Elena ficou imóvel.
A voz parecia vir de dentro da madeira.
Baixa, arrastada, como se alguém falasse com a boca colada ao outro lado da parede.
— Elena…
Ela se ergueu na cama, o coração martelando.
O som repetiu, agora mais claro.
— Elena… me escuta.
A respiração dela se acelerou.
Encostou o ouvido na parede.
O frio atravessou sua pele.
Do outro lado, ouviu algo mais — uma segunda voz, sussurrando palavras rápidas, inaudíveis, como se discutissem entre si.
Depois, silêncio.
Elena recuou, o peito arfando.
O quarto estava mergulhado em penumbra, e a vela sobre o criado-mudo oscilava com o vento.
Mas o vento não vinha de lugar nenhum.
A janela estava fechada.
O som voltou, mais grave.
Desta vez, parecia vir de vários pontos da casa ao mesmo tempo — das paredes, do teto, do chão.
Vozes sobrepostas, murmurando o nome dela em ritmos diferentes.
— Elena… Elena… Elena…
Tapou os ouvidos.
Mas as vozes vinham de dentro, vibrando no corpo.
O chão tremeu levemente.
O espelho rachado refletiu luzes que não existiam.
De repente, o som cessou.
E um único sussurro soou próximo ao ouvido dela, tão nítido que o ar se moveu contra sua pele.
— Desce.
Elena se virou num salto.
Nada.
Mas o ar estava mais frio.
Muito mais.
O relógio marcava três e quarenta e três, novamente.
O mesmo minuto que encerrava todas as coisas estranhas.
Ela acendeu outra vela e saiu do quarto.
O corredor parecia diferente — mais estreito, mais longo e escuro.
Os retratos, antes imóveis, agora pareciam acompanhar seus passos com os olhos.
O chão rangia sob o peso dela, e o som ecoava como se o interior da casa fosse oco.
As vozes começaram de novo.
Mais baixas.
Mais nítidas.
Sussurros que formavam frases fragmentadas.
— …não devia ter aberto…
— …ela está perto…
— …o sangue acorda o que dorme a anos…
Elena desceu as escadas.
Cada degrau fazia o ar vibrar, como se a madeira respirasse.
Na sala, o fogo da lareira estava aceso — mas ninguém o acendera.
As chamas dançavam sem som.
Ela então, caminhou até o meio do cômodo.
O vento passou pelas cortinas e trouxe um cheiro de terra molhada e ferrugem.
Ela reconheceu o aroma.
O mesmo da cela.
— Sarah? — chamou, a voz trêmula. — É você?
Silêncio.
Depois, um estalo seco, vindo do assoalho.
A voz respondeu, distante e rouca:
— Não estou sozinha.
Elena deu um passo atrás.
O som veio do porão.
Lento.
Regular.
Como alguém subindo os degraus de dentro para fora.
A vela tremia em sua mão.
— Mãe? — chamou, quase sem voz.
Nada.
Apenas o som do ferro batendo em madeira.
A tranca da porta do porão vibrou.
Devagar.
Como se uma mão invisível a tocasse.
Elena recuou.
O ar ficou mais denso.
A chama da vela diminuiu até quase sumir.
E então, a voz — agora mais próxima, feminina, suave, triste.
— Elena…
Ela reconheceu.
A voz de Sarah.
— Tia?
— Está frio aqui embaixo. — A voz parecia vir de muito fundo. — Desce, por favor.
Elena se aproximou da porta, o coração disparado.
A madeira exalava cheiro de mofo e ferro.
Encostou a mão na tranca.
O metal estava gelado.
— Onde você está? — perguntou.
Silêncio.
Depois, a voz respondeu, distante:
— Atrás da parede.
A vela apagou.
O breu foi total.
Mas mesmo no escuro, Elena sentia o peso da presença.
Respiração.
Movimento.
Vozes sussurrando o nome dela, uma por uma, até se fundirem em um único som grave.
Do fundo do porão, algo arranhou o chão.
Depois, um som metálico — como correntes se movendo.
E, então, um leve murmúrio, quase como uma canção.
— O tempo acabou… o tempo acabou…
Elena recuou um passo.
Outro.
Mas o som a seguiu, subindo as paredes.
O murmúrio transformou-se em gemido.
O gemido virou grito.
