lobão narrando
Essa semana que passou o bagulho foi louco. Tenebroso me ligou me convidando para um churrasco lá na goma dele e, como fazia uma cota que eu não encostava para o lado de lá, eu aceitei. Deixei o MD na responsa aqui da favela, já que a Priscila não tava se sentindo muito bem por conta da gravidez, e taquei marcha indo curtir um pouco o domingo do lado de lá.
Chegando por lá, o arrombado acabou com o churrasco depois que uma das p*tas do Morro empurrou a mina na piscina. E tenho quase certeza que o arrombado tá de quatro pela novinha, porque só de olhar na cara dele dava para notar isso. A gente é bandido, e mesmo com essa vida louca, lá no fundo, tudo que a gente quer é encontrar uma pessoa que cuide bem da gente e com quem possamos dividir os nossos dias curtos. Afinal, todo dia pode ser a última vez que saímos e talvez não voltemos para casa.
MD tá todo empolgado com a chegada do bebê dele. Faz uma semana que eles descobriram a gravidez e ele já comprou todas as paradas que o bebê vai precisar. Ontem eu encostei lá na goma dele porque me chamaram para jantar, e tinha tanta fralda e caixa com as paradas que ele comprou que m*l tinha espaço para andar.
A Pri tá terminando a reforma no quarto do bebê, então, mesmo tendo comprado as coisas, ainda não conseguiram organizar tudo por lá. No meio do jantar, ela recebeu uma ligação do pai dela, e isso a deixou muito nervosa. O arrombado disse que ela tinha até hoje de manhã para sair do Morro, ou então iria se arrepender das consequências.
Nós sabemos que a única parada que ele pode fazer é mandar o capitão e a arrombada da Sara invadir o Morro. Então, já deixamos nossos vapores em alerta e demos o toque de recolher porque não quero morador sendo pego de surpresa na hora da invasão.
Tava na boca, sentado resolvendo as paradas da contabilidade, quando o meu rádio tocou e eu ouvi a voz do MD me chamando.
Rádio on
— Visão? — falo para ele.
— A filha da pu.ta da Sara tá invadindo o Vidigal. Acho que o próximo será nós. A desgraçada tá tentando prender alguém de todo jeito. — Ele fala, e na mesma hora eu já pulo da minha cadeira para ver se tá tudo em ordem aqui pelo Morro, porque não quero ser pego de surpresa.
— Bora conferir se tá tudo certo no Morro e ver se os vapores já estão cada um no seu posto, porque não quero surpresa.
— Pode pá, tô aqui na boca da Rua 3 conferindo a embalação das paradas. — Ele fala, e eu pego o rádio, coloco no bolso e levo para pegar a chave da moto e meu celular.
Rádio off
Deixamos os vapores cada um nos seus postos, já distribuímos colete e os armamentos. Agora é torcer para a filha da p*ta desistir e não invadir. Fui informado da hora que ela saiu do Vidigal. Graças ao Maior lá de cima, ela não conseguiu levar ninguém por lá, e eu espero que aqui seja da mesma forma.
Pedi para a tia do restaurante fazer comida para os caras, já que ninguém tá saindo dos seus postos. Distribuí junto com o MD, que tá toda hora olhando o celular porque a Priscila tá bastante preocupada e morrendo de medo de que aconteça alguma coisa. Eu tenho em mente que, se ela sair daqui, isso tudo acaba. Porém, eu nunca seria capaz de estragar a vida do meu mano dessa forma.
Já era madrugada quando o rádio tocou de novo. Meu coração acelerou, porque de madrugada nada de bom acontece. Peguei o rádio rápido e respondi.
Rádio on
— Visão? Patrão tá na escuta? — ele fala me chamando.
— Na escuta, Binho.
— Chefe, movimento estranho na entrada da comunidade. Três viaturas subindo, mas sem giroflex. Parece que tão tentando chegar na miúda.
Eu sabia que essa desgraçada da Sara não ia desistir fácil. Olhei para o MD, que já tava de pé me encarando, esperando a minha decisão. Não podíamos dar mole.
— Quero geral na atividade. Eu sei que vocês estão cansados por terem passado o dia todo no plantão, mas essa é a nossa favela e nós precisamos defendê-la. — Eu falo na frequência geral do rádio e olho para o MD. — Tá chegando a hora, vê se fica na atividade porque agora você tem uma família em casa te esperando. — Ele assentiu e saiu na frente. Peguei minha peça, chequei o pente e subi na moto. Se eles queriam guerra, então guerra era o que iam ter.
Fogos dispararam no céu anunciando a invasão e eu respirei fundo pedindo a Deus proteção. Desci o morro correndo indo defender os meus moradores, e eu só peço que Deus me permita voltar para casa vivo mais uma vez.
O bagulho tava louco e para todo lado que eu olhava tinha um bota vindo correndo na nossa direção. MD tá nervoso pra caral.ho e eu entendo ele. Entramos correndo no beco da Rua 6 porque tô ligado que aqui é sem saída e dá o acesso mais fácil para subir nas lajes.
— Tá indo aonde, cara.lho? — eu pergunto para o MD vendo ele sair da viela correndo.
— Eu já venho, p.orra. — ele fala correndo, e eu sigo para poder subir em cima da laje e escuto uma arma destravando atrás de mim.
Me virei vendo a Sara com mais dois policiais do lado apontando os fuzis para mim, e nessa hora meu coração batia acelerado, adrenalina percorria todo o meu corpo e eu só conseguia pensar que, se ela conseguir me levar e pacificar o meu morro, eu vou estar muito fudi.do.
— Para agora e joga o fuzil no chão porque você tá preso. — ela fala para mim, e eu vejo o MD aparecer na viela atrás dela.
Em um movimento rápido, ela se virou com tudo para trás e deu dois disparos que acertaram um dos policiais dela e outro direto na cabeça do MD. Na hora, o meu corpo todo começou a tremer e foi como se a adrenalina tivesse ido embora e, nesse momento, só o medo se fez presente.
— Sua v.adia do cara.lho, ele tinha família, sabia? — eu falo bolado e jogo o fuzil no chão, me ajoelhando e colocando as mãos na cabeça.
— É uma pena. Quem sabe na próxima vida ele não toma uma decisão melhor. — ela fala com um sorriso debochado no rosto e olha para o policial caído no chão.
Fiquei ali olhando o corpo do meu mano no chão, sem acreditar que essa filha da p.uta matou ele. Como é que eu vou falar para Priscila agora que ele não vai nem ver o filho nascer?
— Vamos pacificar esse morro agora. Vocês vêm na escola comigo para a gente conseguir sair com ele do Morro. — ela fala com os policiais, que levantam o outro do chão e confirmam.
— Vamos ver se vai mesmo conseguir me tirar daqui, né? — eu falo para ela, tentando ficar confiante de que os meus vapores vão conseguir me tirar de perto dela.
A descida pelo morro foi completamente um caos, teve várias mortes de vários lados. Foi f.oda pra cara.lho ver os meus homens caindo daquela forma. Fiz sinal para o Buiu, meu gerente, e ele entendeu que era para fugirem, porque se ficarem, serão presos também. Ele entendeu o recado e em poucos minutos ficou um pouco mais fácil de chegar na viatura. Agora eu sei que tô fu.dido porque to na mira deles faz anos.