Capítulo 1
Capítulo 1
CAMILA NARRANDO 🐾
Estou dentro de um carro de aplicativo, totalmente imersa nos meus pensamentos com lembranças que mais uma vez, insistem em barulhar a minha mente.
É fodä!
Tem homem que gruda na pele.
Tem homem que entra na cabeça.
Jacaré?
Ele entrou na alma.
E nunca mais saiu.
Mas claro que isso ele não precisava saber, nem ele nem ninguém!
Já fazem dois meses que a gente não se falava. Desde aquela briga na quadra, quando a Mia se jogou no chão, fingindo que eu tinha batido nela — e ele acreditou.
Ele me olhou como se eu fosse um monstro.
Como se tudo o que a gente viveu fosse nada.
E eu, orgulhosa como sou, virei as costas.
Mas não dormi uma noite sequer sem pensar nele.
Sem lembrar da gente.
Sem reviver cada toque, cada palavra atravessada, cada transä desesperada entre paredes que quase caíram de tanto que a gente se odiava… e se amava.
Então resolvi focar inteiramente em trabalhar e cuidar da minha mãe, e claro as saídas com a Amanda que se tornou uma amiga maravilhosa pra mim.
Mäl tenho parado no morro, estou fazendo bastante faxina e a maioria é fora, estou tentando juntar dinheiro para montar meu salão, tenho fé que vai dar certo.
Precisei ficar uma semana fora do morro, fui fazer um freelancer, tava precisando de dinheiro para comprar os remédios da minha mãe que são caros pra caralhö!
E de quebra conheci um gato... playba... Filho de uma das minhas clientes de faxina.
Meu celular vibra e eu pego do bolso da calça.
[ Roger 🧸 ] - Oi linda, estou louco para te ver.
Leio a mensagem do Roger, e um sorriso involuntário sai dos meus lábios.
[ Camila 🐾 ] - Podemos marcar gatinho, quando você pode?
[ Roger 🧸 ] - O dia que você disser eu vou correndo te buscar.
[ Camila 🐾 ] - Eu vou ver direitinho e te falo até o final da semana.
Termino de digitar e guardo o celular.
( ... )
Chego no morro e vou direto para casa, precisava ver a minha mãe, eu não gosto de deixar ela sozinha, mas paguei a vizinha para ficar de olho nela, enquanto eu fiquei fora para trabalhar.
Cheguei em casa e minha mãe parecia bem melhor. Dei um beijo nela, conversei um pouco e depois de me certificar que ela estava bem, tomei banho, me arrumei e fui até a escolinha do morro.
Convite da Bianca, hoje ia ter uma festinha lá, aberta para os moradores do morro.
Ela queria mostrar para comunidade como a escolinha ficou depois da reforma que ela conseguiu com o apoio da comunidade. Fiquei feliz por ela, foi uma conquista muito importante pra ela, já que o Piloto queria ajudar e ela não quis o dinheiro do tráficö para essa reforma. Ela queria se sentir util e fazer algo para ajudar o morro e conseguiu.
Eu só não estava muito afim de ir, porque com certeza quem eu não tava afim de ver estaria lá.
Mas eu não ia deixar de ir por isso, eu não ia me esconder.
Então eu fui pra mostrar que tava bem.
Firme.
Independente.
Forte.
Mas o morro…
Ele tem cheiro de Jacaré.
A rua, o beco, a laje.
Tudo tem a cara dele.
Minha mente me torturava o caminho todo, até que cheguei na escolinha.
Bianca — Você está linda, Camila — Bianca me disse, me abraçando.
Camila — Obrigada Bi.
Bianca - Você está bem?
Camila - Sim... melhor do que nunca!
Ela sorriu. Mas o olhar dizia tudo.
Ela sabia.
Bianca sempre soube.
Amanda - Mila! - Escutei a Amanda me chamar, ela ia tirar fotos da escolinha para o blog do morro.
Tudo estava perfeito...
E graças aos céus, quem eu não queria ver não apareceu. A Bianca até me chamou para um churrasco, mas eu não estava afim mesmo.
( ... )
Saí da escolinha e decidi passar no bar do Zé, tomar um refrigerante antes de voltar para casa.
E aí veio o erro.
Ou o destino.
Porque quando virei a esquina, dei de cara com ele.
Jacaré.
Camisa preta, cordão grosso no pescoço, boné aba reta e aquele andar lento, pesado, que sempre me tirou o ar.
Ele me viu.
E parou.
O mundo parou junto.
Jacaré — Onç…Camila... — ele disse, como se meu nome fosse sagrado.
Camila — Jacaré, algum problema? — respondi, seca, com o coração sambando no peito.
Ele veio andando até mim.
Eu quis correr.
Mas minhas pernas travaram.
Jacaré — Tô sabendo que você tava lá na inauguração. Achei que ia passar lá na laje, tá tendo churrasco, que o Piloto fez... a Bianca está lá e sua amiga fotógrafa também. — Ele falou, com aquele tom entre despojado e saudade.
Camila — Não tô afim, tenho bastante coisa para fazer, mas não entendi porque você tá se intrometendo nisso.
Ele suspirou. Passou a língua nos lábios e desviou o olhar por um segundo.
Jacaré — Foi mäl, só achei que ia ser legal tu se divertir com suas amigas.
Camila - Não entendi muito bem, essa sua conversa fiada, mas na boa, continua longe de mim, não quero aproximação e se estou aqui parada falando com você foi por educação, uma que você não merece!
Ele deu um passo à frente.
Jacaré — E se eu disser que quero você de volta?
Meu corpo estremeceu.
Mas minha boca continuou afiada:
Camila — Você vai ficar querendo.
Ele ficou me encarando.
Olhos de fera.
Olhos que prometem destruição…
Ou amor.
Jacaré — Você ainda vai ser minha de novo onça, tô ligado que errei, mas vou te mostrar que tô arrependido pra caralhö e nunca mais vou errar com você. — ele disse, com a voz baixa e rouca, antes de virar as costas e ir embora.
E eu fiquei aqui.
Com o corpo tremendo.
E o coração berrando:
"Vai atrás."
Mas eu não fui.
Não hoje.
Porque dessa vez…
Eu nunca mais ia deixar ele brincar comigo.