Capítulo um - 1:4

923 Words
Fora da agência, o sol do meio-dia o recebeu, e, com os papéis na mão, pela primeira vez ele experimentou a sensação de estar começando a fincar raízes na vida adulta. Passos rápidos e o olhar atento ao relógio de pulso. Já passava do meio-dia, e o pequeno intervalo que tirara para resolver as pendências estava quase no fim. Mesmo que a tensão acumulada da manhã ainda lhe pesasse os ombros, ainda era preciso voltar à obra. No ponto de ônibus, ele encontrou o alívio de uma brisa leve. A espera da condução, via outros ao redor que tanto quanto ele, estavam imersos em sua própria rotina a girar como uma imensa engrenagem. O ônibus chegou abrindo as portas com seu habitual chiado. E enquanto o veículo trafegava pelas ruas intransitáveis, ele se permitiu fechar os olhos por alguns segundos, tentando recarregar as energias. Desceu no local da obra, e ajeitou a camisa passando a mão de leve no cabelo, tentando recuperar a postura. No portão, o encarregado direto, Jair, o esperava com os braços cruzados e um semblante impassível. — Resolveu tudo? — perguntou. — Tudo acertado. Nenhuma pendência — assegurou ele mantendo o diálogo profissional. — Ótimo. Mas perdeu muito tempo. Vai ter que correr se quiser compensar. Não tinha como ignorar aquela ordem. No canteiro de obra, o respeito era conquistado pelas ações não com palavras. Entrou rapidamente e foi direto ao local de trabalho, pegando as ferramentas e retomando o serviço sem precisar de orientação. Descarregar materiais, ajudar no alinhamento de uma parede, prestar suporte aos pedreiros experientes, que já não precisavam apontar o óbvio. Mesmo cansado, as horas seguintes foram intensas. Quando o apito soou, ele soltou um suspiro. Guardou as ferramentas, lavou o cimento do rosto e ficou por um instante conversando com os outros trabalhadores antes de irem embora. As pernas pesavam como se fossem chumbo. Por outro lado a mente estava tranquila. Cumprira todas as tarefas do dia, tanto dentro quanto fora do trabalho. Ao cruzar a porta de casa, a mãe, olhou para ele com um leve sorriso. — Como foi no banco? — Tranquilo — respondeu colocando a pasta com os papéis sobre a mesa. — Que bom! — exclamou a mãe. — Você merece — disse ela, com uma mistura de cuidado e orgulho. O pai entrou pela porta, carregando uma mochila desgastada no ombro. O rosto dele carregava a marca do trabalho pesado e, também a determinação a qual reconhecia nele mesmo. — Dia difícil? — perguntou a esposa. — Um problema aqui, outro ali, reclamação de um lado, de outro. — disse ele. — Nada que não se possa contornar. — Tive de resolver umas coisas no banco hoje — acrescentou Maurício puxando assunto. O pai caminhou até a cozinha e abriu a geladeira, pegando uma garrafa de água. — E como foi? — Tudo na boa. O pai tomou um gole d’água e se encostou na pia. Parecendo saborear aquele que era um raro instante de conexão entre os dois, marcado pelo entendimento mútuo como também pelo significado. — E me conta — disse o pai sem quebrar o clima —...já se acostumou ao serviço? — Aos poucos. Aprendendo a domar as ferramentas — afirmou ele. — Tá progredindo rápido — o pai sorriu abertamente. — Esse tipo de coisa não se aprende na escola. No começo, achamos que nunca vamos nos acostumar. E com o tempo, isso se torna parte de quem somos — discursou ele. Havia um entendimento mútuo entre eles. E mesmo que sem esboçar externamente, Maurício começava a entender como as coisas realmente funcionavam. O trabalho, muitas vezes extenuante, vinha com suas recompensas. E nenhuma delas foi tão aguardada quanto o dia do primeiro pagamento. Naquele final de mês, a ansiedade tomava conta da casa. As dívidas se acumulavam na mesa da cozinha, e as soluções, meticulosamente discutidas, não trazia nenhum sossego. Na ida ao banco no quinto dia útil, com o cartão na carteira, a fila da agência que se estendia era enorme. Ao inserir o cartão no caixa eletrônico e digitar a senha pela primeira vez, o visor brilhou com os números que simbolizava mais que dinheiro. Era o fruto de todo o esforço das últimas semanas. Fez questão de enquanto passava pelo centro fazer umas compras, de valor simbólico, para o reabastecimento da dispensa. Entrou em casa e encontrou a mãe revisando as contas com a expressão de sempre. — Voltei, mãe! — anunciou ele .— Mãe? — Aqui meu filho, na cozinha — completou a mãe. — Maurício... — disse pasma vendo-o abarrotado de sacolas de supermercado — ...isso vai ajudar muito meu filho. A surpresa e o alívio se misturaram no rosto dela. Eles se sentaram juntos à mesa e começaram a organizar as contas da casa. Parte do salário iria para pagar o imposto atrasado, outra para as contas de água e luz. Ainda sobraria o suficiente para o básico, e, talvez, um pequeno luxo pessoal. Quando o pai chegou à noite e soube da novidade lhe deu um tapinha de leve nas costas – um gesto comum, mas carregado de empatia. — Muito bem meu filho. Está comendo a entender o que é ser um homem de verdade. Mais tarde, enquanto a família se reunia, o clima na casa era diferente. Havia uma certa leveza que há meses não era sentida. Embora não propriamente pronunciado, seus esforços diários não era um mero meio de sobrevivência. Era também uma vínculo para a união e estabilidade da família.
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