Capítulo 3

1009 Words
Capítulo 3 CAMILA NARRANDO 🐾 Tem dia que parece que a vida pesa mais do que o normal. Saí cedo pra faxina, limpei a casa toda da dona Marlene, lavei quintal, passei pano, cozinhei… e ainda ouvi ela reclamar que a comida tava “sem gosto”. Fodä, né? Mas é o que tem pra hoje. Preciso do dinheiro, não posso me dar ao luxo de responder. Voltei pro morro morta. As pernas doendo, a coluna gritando, e o coração… o coração eu nem sei mais o que sente. Assim que abro a porta do barraco, vejo minha mãe jogada no sofá, com aquela tosse seca que já virou trilha sonora aqui em casa. Camila — Mãe… tomou o remédio? Lena — Tomei sim, filha… vai descansar, você tá acabada. Camila — Não posso, mãe. Ainda tenho roupa pra lavar e o jantar pra fazer. Lena — Sinto muito por está te dando tanto trabalho, não queria ser um peso. Camila — Mãe, para de falar besteirä, nunca você vai ser um peso, eu faço tudo com muito gosto. Ela suspira, meio sem forças, e eu finjo que não tô vendo. Se eu parar pra pensar demais, eu desabo. E quem vai segurar as pontas se eu cair? Enquanto boto a água no fogo, meu celular vibra. [ Amanda 📸 ] — E aí, sobreviveu hoje? Bora desestressar? Estou me sentindo um lixo, acabei me batendo com o Rafael e foi só ladeira abaixo. Dou uma risada sem graça. Amanda é minha amiga desde que chegou aqui no morro, minha parceira, minha confidente… e minha fotógrafa particular também. Sempre querendo me botar pra cima, tirar umas fotos minhas, dizendo que eu tenho que me valorizar mais. Mäl sabe ela o quanto me sinto um trapo ultimamente. Bianca ainda continua sendo minha melhor amiga, mas ela está casada, curtindo o marido, a Ana que agora é sua filha, e eu não posso ficar empatando a vida dela com as minhas coisas, então ultimamente estou saindo e vendo mais a Amanda que é muito gente boa, nem a Ayla eu tô saindo, tá comando o morro com o Thor, está grávida e ela tá vivendo outro momento. Olho a mensagem novamente e respondo: [ Camila 🐾 ] — Não dá, gostosa. Tô podre e minha mãe tá rüim. Ela manda só um coração com melhoras e um “tamo junta”. Enquanto mexo na panela, meus pensamentos vão pra aquele encontro… ou melhor, aquele choque, que foi ver o Jacaré hoje cedo quando estava indo trabalhar. Ele tava na laje, fumando, com aquela pose de quem manda em tudo e todos. Não falou nada, só me olhou. Mas o olhar… porrä… aquele olhar me atravessou. Fingi que não vi, que não senti, mas… quem eu tô querendo enganar? Só de lembrar, minha barriga embrulha, minha perna fica bamba, minha cabeça começa a rodar. Aquele homem foi minha fraqueza, minha queda, meu erro… e meu amor também. O problema é que ele nunca soube cuidar de mim. Só soube me ferir. Tentei endurecer, seguir em frente. Mas parece que o destino não quer deixar. Eu sempre soube que ele era mulherengo, que pegava geral, que não valia nada e mesmo assim eu cair no erro de dar uma chance para ele, então se eu me födi, eu tenho mais culpa do que ele, porque eu sabia e arrisquei dando chance pra quem eu sempre soube que não prestava! Dei chance para filho da putä! E tomei no rabö gostoso! E ainda fico mexida com a presença dele, eu só posso tá louca pra caralhö, não é possível. O celular vibra de novo. [ Roger 🧸] — Oi, linda! Estava pensando em você… queria te ver de novo. Sorrio de canto, meio sem jeito. O Roger… ele é um cara legal, bonito, educado, trabalha, estuda… parece ser tudo que eu sempre quis. E mesmo assim, meu coração emperra. Tenho um pouco de receio pela posição social dele, somos de mundos diferentes, ele é do asfalto, eu sou do morro, eu sou pobre ele tem bastante dinheiro, sei lá ... Será que é medo? Ou é porque ainda tô presa naquele desgraçadö do Jacaré? Respiro fundo. [ Roger 🧸] — Topa tomar um sorvete amanhã depois da sua faxina? Penso por uns segundos… e respondo: [ Camila 🐾 ] — Topo. Pronto. Dei o primeiro passo. Não sei no que vai dar, mas pelo menos não vou ficar aqui parada, esperando a vida passar e perde tempo, sofrendo por um filho da putä como o Jacaré. Ainda não fiquei com o Roger, mas não vou me privar, vou deixar rolar e ver o que dar. ( ... ) Mais tarde, Amanda aparece no barraco, do nada, toda empolgada. Amanda — E aí, onça! Camila — Ih, me chama de onça não… já basta quem me chamava assim. Amanda — Foi mäl… mas tá com a cara de quem tá pensando nele. Reviro os olhos. Camila — Não tô não, Amanda. Já superei. Amanda — Aham… sei… E esse sorrisinho? Camila — O Roger me chamou pra sair. Ela abre um sorrisão. Amanda — Eita! Até que enfim! Vai, Mila! Dá uma chance pra você mesma, caralhö! Dou uma risada fraca. Queria acreditar que é tão simples assim. Ela percebe o clima e pergunta da mãe, eu explico e ela vai até o quarto da oi pra ela e depois volta para conversar mais um pouco. ( ... ) Depois que ela vai embora, fico sozinha, olhando pro teto. Escuto minha mãe tossindo no quarto, o morro barulhento lá fora, e meu coração silencioso, preso entre dois mundos: o que eu tento construir e o que não consigo esquecer. Penso no Jacaré. Penso no Roger. E penso, acima de tudo, em mim. Até quando vou viver com a porrä desse sentimento no peito? Logo eu... que sempre fui tão resolvida. Fecho os olhos, respiro fundo e repito pra mim mesma: “Dessa vez… eu escolho a minha paz.” Ou pelo menos tento.
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