O seminário acontecia em um salão elegante, com lustres antigos e painéis de madeira escura. Executivos, professores e alunos de diferentes partes do mundo já se acomodavam em seus lugares. Caio encontrou uma cadeira ao fundo, preferindo observar antes de interagir.
O palestrante principal, um renomado especialista em estratégias para mercados emergentes, discursava com segurança sobre inovação, concorrência e riscos econômicos.
— Os mercados emergentes apresentam um paradoxo interessante. De um lado, possuem um potencial de crescimento significativo, com uma base de consumidores em ascensão e um ambiente receptivo à inovação. Do outro, enfrentam instabilidades macroeconômicas, marcos regulatórios inconsistentes e desafios estruturais que podem comprometer a competitividade das empresas que tentam se estabelecer.
Gráficos ilustram a oscilação dos investimentos nesses mercados ao longo da última década. O palestrante prosseguiu:
— O caminho para o sucesso passa, necessariamente, pela capacidade de adaptação. Empresas que replicam estratégias de mercados desenvolvidos sem se ajustar ao contexto local enfrentam dificuldades. Já aquelas que compreendem as nuances culturais, econômicas e sociais conseguem construir modelos de negócios resilientes.
O celular vibrou:
“Espero que corra tudo bem.”
Caio leu disfarçadamente a mensagem devolvendo o celular para o bolso da calça.
Fazia anotações de maneira metódica, registrando os principais pontos.
O palestrante continuou:
— A inovação, nesse cenário, não se limita a produtos e serviços, também se limitam à gestão de riscos. Modelos financeiros flexíveis, cadeias de suprimentos descentralizadas e, uma abordagem pragmática na condução dos negócios, são elementos essenciais para operar nesses mercados.
Quando chegou a sessão de perguntas, Caio levantou a mão e formulou uma questão objetiva sobre a aplicabilidade dos conceitos apresentados no mercado brasileiro:
— Professor, considerando essas variáveis, quais ajustes estratégicos seriam eficazes para empresas que buscam expandir sobretudo no mercado brasileiro?
— Excelente questão.
O palestrante respondeu com interesse, puxando uma breve discussão:
— O Brasil apresenta uma economia complexa e setorialmente segmentada. Algumas indústrias, como as tecnológicas e de agronegócio, têm dinâmicas muito distintas daquelas presentes no varejo ou no setor financeiro. Porém, há algumas diretrizes gerais que se aplicam. A primeira é compreender o ambiente regulatório e fiscal, que pode ser um entrave para empresas despreparadas. A segunda é desenvolver parcerias locais que ofereçam capilaridade e conhecimento do consumidor. E, por fim, investir em soluções escaláveis, garantindo flexibilidade para oscilações de demanda.
Caio recostou na cadeira rebuscada do auditório, fazendo algumas anotações finais. Cumprimentou alguns participantes após a palestra, trocando cartões de visitas e saiu do salão. A palestra, apesar de densa, trouxe uma visão aprofundada em relação às dificuldades enfrentadas pelas empresas ao tentar se estabelecer no mercado.
Lá fora, ele fechou o casaco enfrentado o frio do inverno londrino. Lembrando-o de sua viagem solitária.
Ao chegar ao hotel, ele retirou o celular vibrando no bolso com uma chamada:
Pai.
— “Como foi?” — a voz soava neutra, mas com a formalidade típica.
— “Interessante. Trouxe algumas ideias novas sobre estratégias para mercados emergentes.’
—"Ótimo. E o networking? Conversou com alguém relevante?”
Caio apertou a ponte do nariz.
— “Troquei alguns contatos. Nada concreto ainda.”
— “Bom. Quero que me envie um resumo da palestra amanhã. Preciso entender se vale o investimento nesses conceitos para os projetos futuros.”
— “Claro.”
O pai pigarreou antes de continuar:
— “Imagino que essa viagem esteja te fazendo enxergar melhor a dimensão do que estamos construindo.”
Caio sabia o que aquilo queria dizer. Desde antes de embarcar para Londres, o pai vinha preparando o terreno para que ele assumisse um cargo estratégico na empresa da família. Ele havia topado o MBA, mas a verdade é que ainda não tinha certeza daquilo que de fato queria.
— “Estou avaliando” — respondeu, tentando manter o tom neutro.
— “Não leve tanto tempo pensando. O mercado não espera ninguém.”
A chamada foi encerrada logo em seguida. Sem despedidas, sem rodeios.
Caio encarou a tela apagada do celular por alguns segundos antes de soltar na mesa de cabeceira. Jogou-se na poltrona, pegou o bloco de notas e começou a rascunhar o resumo da palestra.
