1- Pedro
Capitulo 1
Pedro narrando :
A vida nunca foi fácil pra mim. Desde pequeno, eu sabia que as coisas iam ser complicadas. O corre, a luta, a fome… tudo isso era parte do meu dia a dia. Eu e a minha irmã Alice, a gente já passou por muita coisa.
Desde moleque, aprendi na marra o que é sobreviver. O nosso coroa? Esse aí largou a gente quando eu ainda era pivete. Nem lembro direito da cara dele. Só sei que um dia ele sumiu, deixando eu, a Alice, e a nossa mãe pra trás.
Depois disso, o bagulho ficou doido. A gente passou fome, tá ligado? Não era fome de faltar um lanche ou uma besteirinha não, era fome de verdade, de não ter nada pra comer no final do dia. A nossa coroa tentava segurar as pontas, fazia bico aqui e ali, mas era difícil, mano. A gente vivia no morro da Vila Esperança, e ali o crime sempre tava do nosso lado. Só que a minha mãe nunca deixou eu entrar nessa vida, ela me segurava. Dizia que eu tinha que ser diferente, que eu não podia ir pro mesmo caminho que o meu coroa seguiu. Ela sonhava com outra vida pra mim e pra Alice.
Mas as coisas pioraram ainda mais quando a gente descobriu que a nossa coroa tava com câncer. Ela começou a ficar fraca, perdia o cabelo, emagreceu… Eu com 13 anos, a Alice com 6, e a gente vendo a nossa mãe definhar todo dia, sem poder fazer nada. Era uma dor desgraçada, uma sensação de impotência, tá ligado? Ver a pessoa que sempre foi nossa fortaleza desmoronando aos poucos. E nós ali, sozinhos no meio disso tudo.
O dia em que a nossa mãe morreu foi o mais pesado da minha vida. Não vou esquecer nunca. A gente não tinha ninguém, não tinha grana, nem parente pra ajudar. Eu e a Alice, sozinhos. O velório foi uma tristeza só. O caixão da nossa mãe ali, e o lugar quase vazio. Só apareceram uns curiosos do morro, aquela galera que vem só pra ver o sofrimento dos outros, sabe como é? Nem amigo de verdade a gente tinha. Mas eu não ligava, naquele momento, eu só queria a minha mãe de volta.
Eu lembro como se fosse hoje. Eu de pé, olhando pro caixão da mãe, e a Alice do meu lado. Ela ainda não entendia direito o que tava acontecendo. Perguntava onde a mamãe tava, por que ela não ia voltar. E eu? Eu só chorava. Chorei tanto que m*l conseguia respirar. A dor era insuportável. Eu tinha medo, muito medo, mano. Porque agora era só eu e a Alice. Quem ia cuidar da gente? Quem ia botar comida na mesa? Como eu ia sobreviver naquele inferno de lugar sem a única pessoa que me protegia?
Quando enterraram a nossa mãe, eu senti que o mundo inteiro tava desabando na minha cabeça. Aquele buraco no chão, a terra cobrindo o caixão, e eu ali, parado, sem saber o que fazer. A Alice segurava minha mão, com aqueles olhos grandes, inocentes, sem saber o que tava por vir. Ela confiava em mim, e isso me apavorava mais ainda. Eu era só um moleque, como é que eu ia dar conta de ser responsável por ela?
Mas ali, naquele cemitério, com a mãozinha da Alice apertando a minha, eu fiz uma promessa. Falei baixinho, mais pra mim mesmo do que pra ela:
— Eu vou cuidar de você, Alice. Não importa o que aconteça, eu vou cuidar de você.
Eu jurei pra mim que, de algum jeito, eu ia dar um jeito de fazer isso. Ia lutar, ia correr atrás, ia sobreviver, mesmo que o mundo quisesse me derrubar. Eu tinha que ser forte, por mim, mas principalmente por ela. A Alice era tudo o que eu tinha agora. Minha irmã, minha responsabilidade. Eu não podia falhar com ela.
Depois daquele dia, minha vida virou de cabeça pra baixo. Sem a minha mãe, a fome voltou com força, e eu não tinha mais a quem recorrer. O morro era c***l, o crime tava em todo lugar, e as oportunidades eram poucas. Eu fiz o que pude. Tentava arrumar uns b***s, pegava papelão na rua pra vender, qualquer coisa pra botar comida em casa. Mas era f**a, mano. Todo dia era uma batalha. Eu com 13 anos, tendo que ser adulto antes do tempo. E a Alice? Ela era minha luz. Mesmo com tudo que a gente passava, ela sorria, me abraçava, acreditava em mim. Isso me dava força pra continuar.
A gente vivia num barraco pequeno, só eu e ela. Não tinha mais ninguém pra contar. Os dias eram longos, os meses ainda mais. No fundo, eu sabia que o crime tava ali, me cercando, e que uma hora ou outra eu ia ter que fazer uma escolha. O morro da Vila Esperança era dominado pelo tráfico, e os olheiros sempre me sondavam, chamando pra eu entrar. Mas eu resistia, por causa da promessa que eu fiz pra minha mãe. Ela não queria essa vida pra mim. E eu não queria decepcioná-la.
Só que resistir era difícil. Ver a Alice pedindo comida e eu não ter nada pra dar. Ver ela crescendo no meio de um lugar onde o que importava era quem tinha a arma mais pesada, quem controlava o morro. E eu ali, tentando ser honesto, tentando fazer o que era certo. Só que a fome, mano, a fome muda tudo. Ela mexe com a cabeça, te faz pensar em coisas que você nunca pensaria. E eu comecei a pensar no tráfico como uma saída. Só que eu sabia que uma vez lá dentro, não tinha volta.
Mas eu tinha prometido pra mim mesmo que ia cuidar da Alice. E cuidar dela significava não deixar que ela crescesse nesse mundo de sangue e morte. Então, eu continuei resistindo, mesmo quando parecia impossível. Mesmo quando a tentação de pegar a pistola e fazer o corre era forte.
No fundo, eu tinha esperança. Esperança de que um dia, as coisas fossem diferentes. Que eu e a Alice pudéssemos sair daquele lugar, viver uma vida de verdade. Mas quanto mais o tempo passava, mais eu sentia o peso dessa responsabilidade. Ser o homem da casa, o protetor, o irmão mais velho… era uma carga pesada demais pra mim, mas eu não tinha escolha.
Aquele dia no cemitério, quando a gente enterrou a nossa mãe, foi o início de uma nova fase na minha vida. Uma fase onde eu tinha que ser forte o tempo todo, onde não tinha espaço pra fraqueza. Eu aprendi, na marra, que o mundo não tem dó de ninguém. Que, ou você sobrevive, ou você morre.
E eu escolhi sobreviver. Por mim e pela Alice.
Continua ....
Amores, lançamento oficial dia 19/02