Serena acordou com os olhos inchados e a cabe ça pesada. A noite fora um tormento, com pensamentos confusos e lágrimas incessantes. Decidiu que não iria à fazenda naquele dia. Com mãos trêmulas, escreveu um bilhete para Dona Alzira:
"Não estou me sentindo bem hoje. Preciso de um dia de descanso, mas não se preocupe, não é nada grave."
Depois de entregar o recado, voltou para a cama, abraçando o travesseiro enquanto soluços silenciosos escapavam. "Por que isso tinha que acontecer comigo?" pensava, sentindo-se perdida.
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Enquanto isso, na fazenda, Alessandro despertava com um humor incomumente leve. O sol entrava pelas janelas, iluminando o quarto luxuoso, e ele espreguiçou-se, satisfeito. "Finalmente está chegando a hora de ir embora", murmurou para si mesmo, um sorriso de canto brotando em seus lábios ao lembrar-se de Serena.
"Até que foi uma estadia interessante... Serena até me surpreendeu. Quem sabe um dia..." Ele deu de ombros e riu sozinho. "Mas já valeu."
Descendo as escadas em passos preguiçosos, Alessandro encontrou seus pais já à mesa na varanda.
— Bom dia! — saudou com um tom despreocupado, pegando o seu café .
— Bom dia, filho! — respondeu Eleonora, observando-o com curiosidade. — Está de ótimo humor hoje, não está?
Inácio lançou-lhe um olhar avaliador e comentou com uma pitada de sarcasmo:
— Claro que está feliz. Ele sabe que vai embora em breve. Já passou do tempo de começar a reclamar de novo. Confesso que até me surpreendi.
Alessandro, divertido, levou seu café a boca e respondeu:
— Até que foi interessante. Mas preciso admitir, estou ansioso para voltar à minha rotina.
A conversa foi interrompida por Dona Alzira, que surgiu com uma bandeja. Antes que ela pudesse servir o café, Inácio a chamou.
— Alzira, chame Serena, por favor. Quero agradecer pelo doce. Está perfeito.
Dona Alzira ajustou o avental, parecendo hesitar antes de responder:
— Ah, senhor, Serena não veio hoje. Mandou um recado dizendo que não está se sentindo bem.
— Não está bem? — perguntou Eleonora, preocupada. — Mas ela está sozinha lá.
Inácio franziu o cenho, sua voz grave refletindo preocupação.
— Alzira, mande alguém buscá-la. Talvez precise de um médico.
Alessandro, que até então parecia indiferente, levantou os olhos rapidamente, mas logo voltou a atenção para o prato, mantendo uma expressão neutra.
A atmosfera ficou mais tensa quando Luiz Fernando apareceu na varanda, com o chapéu nas mãos e uma expressão séria.
— Com licença, patrão. Preciso falar com o senhor.
— No escritório. Depois do café — respondeu Inácio, sem levantar a cabeça.
— Perdoe-me, mas é algo urgente. É sobre Serena.
O nome dela fez com que todos na mesa parassem. Eleonora levou uma mão ao peito, enquanto Alzira cobriu a boca, aflita.
— O que aconteceu com a menina? — perguntou Dona Alzira, já com os olhos marejados.
Luiz Fernando apertou o chapéu nas mãos, a voz carregada de indignação.
— Talvez quem possa explicar seja o Alessandro. Por que não conta, doutor? Ou quer que eu diga o que fez?
Todos os olhos se voltaram para Alessandro, que continuava sentado, mastigando calmamente. Ele finalmente levantou o olhar, sua expressão mostrando um leve tom de aborrecimento.
— Contar o quê? — perguntou, fingindo desinteresse. — Qual é mesmo o seu nome?
Eleonora e Alzira trocaram olhares desesperados, enquanto Inácio cerrava os punhos sobre a mesa, o semblante carregado de fúria.
— Alessandro, o que está acontecendo? — exigiu Inácio, a voz firme.
Alessandro suspirou, inclinando-se na cadeira.
— Não faço ideia. Mas parece que o drama está só começando.
Luiz Fernando, tomado pela raiva, deu um passo à frente.
— Como pode falar assim depois do que fez?
Aproveitar-se de Serena, uma moça inocente e boa...
— O quê? — rugiu Inácio, levantando-se de um salto.
Eleonora segurou o braço do marido, mas ele já estava tomado pela fúria. Alessandro, no entanto, manteve-se tranquilo, inclinando-se para trás com um sorriso irônico.
— Aproveitar? Não sei por que estão fazendo tanto alarde. Sim, fiquei com ela. E daí? Não é o fim do mundo.
O silêncio caiu como uma bomba na varanda. Eleonora arregalou os olhos, horrorizada. Alzira levou as mãos ao rosto, enquanto Inácio avançava para o filho.
— Eu te avisei! Disse para não se aproximar dela com intenções erradas! Serena não é como as mulheres que você está acostumado.