As vozes gritaram juntas — um coro desesperado ecoando por toda a casa.
As janelas estremeceram.
As luzes piscaram.
E do teto caiu uma chuva fina de poeira e tinta.
No meio do caos, uma única voz se destacou.
Baixa.
Deliberada.
Fria.
— Você abriu o espelho, Elena.
— Agora ele está dentro das paredes.
O grito cessou.
Silêncio absoluto.
A vela reacendeu sozinha, uma chama fraca.
A tranca do porão, que antes vibrava, estava aberta.
Escancarada.
Da escuridão lá de baixo vinha um som contínuo.
Gotejar.
Tic.
Tic.
Tic.
Elena segurou a vela firme.
Sabia que, qualquer que fosse a resposta, estava no fundo daquela escada.
E sabia também que, ao descer, talvez nunca mais voltasse igual.
Deu o primeiro passo.
O ar cheirava a ferro e terra molhada.
As paredes exalavam frio.
Cada degrau parecia mais longo que o anterior.
As vozes cessaram.
Mas um som novo começou.
Baixo.
Humano.
Respiração.
Quando chegou ao fim, o piso do porão estava coberto de água rasa.
No centro, algo brilhava.
Uma moldura.
Pequena.
Espelhada.
Elena se ajoelhou.
O reflexo não mostrava o porão.
Mostrava o quarto dela.
A cama vazia.
E no reflexo da cama, ela mesma — deitada, dormindo.
Um frio percorreu-lhe a nuca.
As vozes voltaram, em coro baixo e uníssono:
— O espelho abriu o caminho.
— Agora, a casa lembra.
— A casa respira.
— A casa vê.
A vela apagou.
O som das gotas se transformou em sussurros.
E, na escuridão, uma última voz soou perto do ouvido dela:
— Volta, Elena.
— Antes que as paredes te aprendam também.
A chama reacendeu por si só.
O espelho havia desaparecido.
Mas nas paredes úmidas, impressas pela água, havia marcas de mãos.
Pequenas.
Grandes.
Antigas.
E todas voltadas para fora.
Elena subiu correndo, o coração disparado.
Ao fechar a porta do porão, ouviu, pela última vez, o som das unhas arranhando a madeira.
E uma voz, calma, suave, quase maternal:
— Agora você me escuta.
O relógio da sala marcou três e quarenta e dois.
E a casa, viva novamente, respondeu com um suspiro.
A respiração da casa se misturava à dela.
O som não era vento, nem madeira.
Era algo vivo, profundo, que se movia sob o piso, dentro das paredes, entre os cômodos.
Elena encostou a testa na madeira fria da porta do porão.
O toque devolveu um calor estranho — como se o outro lado ainda estivesse pulsando.
Ela se afastou devagar.
A vela tremia em sua mão.
A chama alongava sombras que se distorciam e desapareciam no corredor.
Nenhum som humano.
Mas, por instinto, Elena sabia que não estava sozinha.
Subiu os degraus em silêncio.
Cada passo ecoava num vazio maior do que o espaço ao redor.
A casa parecia expandir-se e encolher com a respiração dela.
No alto da escada, a sala parecia diferente.
Os móveis haviam mudado de lugar.
A poltrona da mãe estava virada para a parede.
O relógio da lareira, parado, mostrava 3:42.
Sempre o mesmo número.
Elena passou os dedos pelo tampo da mesa.
Havia marcas de poeira — e entre elas, impressões finas, como dedos infantis.
O ar cheirava a vela queimada e ferro.
De repente, o som.
Um leve arranhar vindo de dentro da parede.
Virou o rosto lentamente.
O som repetiu, mais forte.
Arranhar.
Depois, três batidas secas.
Toc. Toc. Toc.
O mesmo ritmo da noite anterior.
— Sarah? — sussurrou.
Nenhuma resposta.
Somente o eco fraco de algo se movendo dentro das tábuas.
A chama da vela se inclinou sozinha, apontando para o corredor dos retratos.
Elena sentiu o corpo inteiro gelar.
Ali, o quadro de Sarah continuava no mesmo lugar.
Mas agora estava coberto.
Um lençol branco pendia sobre ele, como se alguém — ou alguma coisa — tivesse tentado esconder a pintura.
Elena se aproximou.
