Lívia
Quando acordei, o quarto estava vazio.
Por um instante, o silêncio pareceu pesado demais, como se algo estivesse fora do lugar.
A camisa dele ainda estava no chão, o cheiro dele impregnado no lençol, mas Dante não estava lá.
Levei alguns segundos para entender o que isso significava.
Ele não tinha trancado a porta.
Me levantei devagar, o coração batendo tão forte que m*l ouvia outra coisa além do meu próprio sangue nos ouvidos.
Não havia ninguém no corredor. Nem no andar de baixo.
A casa ou mansão, ou prisão, não sei mais como chamar, parecia um túmulo.
Era agora ou nunca.
Desci até o hall, respirando fundo a cada degrau, tentando não fazer barulho. As palavras dos dois homens na noite anterior ainda ecoavam na minha mente.
“Ele vai atrás. Não importa onde ela se esconda.”
Mesmo assim, eu precisava tentar.
Passei por uma porta lateral, que dava para o jardim interno. Não havia câmeras visíveis, nem seguranças à vista.
Ao longe, pelo portão de ferro, vislumbrei a rua. Carros passando. Vida acontecendo.
Comecei a andar mais rápido.
Mas antes que eu pudesse alcançar o portão, alguém surgiu do nada, bloqueando meu caminho.
Um homem alto, magro, de terno cinza e óculos escuros.
— A senhorita não deveria estar aqui fora. — disse, a voz calma demais.
— Por favor… — comecei, a respiração falhando. — Eu preciso sair daqui.
Ele me encarou por um instante. Depois baixou os óculos, revelando olhos claros, frios, mas atentos.
— Vai mesmo tentar fugir dele? — perguntou.
— Eu não posso mais ficar aqui.
Ele suspirou, olhando por cima do ombro como se verificasse se alguém nos observava.
— Sabe o que acontece com quem tenta enganar Dante, não sabe?
— Eu não quero enganar. Só… ir embora.
O homem coçou o queixo, pensativo.
— É corajosa. Ou burra. Ou as duas coisas.
— Vai me ajudar ou não? — rebati, tentando manter a voz firme.
Ele inclinou a cabeça, analisando-me como se fosse uma equação difícil.
— Venha comigo. — disse enfim.
Eu o segui, hesitante, por um caminho de pedras que contornava a lateral da casa.
— Quem é você? — perguntei.
— Alguém que deve mais favores do que pode pagar. — respondeu seco. — E um deles é para você.
— Como assim?
— Não importa. Só faça o que eu mandar.
Paramos diante de um portão menor, meio escondido por heras. Ele retirou um molho de chaves do bolso e abriu.
— Saia por aqui. Siga pela rua, dobre duas esquinas, tem um táxi esperando.
— Você… você vai me cobrir? — perguntei, surpresa.
— Já estou arriscando mais do que deveria só por estar falando com você.
Antes que eu pudesse agradecer, ele me empurrou levemente para fora.
— Agora vá. — murmurou. — E não olhe para trás.
Corri.
O ar frio da manhã queimava meus pulmões, mas não parei.
Um quarteirão. Dois.
Virei a esquina indicada e lá estava o táxi, exatamente onde ele dissera.
— Para onde? — perguntou o motorista, sem me olhar.
— Qualquer lugar longe daqui. — respondi, quase sem fôlego.
O carro arrancou.
Olhei pela janela, tentando acreditar que, depois de tantas tentativas fracassadas, desta vez eu realmente estava indo embora.
Mas então senti um arrepio na nuca.
O celular no bolso da camisa dele que eu ainda vestia, vibrou.
Não era meu.
Peguei o aparelho e a tela acendeu com uma notificação: Chamada de: DANTE
Travei.
— Moça? — o motorista chamou. — Tudo bem aí?
— Tudo bem. Só… siga em frente.
Mas as mãos tremiam. O número dele piscava na tela como uma maldição.
Respirei fundo e rejeitei a chamada.
O telefone tocou de novo. E de novo.
Até que uma mensagem apareceu:
“Você tem 10 minutos para voltar antes que eu destrua tudo.”
Meu estômago revirou.
Ele já sabia.
— Moça, chegamos na rodoviária. — disse o motorista, parando o carro.
Eu não respondi.
Saí do táxi, andando rápido pelo terminal, tentando desaparecer na multidão.
Comprei a primeira passagem que apareceu na tela: destino qualquer, saída em 15 minutos.
Sentei no banco da plataforma, tentando controlar a respiração.
Mas antes que o ônibus chegasse, ouvi passos pesados atrás de mim.
O som de sapatos caros sobre concreto.
— Lívia. — a voz dele, baixa, ameaçadora.
Meu coração gelou.
— Eu só queria… — comecei a dizer, sem me virar.
— Eu sei o que você queria. — Ele apareceu ao meu lado, as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo preto, os olhos sombrios. — E eu também sei o que você precisa.
— Eu não quero mais isso, Dante. Eu não aguento mais.
Ele se aproximou, tão perto que pude sentir o calor do corpo dele, mesmo no ar frio da rodoviária.
— Você já não tem escolha. — disse, a voz baixa. — Eu te dei uma. Você jogou fora.
— Me deixa ir.
— Eu já disse. — Seu olhar queimava o meu. — Eu também sou prisioneiro.
— De quê?
— De você. — murmurou, encostando a testa na minha. — Não existe “ir embora” para nós dois.
Antes que eu pudesse responder, ele segurou minha nuca e me beijou ali mesmo, como se o mundo inteiro tivesse sumido.
— Vai ser assim sempre, Lívia. — disse entre beijos. — Eu encontro você. Eu trago você de volta. Eu quebro você, e depois conserto.
— E se eu quebrar você primeiro? — murmurei, olhando nos olhos dele.
Um sorriso perigoso apareceu em seus lábios.
— Tenta. — desafiou.
Pegou minha mão e me puxou de volta pelo corredor da rodoviária.
— Até onde você iria por mim? — perguntou de novo.
— Até onde você me obrigar. — respondi.
Ele riu baixo.
— Então vamos descobrir.