Ela é diferente, com valores e costumes que você não respeita!
Alessandro revirou os olhos e cruzou os braços, claramente impaciente. Seu tom era cheio de sarcasmo quando respondeu:
— Na verdade, pai, não foi isso que pareceu quando fiquei com ela. Serena é exatamente igual a todas as outras. Não entendo por que tanta surpresa. Agora, com licença.
Luiz Fernando, que estava ao lado, cerrou os punhos e respirou fundo, o maxilar travado. O respeito que tinha por Inácio e Eleonora era a única coisa que o impedia de avançar sobre Alessandro naquele momento. “Como pode falar assim de Serena?”, pensava, tentando se conter.
Alessandro deu um passo para sair e arrematou com um sorriso cínico:
— Preparei o terreno para você, Luiz Fernando. Vê se consegue algo lá.
Riu com ironia, mas seu riso foi interrompido pela voz cortante de Inácio, que se aproximou de um salto.
— Não dê mais um passo, Alessandro! — Sua voz estava carregada de uma fúria contida, e seus olhos brilhavam de decepção. — Como ousa falar assim de Serena? Eu não sei onde errei na sua criação. Você só pensa em si mesmo e nos seus prazeres egoístas. Nunca reflete sobre o m*l que causa aos outros!
— Ah, pai, não começa! — Alessandro exclamou, exasperado, jogando as mãos para o alto. — Vocês estão fazendo drama por nada. É só mais uma mulher! Sem importância!
O estalo ecoou pela sala. O tapa de Inácio atingiu o rosto de Alessandro, que virou o rosto com o impacto, os olhos agora estreitos e cheios de raiva. Eleonora, sentada, levantou-se num salto, desesperada.
— Pelo amor de Deus, Inácio!
Inácio apontou para Alessandro, a mão ainda tremendo.
— Não se atreva nunca mais a falar dessa forma, Alessandro!
— rugiu, ignorando a intervenção de Eleonora. — Você não é mais um garoto. Eu não vou mais permitir que você viva como um moleque irresponsável.
— Eu vou sair agora mesmo, pai! — Alessandro disse, virando-se de costas.
A voz de Inácio, porém, soou firme e ameaçadora:
— Saia por aquela porta e hoje mesmo bloqueio todos os seus bens, incluindo a herança. Não se engane, meu filho. Não é uma ameaça. É uma promessa.
O jovem parou imediatamente, cerrando os punhos. Eleonora correu até Alessandro, segurando seu braço, os olhos aflitos.
— Meu filho, o que você fez a Serena? — perguntou, a voz tremendo. — Ela não é como essas moças que você está acostumado. Você pode destruir a vida dela!
Alessandro se desvencilhou do toque da mãe com impaciência, suspirando irritado.
— Drama por nada. Preparei ela para a realidade, mãe. Tudo foi consensual. Eu não forcei nada.
Inácio cerrou os olhos, como quem tomava uma decisão difícil, mas necessária.
— Alessandro, venha ao meu escritório agora. Precisamos resolver isso.
Sem outra opção, Alessandro foi, bufando e balançando a cabeça. Quando chegou ao escritório, jogou-se na cadeira, encarando o pai com arrogância.
— O que foi agora?
Inácio o olhou nos olhos, seu semblante era de aço.
— Você vai se casar com Serena.
Alessandro riu, incrédulo.
— Está louco? Eu? Casar com ela? Você perdeu o juízo!
— Perdi mesmo, Alessandro — respondeu Inácio, cruzando os braços. — E já estou cansado. Você vai se casar com Serena, ou perderá tudo. Seu dinheiro, seu conforto, sua herança. Quero ver até onde vai sua arrogância sem a fortuna que sustenta seu estilo de vida.
Alessandro arregalou os olhos, tentando captar alguma hesitação no rosto do pai, mas Inácio permanecia firme.
— Isso não é sério...
— Teste para descobrir — respondeu o pai, impassível. — Ou você se casa, ou eu dou fim à sua vida de luxo.
Respirando fundo, Alessandro finalmente respondeu, com raiva evidente em cada palavra:
— Tudo bem. Eu caso com a garota.
Ele saiu batendo a porta, deixando Inácio sentado em silêncio, o peso da decisão sobre seus ombros. Eleonora entrou logo depois, os olhos marejados.
— Inácio, isso é uma loucura. E Serena? Ela pode sofrer muito com isso.
Inácio a encarou com firmeza.
— É nossa última chance de salvar nosso filho. Serena tem um coração bom. Talvez ela consiga mudar Alessandro.
No quarto, Alessandro andava de um lado para o outro, pensando no que acabara de aceitar. Uma luta interna se desenrolava nele: a raiva de ser controlado pelo pai e a certeza de que não havia escapatória. Ele murmurou para si mesmo, com um sorriso amargo:
— Essa loucura definitivamente está no sangue da família.