3- Invasão

1076 Words
Capítulo 3 Pedro Narrando: Era mais um dia daqueles. O estômago já roncava antes de eu abrir os olhos. O buraco da fome não dava trégua, mano. Eu tava ficando até tonto de tanto tempo sem comer direito. Alice dormia ao meu lado, encolhida debaixo do lençol fino, e só de olhar pra ela, a dor apertava mais ainda. Não era só a fome que tava me consumindo, era o desespero de ver ela nessa situação. — Eu ainda vou te dar o mundo Alice. — Eu sussurrei. Levantei devagar pra não acordar ela. O sol ainda nem tinha aparecido, e eu já tava na luta. Peguei a mochila velha dela, aquela mesma que já devia ter sido trocada há tempos, e dei uma olhada na roupa que ela ia usar. Tava tudo no osso, o uniforme já apertado, mas era o que tinha. Eu não ia deixar ela faltar na escola. Pelo menos lá tinha comida, e ela podia encher o bucho, né? Era o que me dava força pra aguentar o tranco. — Alice, acorda, maninha. Tá na hora de ir pra escola. Ela resmungou, se virando na cama, e quando abriu os olhos, o primeiro pedido foi o mesmo de sempre. — Tô com fome, Pedro… Aquilo doía no peito, mas eu tinha que ser forte. Não dava pra ela ver que eu também tava no limite. — Eu sei, maninha, mas na escola tem merenda. Cê vai comer lá, tá bom? — Falei enquanto arrumava o uniforme nela, apertando de leve a camisa surrada no corpo pequeno dela. Ela esfregou os olhos, ainda com sono, e me olhou daquele jeito que só criança sabe fazer, cheia de confiança em mim, mas também de uma tristeza que ela nem sabia que carregava. — Cê vai me buscar depois, Pedro? — Vou sim, prometo. — Sorri de canto, passando a mão pelo cabelo dela, tentando acalmar. Ela ficou olhando nos meus olhos por uns segundos, como se quisesse ter certeza. Daí segurou na minha mão. — Promete mesmo? — Prometo. Pode confiar, tá? Eu vou estar aqui quando você sair. — Dei um beijo na testa dela e ajudei a colocar a mochila nas costas. No caminho pra escola, ela ficou segurando minha mão com força, como se não quisesse soltar. Quando a gente chegou no portão, ela começou a chorar, dizendo que queria ficar comigo. Meu coração apertou, mas eu sabia que era o melhor pra ela. A fome tava batendo forte em mim, mas ver ela chorando daquele jeito fazia tudo piorar. — Vai lá, Alice. Vai pra escola, come direitinho, que eu volto pra te buscar. — Ajoelhei na frente dela, limpando as lágrimas que escorriam pelo rosto. Ela fungou, olhando pra mim com aqueles olhinhos de quem confiava em cada palavra que eu dizia. E eu não podia falhar com ela, não podia. — Tá bom… mas volta, tá? — Eu volto. — Falei com firmeza, dando aquele último empurrão pra ela entrar pelo portão. Ela foi, olhando pra trás até desaparecer lá dentro. Fiquei um tempo parado ali, vendo os outros moleques entrarem. Meu estômago já roncava alto, mas eu tinha que aguentar. Mais um dia. Só mais um dia. Desci o morro decidido a pegar papelão. Era o que dava pra fazer. Já tinha umas caixas marcadas nos becos, só esperando alguém carregar. Fui de canto em canto, pegando o que podia, dobrando as caixas, carregando nas costas. O sol começou a esquentar, e eu suava, mas continuava. Cada pedaço de papelão era uma chance de arrumar uns trocados. O dia foi passando, e a fome só piorava, mano. Parecia que o estômago ia colar nas costas de tanto que roncava. Mas eu não podia parar, porque eu tinha prometido pra Alice que ia estar lá, e eu tinha que aparecer com alguma coisa. Quando já tava quase escurecendo, fui lá no mercadinho. O dono já me conhecia. Sempre que podia, ele dava uma moral pra gente, e naquele dia não foi diferente. — Pedro, toma aqui, moleque. — Ele me deu um saco de pão e um pouco de mortadela. Era como se ele tivesse me dado um banquete, mano. — Valeu, tio. De coração mesmo. Cê não sabe como isso ajuda. — Falei, segurando o saco com firmeza, sentindo uma felicidade que há muito eu não sentia. — Sei sim, moleque. Vai lá, cuida da sua irmã. — Ele sorriu, e eu saí dali quase que correndo de alegria. Subi o morro rápido, com o saco de pão apertado no peito. Tava doido pra ver o sorriso da Alice quando ela visse o que eu consegui. O céu já tava meio escuro, com umas nuvens pesadas se formando. Cheguei na escola na hora que o sinal tocou, e os moleques começaram a sair. Alice foi uma das primeiras a aparecer. Quando ela me viu, os olhinhos dela brilharam, e ela veio correndo na minha direção. — Pedro! — Ela gritou, e eu me abaixei pra abraçar ela, com o saco de pão ainda na mão. — Ó, trouxe uma surpresa pra você. — Mostrei o pão e a mortadela, e ela sorriu de orelha a orelha. — Eu sabia que cê ia voltar! — Ela falou, me abraçando com força. — Claro que eu ia. Eu prometi, né? O céu ficou mais escuro, e de repente, as primeiras gotas começaram a cair. Era uma chuva grossa, do nada, mas a gente não se importava. A gente começou a correr pelas ruas do morro, rindo à toa. O saco de pão batia nas minhas pernas enquanto eu corria, e a Alice segurava minha mão, rindo alto, como se nada mais importasse no mundo. Mas aí, do nada, os fogos começaram a estourar no céu. Era sinal de que alguma coisa tava rolando. — Ih, deu r**m, Pedro! — Alguém gritou lá de cima, e logo a notícia se espalhou. — A polícia tá subindo! — Outro grito veio de longe. As vielas ficaram uma loucura. Gente correndo pra todos os lados, se escondendo, fechando portas, abaixando as janelas. Eu puxei a Alice pela mão, o coração batendo mais forte agora, mas dessa vez não era só pela correria. A gente correu junto com o povo, se enfiando por entre as vielas, tentando achar um lugar seguro. O barulho dos fogos aumentava e eu sabia o que vinha depois dos fogos. A guerra tava pra começar. Continua .....
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