Beijo

1047 Words
⸻ Patrícia narrando: Já faz um mês que tô oficialmente morando com o Tatu. É estranho falar isso… “morando com ele”. Não sei nem se isso é viver. Não posso sair, não posso trabalhar, não posso fazer nada sem que alguém da boca saiba onde eu tô. Sou vigiada o tempo inteiro. Ele diz que é pra minha segurança. Mas eu sei que é controle. É posse. Pior de tudo é isso: não saber o que eu sou dele. Não sou mulher. Não sou funcionária. Não sou prisioneira declarada, mas também não sou livre. Só tô… aqui. Como alguém que foi arrancada da própria vida e jogada num lugar que não pediu pra estar. Hoje eu acordei meio revoltada. Quis esquecer tudo, nem que fosse por umas horas. Coloquei um biquíni — o único que eu ainda gosto — e desci pra piscina. Fiquei um tempo ali, sentindo o sol na pele. Tentando lembrar como era antes. Depois, subi e fiz almoço. Bife, arroz, feijão. Comida simples, mas bem feita. Era o que eu sabia fazer de melhor. Tava na cozinha, ainda de biquíni, virando o bife na frigideira quando escutei o barulho da porta. Ele chegou. Senti o peso do olhar dele assim que me viu. Sem dizer nada, ele me olhou dos pés à cabeça. Demorado. Quando vi ele mordendo os lábios… já sabia. O mesmo olhar de quando ele quer algo, e ninguém pode dizer “não”. — Tem almoço… vou me trocar. — falei rápido, sem nem olhar pra ele. Virei o rosto, fingindo normalidade. Mas antes que eu desse o segundo passo, senti. Aquele puxão pela cintura. Me puxou com força, me travando contra o corpo dele, e num movimento seco me levantou e me colocou sentada em cima da pia da cozinha. O calor da frigideira ainda no ar, o cheiro da comida misturado com o cheiro dele — perfume forte, presença dominante. O coração bateu mais rápido. A raiva e a confusão se misturaram com um medo estranho… Não de ele me machucar. Mas de eu mesma começar a querer isso. — Tatu… para com isso… — murmurei, mas minha voz já não tinha tanta certeza. Ele não respondeu. Só me olhava. Como se eu fosse dele. Como se meu “não” fosse só um atraso pro “sim” que ele achava que ia vir. E ali, em cima daquela pia… Eu percebi o quanto minha vida tinha mudado. E o quanto eu já não sabia mais onde começava o meu ódio… E onde terminava o meu desejo. Ele me puxava pra perto como se o mundo inteiro tivesse parado ali, naquele momento. Os olhos dele cravados nos meus, as mãos segurando firme minha cintura, como se quisesse me prender ali, em cima daquela pia, pra sempre. O cheiro dele invadia o ar. A respiração dele batia quente no meu rosto. Eu queria dizer “não”. Queria afastar. Queria lembrar que ele era o mesmo homem que me prendeu, que me tirou da minha vida. Mas naquele instante… tudo em mim esquecia disso. Era como se meu corpo tivesse traindo minha razão. E então… o beijo veio. Forte. Com pegada. Com raiva e desejo misturados. A boca dele na minha como se fosse território marcado. Como se quisesse provar que eu era dele, mesmo que eu não aceitasse. E eu beijei de volta. Com a mesma força. Com a mesma intensidade. Com a mesma raiva de estar sentindo aquilo. A mão dele subiu pelas minhas costas, puxando meu corpo mais pra perto. Meu coração batia descompassado, meu corpo já não obedecia mais minha cabeça. O calor, o toque, o gosto dele me confundia. Eu tentei recuar. Olhei pra ele, com os olhos ainda nublados de tudo que a gente vinha guardando. — Não podia ter feito isso… — sussurrei, com a voz falha, perdida entre o certo e o que eu já não sabia mais. Mas ele só me encarou, com aquela expressão dura, possessiva, e ao mesmo tempo quebrada. — Por que não, p***a? Se tu é minha… tu é minha, c*****o. Só minha. Só minha! — a voz dele saiu rouca, carregada de sentimento bruto, como se estivesse brigando com o próprio peito. E antes que eu pudesse responder… Outro beijo veio. Mais intenso. Mais desesperado. E eu… Deixei acontecer. Porque naquele momento, ali naquela cozinha… Eu não era mais só a garota que foi vendida. Era uma mulher no meio de um furacão. Um furacão chamado Tatu. Depois do segundo beijo, que parecia ter arrancado o ar dos nossos pulmões, ele se afastou. Mas não tirou os olhos de mim. Ainda tava com a respiração pesada, como se lutasse contra o próprio desejo. Eu ali, sentada na pia, tentando entender tudo que tinha acabado de acontecer. Aí ele soltou, como se nada tivesse rolado. — Hoje vou sair. Vai ter baile. Não sei que horas volto. Simples assim. Frio. Rápido. Como se não tivesse acabado de me beijar daquele jeito. Como se meu coração não tivesse disparado. Como se eu fosse só mais uma ali. Fiquei alguns segundos parada, digerindo aquilo. Meu peito queimando. Me senti usada, jogada, como se tivesse sido só um momento de t***o pra ele. — Eu não sou p**a… — falei com a voz baixa, mas firme. — Pra você me fazer sentir isso. Desci da pia, com as pernas ainda meio trêmulas, e virei as costas. Comecei a subir as escadas, decidida a me trancar no quarto. Mas antes que eu alcançasse o último degrau… Senti a mão dele de novo. Forte. Me puxando. — Quem tá te chamando de p**a? — ele falou entre os dentes, o rosto colado no meu, o olhar raivoso, ofendido. Mas dessa vez… Eu não deixei. Empurrei ele com força, o suficiente pra afastar. — Você. Sem nem usar a palavra. — respondi, encarando ele com raiva e dor misturadas. E subi. Sem olhar pra trás. Cheguei no quarto, fechei a porta e encostei as costas nela. Meu corpo ainda fervia. Mas agora… era de decepção. Por que eu deixei? Por que, mesmo depois de tudo, ele ainda mexia tanto comigo? E pior… Por que, no fundo, uma parte de mim queria que ele tivesse ficado?
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD