Capítulo 34 – Estrada de Silêncios e Aparências

919 Words
O clima naquela manhã era frio, com um vento suave que soprava pelas janelas do apartamento. O céu encoberto dava tons acinzentados à paisagem da cidade, anunciando uma viagem que parecia carregar mais do que apenas quilômetros a percorrer — mas também tensões não resolvidas. Serena se vestiu em silêncio. Escolheu uma calça jeans justa, confortável, que moldava suas curvas de forma sutil, e calçou um par de tênis discretos — agradecia mentalmente por aqueles sapatos não apertarem como alguns que precisara usar enquanto morou na fazenda. Ainda se adaptava ao hábito de andar calçada, mas já estava bem melhor do que antes. Por cima, vestiu um casaco leve de botões, delicado e elegante, e deixou os cabelos soltos sobre os ombros. Pegou a bolsa que comprara durante o passeio com dona Eleonora no shopping e respirou fundo antes de sair do quarto. Alessandro já a aguardava do lado de fora, de braços cruzados e semblante impaciente. Vestia calça jeans escura, camiseta preta e sua habitual jaqueta de couro, que o deixava com um ar frio e inatingível. Quando Serena apareceu no corredor, ele a observou por um instante. Seus olhos escuros a percorreram de cima a baixo — não estava acostumado a vê-la com aquele tipo de roupa. A calça justa destacava suas curvas com naturalidade, e por um segundo, Alessandro franziu levemente a sobrancelha, como se não soubesse muito bem o que pensar. Constrangida sob aquele olhar, Serena tossiu discretamente e murmurou: — É... Alessandro... Vamos? Antes mesmo de ela concluir, ele já havia se virado e caminhava em direção ao elevador, como sempre, um passo à frente. Serena o seguiu, abraçando a bolsa contra o corpo. No elevador, o silêncio reinou. Serena evitava encará-lo, apertava os dedos com leveza e lutava para não transparecer o nervosismo que sentia. Alessandro mantinha os olhos fixos na porta, a mandíbula cerrada, como se estivesse distante dali. Assim que o elevador chegou ao térreo, ele saiu primeiro, sem olhar para trás. Ela caminhou logo depois, e em poucos minutos já estavam no carro. A cidade ficou para trás, e o som constante dos pneus na estrada tomou conta do ambiente, junto ao silêncio quase sólido entre os dois. Serena apoiava a cabeça contra o vidro da janela, olhando a paisagem cinzenta e fria passar. Foi Alessandro quem quebrou o silêncio. — Quando estivermos lá — começou com a voz firme, sem desviar os olhos da estrada —, precisamos fazer meu pai acreditar que estou tentando. Claro que não posso mudar completamente meu comportamento, senão vai soar falso. Mas é essencial que você seja cautelosa... e inteligente. Ele fez uma breve pausa, então completou com mais frieza: — Meu pai tem que acreditar que eu te trato bem. Que estou tentando te “honrar”. Entendeu? Serena virou o rosto lentamente em sua direção. Seu peito se apertava, mas ela apenas assentiu em silêncio. — Ótimo. Agora, pega esse comprimido e toma com água. — Mas... o que é isso? — perguntou, franzindo a testa. Alessandro suspirou, impaciente. — Apenas tome, Serena. Não quero que você vomite no meu carro ou me peça pra parar toda hora. É só um remédio pra enjoo. Ela o encarou por um instante, mas diante da expressão fria e determinada dele, pegou o comprimido e tomou com a água que estava no console. O tempo passou, e logo Serena adormeceu. O efeito do remédio, aliado ao cansaço e ao clima abafado do carro, a levou a um sono leve. Alessandro a observou de relance — havia algo curioso naquele rosto sereno, tão diferente da tensão constante que ela costumava carregar. Quando avistou um posto de estrada com restaurante, decidiu parar. Abasteceu o carro e, antes de sair, bateu de leve no ombro dela. — Serena... acorda. Ela abriu os olhos devagar, piscando com dificuldade e esfregando-os suavemente. — Oi... eu acabei dormindo... — Sim. Se quiser ir ao banheiro ou comer, vá agora. Não temos o dia todo. Ele saiu do carro. Serena se ajeitou rapidamente e foi ao banheiro primeiro. Quando voltou, viu Alessandro já sentado em uma mesa do restaurante, comendo. Ela se aproximou e sentou-se à sua frente. Ele não a encarou. — É melhor comer algo. Ainda temos um bom tempo de estrada. Serena assentiu. Ao ver o cardápio, seus olhos brilharam. — Nossa... tem tanta coisa gostosa. Dá vontade de comer de tudo — comentou, sorrindo com leveza. Foi um sorriso genuíno. Alessandro a olhou por um momento. Havia algo naquele sorriso que o desconcertou, como uma lembrança de algo perdido — mas ele logo desviou o olhar e pigarreou. — Vamos logo. Pouco depois, voltaram para a estrada. O clima do lado de fora parecia ter esfriado ainda mais, e uma fina neblina começava a surgir enquanto o carro se aproximava do interior. Quando enfim chegaram à fazenda, Serena abriu a janela do carro e respirou fundo. O cheiro da terra, o silêncio acolhedor do campo e a brisa suave lhe arrancaram um suspiro quase emocionado. — Que saudade eu estava disso... Alessandro revirou os olhos, enquanto um pião abria o portão. Enquanto manobrava o carro para dentro da propriedade, disse com voz fria: — Pronto. Agora seja esperta. Finja bem. Meu pai é atento. Um único deslize e ele vai perceber. Parou o carro e a olhou de lado, como um aviso silencioso. — Faça o que for preciso, Serena. Ela engoliu em seco e assentiu mais uma vez. O jogo de aparências estava apenas começando.
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