Capítulo cinco - 5:1

1137 Words
Parado entre dois prédios decadentes, o vai e vem de faróis na escuridão era constante. A garoa fina caia tingindo o asfalto com um brilho espelhado. Aos 19 anos de idade, Warley já havia visto o que talvez poucos haveriam de ver. Cresceu as sombras do pai, temido e respeitado naquele pedaço. Seu destino parecia traçado desde cedo. O pai, Vitor, havia sido preso, deixando um vazio preenchido somente pela hospitalidade c***l das ruas, escolhas erradas e cicatrizes impossíveis de apagar. Deu 22:15. A luz ofuscante de um farol varreu a parede de tijolos, iluminado o escuro. Passos ecoam no piso molhado. Alguém vinha de encontro a ele. — Como é neguinho, pronto pra ação? Vagner, chefe do tráfico local, emergiu de contra o clarão, com o rosto escondido por uma touca, de moletom largo e luvas. A proposta era de alto risco: transportar uma carga de drogas até o outro lado da cidade, atravessando áreas patrulhadas por facções rivais e a polícia. A recompensa, generosa — suficiente para bancar roupas de grife e fartura por semanas. No outro lado da moeda, o fracasso era um preço alto a ser pago. — Pronto. Confirmou Warley indo determinado em direção ao sedan quatro-portas. — Bom saber. Porque aqui tá ligado que a chapa esquenta — Vagner riu fitando-o com um ar de quem dúvida. Atrás do volante, o grave do motor roncou alto com o toque da chave. As luzes do painel se acenderam e tirando o pé do freio de leve, o sedan deslizou lentamente pela pista. Vagner vigia a estrada com olhos de águia com uma pistola de garantia repousando no colo, e no banco de trás, os dois comparsas, alertas, não descuidam um segundo do movimento. A viagem seguiu imperturbável, mas era imprevisível. O trajeto cruzava territórios hostis, e qualquer deslize seria como acertar na quina ao contrário. O olhar cuidadoso na estrada, registrando cada nuance do percurso, enquanto a mente vaga entre a realidade e flashes do passado. O pai sentado no sofá da sala, o brilho tênue cintilando no cromo do revólver. Os movimentos ágeis girando o tambor com a delicadeza de um relojoeiro. Naquela época, um gesto visto com fascínio, mas que com o passar dos anos se dissolveu como gelo em água fervendo. — Atenção aí. Aqui é área dos caras — disse Vagner cortando seus pensamentos – soando como um alerta, mas sem pânico. A área que entravam era conhecida por ser controlado por uma facção rival. Bastava um olhar suspeito para as coisas desandar. Por sorte, ou talvez por puro acaso, passaram ilesos pela primeira esquina. Ao virar a próxima, pisou fundo no acelerador, engatando a terceira marcha, o motor rugiu e o sedan disparou na avenida deserta. Os ponteiros do velocímetro marcava 75 km/h. A estrada esburacada de terra, cercada por um interminável matagal e sem postes de luz, fazia o veículo balançar. A tensão era grande e a responsabilidade maior ainda. A meta era chegar a um galpão abandonado na zona industrial. Onde os tabletes da droga seriam repassados a rede de redistribuição. A silhueta decadente do galpão em meio a neblina surgiu à frente. O sedan foi estacionado e deixado com o motor ligado, quando um coupé vermelho encostou na traseira. A tensão ficou densa. Os comparsas sacaram as pistolas da cintura prontos para disparar ao menor comando. A porta do coupé se abre, e o comprador, alto de terno escuro, saiu carregando um malote. O bando desembarca. Os comparsas e Vagner vão até o comprador. Warley ficou encostado no capô do sedan com as mãos enterradas nos bolsos da blusa. A troca foi rápida: o exame de qualidade da droga é feito ali mesmo, e o malote de dinheiro entregue nas mãos de um dos capangas encarregado de contar a quantia do combinado. A negociação tinha sido satisfatória e selada sem enrolação. — Hora do pagamento, senhores — assoviou Vagner, acendendo um baseado. O sedan foi manobrado em direção a saída do galpão e, depois, virou à direita pegando a avenida principal. O motor rugiu uma segunda vez, as luzes dos postes passando como flashes. Warley m*l piscava, mantinha as mãos firmes no volante, o maxilar travado, enquanto a adrenalina ainda pulsava em suas veias. No painel o relógio marcava 01:27. Ao se reaproximar do ponto de extração, reduziu a marcha, os pneus sussurrando no silêncio da noite. Entrou em casa, as luzes apagadas. Passou pela sala, jogou a blusa no sofá e foi direto pro quarto. O colchão velho afundou sob seu peso, e ele ficou encarando o teto manchado de mofo. Imaginando como seria se conseguisse trabalhar honestamente, ganhar um salário fixo, ajudar a mãe com as contas sem precisar se meter em esquemas perigosos. Dias atrás a mãe tinha dado a ele um recado do tio, dizendo que era para ele ficar esperando o pessoal do RH entrar em contato. Não havia prestado muita atenção na hora, mas, no fundo, o comunicado continuava vivo em sua cabeça. — Aí Warley! Ouvi um papo aí que tá querendo virar trabalhador. Douglas jogou uma indireta. — Vai botar uniforme, carimbar papelzinho, pegar ônibus lotado às seis da manhã. É isso mesmo? Preto riu recostado num carro rebaixado. Warley suspirou, cruzando os braços. — Meu tio me arrumou uma vaga. Disse ele que vão me ligar pra marcar uma entrevista. — E tá pensando em fazer o quê? Aceitar? Renan, mais reservado dos quatro, perguntou. — Não sei. Talvez, pra não dá muito na cara, depois vejo se fico ou caio fora. Preto soltou uma gargalhada espalhafatosa. — Cê só pode tá ficando maluco meu camarada! Conta pra mim. Quem em sã consciência troca Filé-mignon por Carne-de-segunda? — Deixa de ser o****o, parceiro — Douglas concordou, balançando a cabeça. — Na selva, quem não caça, vira a presa. — Pode crê truta. Mas aí, se ele decidir optar pelo certo, quem somos nós pra querer julgar? — acrescentou Renan jogando na defensiva. A ligação veio três dias depois no período da manhã. O celular vibrou na mesa de cabeceira arrancando-o do sono. — Pronto — ele atendeu – a voz grogue cheia de rouquidão. — Bom dia, Warley? — Warley falando. — Aqui é Mariana da Tekton Engenharia. Estamos ligando para confirmar seu interesse na vaga de ajudante geral. Está disponível para uma entrevista amanhã às Dez? A mente disparou. A oportunidade que ele nem sabia direito se queria batia à porta. — Claro, estou sim. Pode me esperar. — Perfeito. Aguarde o envio do endereço por mensagem. Não se atrase. A chamada foi encerrada, e ele ficou sentado na cama uns minutos, encarando o aparelho, como se aquilo fosse algo fora da realidade. A entrevista parecia algo distante, mas agora era real. Ele teria que decidir se estava pronto ou não para as mudanças.
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