Se tornando amigas

803 Words
Olívia narrando: Sou Olívia, tenho 20 anos, sou irmã do Rogi, o chefão de uma das bocas aqui da Cidade de Deus. A gente cresceu no meio do corre, mas eu nunca fui dessas de me esconder atrás de homem, mesmo sendo irmã de um nome forte. Sou morena, cabelo claro, cintura fina, tatuagens espalhadas como marcas de história e revolta. Gosto de curtir, de dançar, de ser o centro onde eu chego. Se eu tiver que peitar homem de fuzil, eu peito. Tava na boca quando escutei Rogi falando com o Tatu sobre a tal da Patrícia. A menina que o próprio irmão entregou por dívida. Me subiu um ódio. Não conheço ela, mas só de saber que o tal do Tatu tava segurando a garota dentro de casa como se fosse posse… me deu enjoo. Hoje vai ter baile, e eu soube que ela não vai, porque o bonito do Tatu não deixou. Mas ele que me aguarde. Esperei cair a noite, vesti meu melhor look — justo, brilhante e provocante. Passei batom vermelho sangue, aquele que assusta até traficante quando eu sorrio. Quando soube que Tatu saiu pro baile, fui direto até a casa dele. Na entrada, um dos vapores me olhou de cima a baixo, achando graça. — Tatu pediu pra eu vir ajudar a Patrícia a se arrumar. — falei seca, com pose. O maluco nem discutiu. Liberou a entrada. Quando entrei, ela já tava na sala, sentada, calada, parecendo um passarinho preso. Vi a dor nos olhos dela. Vi o brilho apagado de alguém que tava viva, mas só por fora. — Tu não me conhece, eu não te conheço. Mas uma coisa que eu tenho raiva é de injustiça. Então vamos se arrumar pro baile, que tu vai dançar. — falei direto, sem espaço pra desculpa. Ela arregalou os olhos. — O Tatu deixou tu entrar? — Tatu nem sonha que eu tô aqui. Trouxe roupa pra tu ir pro baile. Não tô pedindo, tô mandando. — falei com um sorriso desafiador. Subimos. Ela hesitou, tentou recusar, mas eu fui no jeitinho. Fiz o cabelo dela com carinho, maquiei com firmeza e vesti ela como uma rainha de favela. Uma saia de brilhos, justa e ousada. Bota até o joelho, daquelas que quando pisa, faz homem virar o pescoço. Um cropped head, casaco por cima jogado, cabelo solto, batom leve. Ela tava… divina. Fiz questão de mostrar pra ela no espelho. — Tu é mais que tudo isso. E hoje vai mostrar pra todo mundo. Descemos até o baile. Quando entramos, os olhares vieram como onda. Os manos pararam. As minas olharam de lado. E eu? Dei risada. Porque agora, o morro ia ver que ninguém segura uma mulher de verdade. Nem o temido Tatu. Assim que a gente chegou no baile, o som batia forte no peito, a favela inteira dançando como se não houvesse amanhã. Fiz questão de puxar a Patrícia direto pra pista. Nada de ficar perto do camarote — muito menos de frente. Sabia que o Tatu ia estar lá em cima, reinando como o dono do mundo. Não era o momento. Ainda. Começamos a dançar no meio da galera, sem chamar muita atenção no começo. Mas ela tava linda demais… impossível não notar. O corpo dela se soltando, aos poucos, sentindo a liberdade como se fosse a primeira vez. Ela ria comigo, dançava, se permitia. A gente bebeu um pouco. Coisa leve, só pra relaxar. Conversamos, demos risada, e quando o DJ lançou um batidão mais envolvente, voltamos a dançar mais coladas, rindo feito duas amigas de infância. Foi aí que senti o clima mudar. Um olhar. Pesado. Queimando. Virei o rosto devagar, e lá estava ele. Tatu. No alto do camarote, de óculos escuros na testa, mas os olhos vermelhos, explodindo. A mandíbula travada, o corpo tenso, e o olhar… direto nela. Como se o mundo inteiro tivesse sumido e só restasse Patrícia dançando no baile que ele proibiu. Ele desceu na pressa, ignorando tudo e todos, abrindo caminho como um furacão. — Vamo, vamo sair agora! — sussurrei pra ela, puxando pela mão. A gente tentou sumir entre a galera, mas já era tarde. Ele tava vindo. E vinha com sangue nos olhos. Não deu tempo. No terceiro passo, a mão dele agarrou o braço da Patrícia com força. — Tá de brincadeira com a minha cara, né? — ele rosnou, a voz baixa, mas cheia de fúria. Me coloquei entre os dois. — Solta ela, Tatu. Nem tudo nesse morro é teu, não. Ele me olhou como se fosse me atravessar. — Sai da frente, Olívia. Isso aqui não é contigo. — Agora é. — respondi, encarando firme. A pista parou. O clima pesou. E naquele instante, o morro inteiro assistia a briga que ia marcar a noite.
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