Um medo

777 Words
Bruna Eu me lembrava com nitidez de como era a vida dentro do bunker. Aquela fortaleza que meu pai havia construído para me “esconder” se tornou, na verdade, a minha prisão. O silêncio ali dentro pesava tanto que às vezes eu achava que podia tocá-lo. Cada parede, cada canto escuro me lembrava que eu estava sozinha, que a liberdade era um sonho distante, algo que eu só podia imaginar. Eu me sentava à mesa de madeira escura que ele mesmo fez. E, nas tardes intermináveis, preenchia meu caderno, meu único refúgio. Escrever era como gritar sem fazer barulho, como tentar me lembrar que eu ainda existia. "Sabe, eu só queria correr pela ladeira como as crianças…” Mas eu não podia. Nunca pude. O mundo lá fora era um mistério para mim. Eu ouvia sons distantes, risadas, música… e aquilo parecia um filme passando atrás de um vidro embaçado. Algo tão perto e tão inalcançável. "O mundo é perigoso, Bruna", meu pai dizia. "Há muito lá fora que pode te machucar, mas era ele quem me machucava, era ele, quase todos os dias. A voz dele ainda ecoava na minha cabeça, como um sussurro disfarçado de amor, mas eu sei, que ele era somente meu algoz, só isso e nada mais. E dentro do bunker, eu não era ninguém. Eu não tinha histórias para contar, não tinha memórias de infância como as outras crianças, não tinha um ontem e nem sabia se teria um amanhã. O que eu tinha eram páginas cheias de palavras desesperadas, rabiscadas como se fossem portas para um mundo que eu nunca veria. E se eu nunca saísse dali? E se eu me tornasse só uma lembrança apagada, uma menina esquecida atrás dessas paredes? O bunker não era pro.teção, era o túmulo de tudo que eu poderia ter sido. Talvez fosse isso que mais me assustava. Porque, no fundo, eu não sabia o que me esperava lá fora. Mas eu sabia exatamente o que me esperava se eu continuasse ali dentro, eu tinha tanto medo, mas felizmente, tudo acabou. O nada. E eu não queria ser o nada. Eu fui arrancada dos meus pensamentos pela aproximação dele. — Vem, vamos passar a tarde na fazenda. Traga o biquini, porque a recomendação médica é que pegue sol. — Tá apertado... — murmurei, incomodada. — Apertado? — Isso… ganhei peso nas últimas semanas. Ele assentiu, sem fazer mais perguntas. Sabia que era um bom sinal, mas não comentou. Só me levou com ele, como sempre fazia. No caminho, paramos em uma loja. Eu não quis experimentar nada, somente escolhi dois biquinis tamanho M e de modelos diferentes, só isso. Quando saímos, continuei agarrada nele. Agarrada mesmo e ele não reclamou. Porque ele sabia, sabia que eu ainda precisava sentir que estava segura. Dentro do carro, olhei para ele e perguntei, a voz baixa, carregada de incerteza: — Como vamos fazer com os meus documentos? Adelson manteve os olhos na estrada, o rosto sério, sem pressa para responder. A espera só aumentou meu nervosismo, mas quando ele finalmente falou, foi direto, como sempre. — Estou negociando, mas provavelmente vamos ter que te apresentar em uma delegacia para tirar seu nome do registro de desaparecidos. Minhas mãos tremeram levemente enquanto eu fechava os dedos no tecido da minha roupa. O peito apertou, e um arrepio subiu pela espinha. Delegacia, polícia, estranhos fazendo perguntas. Gente me olhando, querendo saber onde estive, o que aconteceu comigo, como escapei. Eu não queria. Não queria encarar aquelas perguntas, não queria que me olhassem como se eu fosse uma história trágica que eles tentariam entender sem nunca realmente compreender, elas fariam um circo, eu tinha certeza, e eu não podia enfrentar aquilo, eu era uma mulher, mas em muita coisa, minha mente tinha parado na menina de dez anos, se alguém gritasse comigo, eu choraria como uma criança assustada. Eu não queria ir até uma delegacia. O carro parou, mas eu continuei sentada, imóvel, o coração batendo rápido. Meu corpo recusava qualquer movimento, como se minha mente já soubesse que fugir não era uma opção, mas meu instinto insistisse que sim. Eu não queria sair, não queria dar esse passo. O risco de que tudo desmoronasse era grande demais. E se tentassem me tirar dele? Se quisessem me mandar para outro lugar, me afastar da única pessoa que fazia eu me sentir segura? A ideia me apavorava, me esmagava por dentro, como se estivessem prestes a arrancar algo que eu ma,l tinha conseguido ter, eu não estava na delegacia e o medo já estava lá, já estava lá. Adelson percebeu. Ele sempre percebia.. Ele me puxou para o colo dele.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD