Armin POV
Estava escuro e frio na barriga não era exatamente tudo o que eu senti quando vi Arzhel parado no final da escada com seu hobby de cetim preto de braços cruzados.
- Posso saber o motivo de ter chegado depois de uma hora e meia quando o trajeto da casa dos Goldberg até aqui é de vinte minutos?!
Entre dentes ele perguntou nem um pouco feliz com a minha chegada tardia e eu corri até ele em passos minúsculos e segurei em seu antebraço ainda rígido naquela posição.
- Desculpa, desculpa, desculpa!
Pedi repetidas vezes para ele que possuía uma expressão nada boa de maxilar travado e sobrancelhas juntas.
- O Theo tava um pouco bêbado, nós tivemos que levar ele em casa e...
Iria completar minha frase se ele não tivesse me interrompido.
- Nós? Nós quem?!
Questionativo ele continuou com aquela carranca e eu quase botei tudo a perder, mas me lembrei do que tinha o dito antes de sair da festa.
- Eu e meu colega da escola, Nikita.
Respondi me forçando a passar uma imagem tranquila pela segunda vez naquela noite e ele parecia não engolir muito aquilo, mas coçou o nariz revoltado.
- Vá deitar, você tem aula amanhã e nem pense em deixar de ir!
Apontou ele e eu deixei um beijo em uma de suas bochechas após ficar na ponta dos pés.
- Obrigada por entender, maninho!
Acenei para ele correndo para o meu quarto e fechando a porta atrás de mim soltando a respiração que estava presa em meu peito.
Essa foi por pouco.
Quase entrei em uma enrascada das feias por causa de Theo.
Aquele bandido me paga!
- Muitas emoções?
A voz de Vikram interrompeu meu momento introspectivo me fazendo reparar em sua presença na beirada de minha cama.
Meneei a cabeça em resposta e fui até um baú que tinha perto de meu guarda roupas tirando algumas cobertas e mantas para ele forrar o chão e fazer sua cama.
- Lembrando que sua cama é no chão e...
Ia dizendo enquanto me virava mas encontrei Vikram bem aconchegado em minha cama naqueles poucos segundos em que mexia no baú.
Não hesitei em chutá-lo para o chão dessa vez e ele riu aparecendo na beirada da cama de joelhos.
- Antigamente você nem ligava comigo dormindo aí...
Apontou para a cama com o queixo em um tom malicioso e eu fiz cara feia jogando as colchas para ele, ou melhor, jogando as colchas nele.
- Isso quando você era apenas um menino inocente!
Exclamei pegando meu pijama no guarda roupa e apontando para ele que se recuperava do golpe das colchas.
- Você sabe que eu nunca fui assim, não é? É você que está me conhecendo só agora.
Ele disse agora saltando para cima do dossel da cama, como se fosse normal um ser humano fazer coisas desse tipo e eu quase morri do coração ao vê-lo balançando os pés logo acima de minha cabeça.
- Calado! Você dorme no chão e acabou o assunto!
Ditei as ordens e ele deu de ombros conformado.
[...]
- Está frio hoje, se eu fosse você colocaria a touca.
Murmurei baixinho para o híbrido que havia cismado que iria de boina.
- Mas ela incomoda minhas orelhas! Sem contar que é uma agressão a minha beleza.
Ele disse se olhando no espelho com a touca de pompom e eu ri incrédulo.
Eu via que sua expressão de birra já estava formada e mordi minha bochecha internamente estalando a língua em seguida.
- Faça o que quiser.
Disse indo em direção a minha penteadeira para terminar de ajeitar meus cabelos e vi ele parecer surpreso pelo reflexo do espelho.
- Vai mesmo me deixar ir de boina?!
Ele parecia espantando com minha conclusão mas eu apenas focava em terminar de pentear meus cabelos.
Se humanos normais já pegam gripe facilmente apenas com duas orelhas, imagine alguém com quatro.
Mas Vikram parecia que havia nascido para ser o embaixador da teimosia no planeta, então eu apenas teria que ter paciência caso ele ficasse gripado.
- Já disse para fazer o que quiser.
Repeti minha frase vendo ele agora com a touca e a boina uma em cada mão.
- E saia pela janela apenas quando tiver certeza de que não há ninguém vendo!
Alertei pegando minha pasta e saindo do quarto deixando ele sozinho.
Aquela versão dele estava me deixando cada vez mais impaciente.
Ele é teimoso, chato, indecoroso e tudo de pior que se pode achar.
A única coisa que salvava era que ele era fiel e me protegia daquele filho dos Goldberg.
Do lado de fora dos portões após atravessar aquele enorme caminho de árvores, Theo já me esperava com sua pasta em mãos um sobretudo com o emblema da escola, cachecol e suas luvinhas de tricô que combinavam exatamente com sua personalidade.
- Bom dia, meu lindo amigo!
Disse ele com a voz um pouco rouca fazendo com que vapor saísse de sua boca mostrando o quão frio estava o dia de hoje.
- Bom dia, Theozinho!
Me aproximei dele para que eu pudesse ficar aquecido e ele riu me abraçando por trás e, como não havia ninguém alí, não havia nenhum problema.
- Eu odeio quando você me chama assim, parece que quer alguma coisa de mim.
Ele comenta entortando a boca em desgosto e eu ri abraçando ele e sentindo o quão quentinho ele estava por causa de seu suéter por baixo.
- Nesse exato momento, eu apenas quero seu calor!
Respondi me aproveitando dele que revirou os olhos rindo já acostumado com minhas esquisitices.
Nossa amizade amadureceu bastante de uns anos para cá. Já chegamos até quase namorar, mas vimos que isso não seria uma boa escolha, e que ficaríamos melhor como bons amigos. E cá estamos, após todos esses anos.
- Como vai a ressaca?
Perguntei preocupado vendo ele respirar fundo fazendo um sinal de "mais ou menos" com a mão.
- Em comparação a minha garganta ela quase não está me afetando.
Respondeu ele ainda com a voz quebradiça.
- Tyrone havia nos garantido que isso não faria m*l a sua garganta.
Disse um tanto quanto arrependido de ter feito ele engolir aquela água gelada.
Theo afirmou balançando uma de suas mãos.
- E ele está certo. Eu vou ficar uns dois ou três dias assim, mas logo logo estarei melhor.
Explicou ele piscando para mim e eu respirei aliviado deitando minha cabeça em seu peito novamente.
Escutei um pigarrear e eu gelei pensando ser papai, mas ao me virar e ver Vikram eu relaxei.
Ele nos encarava sério com seu uniforme de frio e a touca que eu havia mandado ele colocar em sua cabeça.
Sorri minimamente vendo que sua teimosia no final não tinha vencido.
- Vocês não tem medo de alguém ver vocês assim?
Ele perguntou suspendendo uma sobrancelha e se aproximando e eu meneio a cabeça.
- Sim, mas somos apenas amigos de qualquer forma.
Respondi e ele torceu os lábios e seguindo o caminho do colégio um pouco afastado de nós.
Olhei para Theodore que parecia pensar o mesmo que eu.
Vikram estava estranho.
[...]
- Eu pensei que isso só acontecia em livros...
Comentei estupefato a ponto de ter um infarto e o híbrido ao meu lado havia preferido enfiar a cabeça toda para dentro da touca e me ignorar a aula inteira.
Isso, Vikram! Me abandone mesmo!
Dou um soco nele que me olha no susto e pela minha cara feia ele nem mesmo ousou me contestar.
- Estamos em um grupo com Victor e Nikita?!
Ele perguntou assombrado e eu arfei agoniado batendo com a cabeça sobre a mesa não acreditando no que o destino estava fazendo comigo.
Eu devo ter sido uma pessoa horrível na minha vida passada, porque um azar desse não pode ser gratuito.
- Sério isso?
Niki gesticulou com os lábios de uma das fileiras da frente e eu quis chorar vendo que não era só um delírio meu.
Deus pai me ajude.
Eu sei que não sou um bom filho, mas isso já é demais!
- Vamos alunos, formem seus grupos e discutam os temas!
Minha cara de desgosto foi inevitável ao ver Victor se aproximar com aquele sorriso montado e Vikram nem mesmo se deu o trabalho de olhar para ele.
Na verdade, Vikram nem se deu ao trabalho de fazer nada, nem mesmo levantar seu rosto para nos ajudar.
- Oi, querido noivo!
Ele cumprimentou passando uma de simpático e eu quis vomitar não aguentando mais um segundo de sua companhia, mas Niki não me deixou responder a altura. Já que ele mesmo respondeu.
- Deixa de ser hipócrita, aleijado. Apenas faça seu trabalho e mete o pé!
Aleijado?
Fui só eu que não entendi do que ele se referia?
Bom, de qualquer nível que tenha sido essa ofensa deve ter sido bem r**m, já que os olhos de Victor se tornaram carmim e seus punhos cerraram sobre a mesa.
- Niki, cuidado com a língua...
Escutei Vikram murmurar ainda de cabeça baixa e eu passei a mão pelo meu rosto exasperado.
O que todos sabem que eu não sei?
Por que parece que eu sou sempre o último a entender e saber das coisas?
Aliás, a cada minuto que se passa isso é a única certeza latente em minha vida.
- Alunos, infelizmente surgiu um imprevisto sobre a troca de turnos...
Chamando nossa atenção, o professor fez a turma se calar.
- ...tragam esse trabalho daqui a dois dias. Até mais.
Sem mais nem menos ele encerrou a aula e eu rapidamente pensei:
Ah, isso não pode ser simplesmente coincidência...
- Ah, pronto! Agora vamos ter que ir na casa do maridinho do, Armin.
Niki se levantou reclamando, mas ao contrário do que eles estavam achando, eu não estava tão chateado assim.
Essa era uma ótima chance de saber mais sobre aquela história toda.
[...]
- Aric, como foi a audição de violino?
Papai perguntou mergulhando sua colher na sopa de porco e eu torço o nariz por detestar aquela comida mais do que tudo na vida.
Meu irmão mais novo meneou a cabeça sorrindo fraco, algo incomum para seu feitio.
Um fato que me alertou para fazer uma nota mental de conversar com ele sobre isso depois.
- Arzhel, como está indo na faculdade?
Ele perguntou e Arzhel enrolou dizendo que era tudo muito perfeito e que ele era muito agradecido por estudar pela segunda vez em uma boa faculdade quando outras pessoas não tinham essa possibilidade.
Mas quem tem um cérebro pensante sabe que ele estava apenas disfarçando seu desprezo por aquilo.
Virando-se para mim papai sorriu e eu fiz o mesmo a contragosto não tendo muitas opções.
- E você, Armin? Como vai sua relação com Victor?
Sério? É isso o que ele tem para me perguntar?
Ele não quer saber da escola ou se eu já escolhi a faculdade que eu vou fazer?
Meu semblante provavelmente caiu em decepção e eu suspirei tentando não passar uma imagem tão r**m.
- Tudo bem, mas tem sido como andar no escuro, já que nada sei sobre ninguém da família Goldberg.
Dei de ombros comentando vagarosamente.
- Tudo o que sei foi o que Theodore me contara.
Disse sincero por uma parte, já que realmente queria saber o que rolava naquela família, mas não por causa de Victor.
A expressão de meu pai tornou-se severa.
- Isso não lhe cabe. Você já sabe o necessário.
Ele diz comendo várias coisas de uma vez só e eu me senti de estômago cheio apenas de ver aquela cena.
Ele apontou um garfo para mim e eu recuei levemente.
- E não quero mais você andando mais com esse Theodore!
Sua ordem fez meu sangue sumir de meu rosto.
- O único homem que você deve se interessar deve ser Victor!
Ele diz simplista e eu arregalei meus olhos me levantando bruscamente recebendo um olhar apavorado de Arzhel que obviamente me mandava me sentar, mas eu não me calaria diante daquilo.
Se tratava do meu melhor amigo!
- Papai o senhor está exagerando!
Tentei dizer da melhor forma possível para não soar insolente mas ele não gostou nada.
Se levantando ele enfiou o garfo na mesa me fazendo me encolher.
- Está me chamando de senil, Armin?! Não me desafie!
Ele apertou meu braço apertando mais a cada sílaba e eu gemi de dor ao que ele me soltou me empurrando de volta para a cadeira.
- Você tem me desrespeitado, chegado tarde e adquirido o hábito de achar que pode mandar em sua vida!
Ele ralhou pouco se importando com o que eu pensava, e sua fala me fez olhar automaticamente para Arzhel.
Meu olhar perdido em decepção certamente foi notado por ele que nem se dignou a me pedir desculpas por aquilo.
Ele havia me dedurado sobre ontem, e agora eu estava perdendo uma das coisas que eram mais importantes para mim.
- Por favor, papai... eu já não tenho a mamãe, e agora o Theo...
Sentia lágrimas se formarem em meus olhos e ele se enfureceu mais ainda ao me ouvir citando nossa mãe.
Aric segurou em meu pulso me fazendo olhar para ele que abanou com a cabeça em negação me fazendo entender que era para eu apenas me calar.
- Chega!
Bradou a voz tirana de meu pai fazendo todos se encolherem.
- Se disser mais uma palavra sobre esse assunto, você irá para um colégio de padres e só sairá no dia do seu casamento!
Pondo um fim naquele jantar caótico, ele saiu da mesa jogando o guardanapo em seu prato.