilidade total. O bisturi deslizou com precisão, afastando o tecido ferido. Um dos assistentes sugou o excesso de sangue com um tubo de sucção. — Localizei a bala. Perto do intestino, mas sem perfuração grave. Tivemos sorte. Ele trocou de pinça e afundou a ferramenta até sentir o projétil alojado. Um pequeno estalo metálico foi ouvido. — Peguei. — o médico ajustou a pressão, puxando lentamente. A bala saiu, coberta de sangue. O assistente limpou a peça e a jogou na bandeja de metal. Com movimentos rápidos e treinados, o cirurgião começou a suturar as camadas internas. A equipe trabalhava em sincronia, passando os instrumentos e mantendo o foco. Um dos médicos observou o monitor cardíaco. — Sinais estáveis. Vai acordar com dor, mas vai sobreviver. O medico deu os últimos pontos finalizando o curativo removendo a máscara. — Vamos mantê-lo sob observação. Ele vai precisar de antibióticos e descanso. ***** Ao acordar a dor incomoda. A vista ainda embaçada, o abdômen enfaixado, o som distante das máquinas monitorando seus sinais vitais. O cheiro hospitalar de éter. Ele piscou algumas vezes, tentando focar. Foi quando percebeu a silhueta ao lado da cama, as vestes finas, uma presença fria e calculista. Os olhos baixos, avaliando-o como quem analisa um investimento prestes a dar prejuízo. Renan tentou se levantar, o choque da dor o fez travar. —.Perdeu muito sangue. E pelo que me consta, a encomenda — murmurou Torres com a voz severa. — As informações vazaram. — Correto — acusou ele ajustando as abotoaduras do paletó. — E joga a culpa em mim? Foi uma emboscada. — Aprecio sua presunção, Renan. Muitos a adotam esse traço como um defeito incorrigível, outros, como um sinal de inteligência. Eu, sinceramente, aprecio muito mais a eficiência. — Torres, pera aí, vamos conversar. Podemos resolver de outra maneira — disse Renan. — Não é recomendável se esforçar tanto. Ordens médicas. Torres deu as costas, caminhando calmamente até a porta. — O que quer eu faça? Que eu me humilhe? Suplique? Tudo bem, eu suplico. Prometo que terá sua revanche. Torre parou. — Pois muito bem. De um jeito de limpar essa sujeira. Cumpra sua promessa e talvez, só dessa vez, eu considere pegar leve — respondeu ele impassível. A porta se fechou e Renan relaxou apoiando a cabeça nos travesseiros. Por um instante que fosse podia respirar aliviado. Precisava descansar, mas tinha trabalho a fazer. Encontrar aquele que traíra sua confiança, ante que fosse tarde para que salvasse a si próprio.
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