Capítulo 3
CAMILA NARRANDO 🐾
Tem dia que parece que a vida pesa mais do que o normal.
Saí cedo pra faxina, limpei a casa toda da dona Marlene, lavei quintal, passei pano, cozinhei… e ainda ouvi ela reclamar que a comida tava “sem gosto”. Fodä, né? Mas é o que tem pra hoje. Preciso do dinheiro, não posso me dar ao luxo de responder.
Voltei pro morro morta. As pernas doendo, a coluna gritando, e o coração… o coração eu nem sei mais o que sente.
Assim que abro a porta do barraco, vejo minha mãe jogada no sofá, com aquela tosse seca que já virou trilha sonora aqui em casa.
Camila — Mãe… tomou o remédio?
Lena — Tomei sim, filha… vai descansar, você tá acabada.
Camila — Não posso, mãe. Ainda tenho roupa pra lavar e o jantar pra fazer.
Lena — Sinto muito por está te dando tanto trabalho, não queria ser um peso.
Camila — Mãe, para de falar besteirä, nunca você vai ser um peso, eu faço tudo com muito gosto.
Ela suspira, meio sem forças, e eu finjo que não tô vendo. Se eu parar pra pensar demais, eu desabo. E quem vai segurar as pontas se eu cair?
Enquanto boto a água no fogo, meu celular vibra.
[ Amanda 📸 ] — E aí, sobreviveu hoje? Bora desestressar? Estou me sentindo um lixo, acabei me batendo com o Rafael e foi só ladeira abaixo.
Dou uma risada sem graça. Amanda é minha amiga desde que chegou aqui no morro, minha parceira, minha confidente… e minha fotógrafa particular também. Sempre querendo me botar pra cima, tirar umas fotos minhas, dizendo que eu tenho que me valorizar mais. Mäl sabe ela o quanto me sinto um trapo ultimamente. Bianca ainda continua sendo minha melhor amiga, mas ela está casada, curtindo o marido, a Ana que agora é sua filha, e eu não posso ficar empatando a vida dela com as minhas coisas, então ultimamente estou saindo e vendo mais a Amanda que é muito gente boa, nem a Ayla eu tô saindo, tá comando o morro com o Thor, está grávida e ela tá vivendo outro momento.
Olho a mensagem novamente e respondo:
[ Camila 🐾 ] — Não dá, gostosa. Tô podre e minha mãe tá rüim.
Ela manda só um coração com melhoras e um “tamo junta”.
Enquanto mexo na panela, meus pensamentos vão pra aquele encontro… ou melhor, aquele choque, que foi ver o Jacaré hoje cedo quando estava indo trabalhar.
Ele tava na laje, fumando, com aquela pose de quem manda em tudo e todos. Não falou nada, só me olhou. Mas o olhar… porrä… aquele olhar me atravessou.
Fingi que não vi, que não senti, mas… quem eu tô querendo enganar?
Só de lembrar, minha barriga embrulha, minha perna fica bamba, minha cabeça começa a rodar. Aquele homem foi minha fraqueza, minha queda, meu erro… e meu amor também. O problema é que ele nunca soube cuidar de mim. Só soube me ferir.
Tentei endurecer, seguir em frente. Mas parece que o destino não quer deixar.
Eu sempre soube que ele era mulherengo, que pegava geral, que não valia nada e mesmo assim eu cair no erro de dar uma chance para ele, então se eu me födi, eu tenho mais culpa do que ele, porque eu sabia e arrisquei dando chance pra quem eu sempre soube que não prestava!
Dei chance para filho da putä! E tomei no rabö gostoso! E ainda fico mexida com a presença dele, eu só posso tá louca pra caralhö, não é possível.
O celular vibra de novo.
[ Roger 🧸] — Oi, linda! Estava pensando em você… queria te ver de novo.
Sorrio de canto, meio sem jeito. O Roger… ele é um cara legal, bonito, educado, trabalha, estuda… parece ser tudo que eu sempre quis. E mesmo assim, meu coração emperra.
Tenho um pouco de receio pela posição social dele, somos de mundos diferentes, ele é do asfalto, eu sou do morro, eu sou pobre ele tem bastante dinheiro, sei lá ...
Será que é medo? Ou é porque ainda tô presa naquele desgraçadö do Jacaré?
Respiro fundo.
[ Roger 🧸] — Topa tomar um sorvete amanhã depois da sua faxina?
Penso por uns segundos… e respondo:
[ Camila 🐾 ] — Topo.
Pronto. Dei o primeiro passo. Não sei no que vai dar, mas pelo menos não vou ficar aqui parada, esperando a vida passar e perde tempo, sofrendo por um filho da putä como o Jacaré.
Ainda não fiquei com o Roger, mas não vou me privar, vou deixar rolar e ver o que dar.
( ... )
Mais tarde, Amanda aparece no barraco, do nada, toda empolgada.
Amanda — E aí, onça!
Camila — Ih, me chama de onça não… já basta quem me chamava assim.
Amanda — Foi mäl… mas tá com a cara de quem tá pensando nele.
Reviro os olhos.
Camila — Não tô não, Amanda. Já superei.
Amanda — Aham… sei… E esse sorrisinho?
Camila — O Roger me chamou pra sair.
Ela abre um sorrisão.
Amanda — Eita! Até que enfim! Vai, Mila! Dá uma chance pra você mesma, caralhö!
Dou uma risada fraca. Queria acreditar que é tão simples assim. Ela percebe o clima e pergunta da mãe, eu explico e ela vai até o quarto da oi pra ela e depois volta para conversar mais um pouco.
( ... )
Depois que ela vai embora, fico sozinha, olhando pro teto.
Escuto minha mãe tossindo no quarto, o morro barulhento lá fora, e meu coração silencioso, preso entre dois mundos: o que eu tento construir e o que não consigo esquecer.
Penso no Jacaré.
Penso no Roger.
E penso, acima de tudo, em mim.
Até quando vou viver com a porrä desse sentimento no peito? Logo eu... que sempre fui tão resolvida.
Fecho os olhos, respiro fundo e repito pra mim mesma:
“Dessa vez… eu escolho a minha paz.”
Ou pelo menos tento.