O pano tremia levemente, mesmo sem vento.
O som das batidas voltou, vindas de trás da parede.
Ela encostou a mão.
A madeira estava quente.
E havia algo por trás.
Movimento.
— Fala comigo — pediu, quase num sussurro. — Eu sei que é você.
A parede vibrou, devolvendo um som fraco.
Um murmúrio arrastado, incompreensível.
Depois, mais claro:
— A casa lembra…
Elena recuou um passo.
A voz continuou, agora mais próxima.
— A casa lembra, Elena.
— O sangue é a chave.
O lençol caiu sozinho.
O retrato estava diferente.
A imagem de Sarah havia desaparecido.
No lugar, o fundo escuro da tela mostrava apenas uma parede rachada — a mesma onde Elena estava.
E na rachadura, algo se movia.
Como um olho tentando abrir-se.
Elena recuou, o coração descompassado.
O som dentro das paredes aumentou.
Sussurros em coro, palavras sem idioma, algumas familiares, outras impossíveis.
Ela tapou os ouvidos, mas as vozes estavam dentro.
De repente, um estampido.
A madeira atrás dela cedeu, abrindo uma f***a estreita, de onde soprou um vento gelado.
O lençol foi puxado para dentro, engolido pela escuridão.
Elena se aproximou da rachadura.
O interior era escuro, mas fundo — como um corredor escondido dentro das paredes.
Do buraco, vinha o som das vozes, mais claras, mais próximas.
— …não devia ter aberto…
— …ela ainda vê…
— …três e quarenta e dois…
O frio a fez estremecer.
Mas o medo maior era da curiosidade.
Ela precisava ver.
Precisava saber o que havia ali dentro.
Abaixou-se, segurando a vela com firmeza.
O fogo tremia, quase se apagando.
O vento vinha de dentro da f***a, não de fora.
Um ar velho, úmido, com cheiro de poeira antiga e metal oxidado.
Elena encostou o rosto perto da a******a.
— Sarah… está aí?
Por um segundo, nada respondeu.
Depois, um som suave, humano, tão próximo que parecia vir de dentro dela:
— Sim.
Elena soltou a vela.
O fogo caiu no chão e apagou-se.
No escuro total, as vozes sussurraram juntas:
— A casa tem memória.
— E agora, você também.
O ar mudou.
A f***a se expandiu lentamente, abrindo um vão estreito, largo o bastante para passar um corpo.
De lá, uma corrente fria percorreu o corredor.
E junto, um som.
Respiração.
Não humana.
Lenta, úmida, irregular.
Elena recuou até encostar na parede oposta.
Mas a curiosidade venceu o medo.
Abaixou-se de novo.
O interior da passagem se estendia em trevas.
E ao fundo, um brilho fraco.
Dourado.
Pulsante.
De dentro, a voz chamou uma última vez:
— Elena… o espelho ainda está aberto.
O som de correntes ecoou sob o assoalho.
O chão tremeu levemente.
As velas da sala se apagaram todas ao mesmo tempo.
E a casa, antes silenciosa, começou a murmurar.
Palavras que vinham das tábuas, dos quadros, dos móveis.
Palavras em línguas esquecidas.
E entre elas, uma frase repetida em uníssono, grave, dolorosa, como um lamento ancestral:
— A parede respira.
— A parede lembra.
— A parede sangra.
O chão rachou sob os pés dela.
Uma f***a se abriu, estreita, revelando um brilho vermelho, profundo.
O mesmo tom das visões.
Elena gritou, mas o som não saiu.
A casa respondeu com outro sussurro.
— Desce.
— O que está embaixo ainda vive.
O relógio marcou 3:43.
Um minuto fora do ciclo.
O primeiro fora da ordem.
E a casa gemeu, como se tivesse sentido dor.
Elena olhou para o buraco nas tábuas, onde o ar quente e úmido subia devagar.
Vozes vinham dali.
Chamando.
Cantando.
Prometendo respostas.
Deu um passo à frente.
Depois outro.
O chão estalou.
E, no instante em que tocou o limite da f***a, algo sussurrou do escuro, bem junto ao ouvido dela:
— O porão nunca foi o fim, Elena.
— Foi o começo.
O vento soprou por toda a casa, apagando a última vela.
E tudo se perdeu na escuridão.