Independentemente de sua decisão, pelo menos por enquanto, ele faria o que esperavam dele.
Na tela do laptop, organizava os tópicos principais da palestra. As palavras fluíam de forma metódica, como se tentasse deixar sua mente ocupada o suficiente para evitar pensar na conversa com o pai.
"Mercados emergentes exigem flexibilidade estratégica. Adaptação ao ambiente regulatório local, formação de parcerias regionais e soluções escaláveis são os principais pilares para o sucesso."
A teoria fazia sentido, fazendo ele se perguntava quantas dessas ideias eram realmente aplicáveis. O ambiente regulatório era confuso, a burocracia, um desafio constante, e as parcerias locais nem sempre garantiam estabilidade.
Caio passou as mãos no rosto. Levantou, foi até o frigobar. Londres brilhava ao longe, vibrante, cheia de possibilidades.
O celular vibrou novamente sobre a mesa. Ele olhou para a tela do aparelho com sorriso sarcástico. Não era nome do pai que aparecera, com havia pensado: Joana.
Não se falavam a meses.
Ele pressionou a tecla para o recebimento da chamada.
— “Caio?” — ela parecia levemente surpresa, como se não esperasse que ele fosse atender.
— “O que você quer?”
— "Nossa! Que aspereza" — disse provocante. — "Vai dizer que não gostou nem um pouco de ouvir minha voz".
O timbre doce como champanhe gelada num copo de cristal. E perigoso.
— "Não temos mais nada, lembra?"
O relacionamento deles nunca teve um ponto final bem definido. E a decisão de ir morar no exterior só fez aumentar essa distância.
— “Soube que está morando no exterior.”
— “Então também sabe que não tenho tempo pra ficar de conversinha pelo telefone.”
— "Espera, não desliga. Só liguei porque achei que estivesse sendo muito solitário. Saber se estava precisava de um pouco de companhia.”
Ela falava com um tom leve, as palavras, como sempre, atingiram um ponto sensível. Londres deveria ter sido um recomeço, mesmo assim, ainda se via preso às mesmas dúvidas.
— "Não da sua."
— “Talvez precise refletir sobre aquilo que realmente quer.”
— “Não entendeu ainda? De você eu só quero é distância.”
— “Sei que não. Que o diz com a boca, o corpo diz outra. Que quando pensa em mim, ainda se lembra de como era quando estávamos juntos.”
Ele expirou, se movimentando pelo quarto em evitar certas reflexões.
— “Bom… vou deixar você se concentrar” — disse Joana. — “Me liga.”
A chamada se encerrou e ele se acomodou a frente do documento aberto com as anotações da palestra.
No início da manhã ele tomou um banho rápido e na saída do banheiro já esperava sem surpresa uma nova mensagem do pai:
“Aguardo seu resumo até o meio-dia.”
Caio começou a digitar a resposta: “Quase finalizando. Envio em breve.”
Podia ouvir o tom de voz do pai na própria mente, analisando cada palavra do relatório como se fosse um investimento a ser calculado.
Ajustou alguns pontos no texto, e ao terminar, anexou o arquivo ao e-mail e clicou no botão “enviar”. Ao terminar o envio, saiu da cadeira e vestiu um terno escuro. Checou o relógio e percebeu que já estava no limite do horário para os compromissos. Vestiu o casaco apressado e saiu do quarto, descendo para o lobby do hotel.
Passou direto pela recepção e saiu para a rua. O vento cortante de Londres parecia trazer uma clareza momentânea.
Ao chegar ao prédio da instituição, com sua arquitetura secular, subiu as escadas e entrou na sala de aula se concentrando na explicação do professor, que falava sobre estratégias de inserção em economias instáveis.
— Para mercados emergentes, a flexibilidade é essencial — dizia o professor. — As empresas que prosperam são aquelas que compreendem as nuances locais, adaptam seus modelos e assumem riscos.
Caio registrava tudo. Flexibilidade. Adaptação. Riscos. Tudo isso fazia sentido nos negócios. Foi ensinado a minimizar riscos, a seguir um caminho seguro. Mas na vida pessoal... o que significava assumir um risco?
Caiu na cama, sentindo os músculos ir relaxando aos poucos.
O celular vibrou sobre a mesa. Não precisou olhar para saber quem era.
“Recebi o relatório. Depois discutimos os detalhes.”
Simples, direto. Sem uma palavra de reconhecimento. Um elogio. Era o que importava. O próximo passo.
Ele expirou devagar, ignorou o celular fechando os olhos.
Amanhã, mais um dia. Mais reuniões. Mais mensagens do pai. Mais tentativas de se convencer de que estava no caminho certo.