Ph narrando
Três anos se passaram desde a partida de Julia. Dois anos atrás tentei contato com ela, Malu conseguiu localizá-la, enviamos mensagens contando toda a verdade, mas nunca mais tivemos notícias. Eu respeitei a decisão dela: não queria falar comigo, não queria me ver nunca mais. Eu havia destruído completamente seu coração e suas expectativas de felicidade ao meu lado. Ela implorou para que eu fosse embora com ela, e eu não fui. A culpa era toda minha.
— Tá pensativo — Rodrigo entrou na sala, quebrando meus pensamentos.
— E você não parece muito feliz — respondi, observando-o.
— O exame da Malu deu negativo — disse. — Agora a médica pediu para eu fazer os meus exames.
— E você vai? — perguntei.
— Vou sim — ele respondeu. — Quero ver o que está acontecendo. Meu medo é não poder ter filhos.
— Será? — questionei.
— Não sei. O Bn uma vez esmagou meus testículos com os pés quando criança — ele disse, com aquele sorriso irônico.
— Nem me lembra — virei o rosto, lembrando do grito insano que ele deu na época.
— Bom — disse ele, resignado — vou até o posto. Qualquer coisa me avisa.
— Ok — respondi.
— Ah — disse ele, pegando uma sacolinha. — Sua entrega. Mandou direto do Alemão, jura que não foi roubado.
— Duvido — ri.
— Malu até hoje me cobra as alianças roubadas da joalheria — ele falou.
— Precisa comprar uma — respondi.
— E você mandou roubar a que vai dar para a Rosa — ele comentou.
— É — confirmei.
— Ainda não está certo que quer assumir ela como fiel? — perguntou.
— Estou — respondi. — Preciso seguir minha vida.
— O baile vai ser top — disse ele, guardando a arma e a chave da moto antes de sair.
Fiquei ali, sozinho na poltrona, olhando para o teto, depois abri a caixinha da aliança que daria a Julia e suspirei.
— Essa aliança era para você, Julia — murmurei.
Rosa não era r**m; pelo contrário, era fechamento para mim. Aprendi a gostar dela. Ela me apoiava, se preocupava comigo, e nunca reclamou de viver no morro. Ela entendia meu silêncio quando mencionavam Julia, e isso era suficiente. Estávamos juntos há dois anos, e ela já havia provado ser de confiança.
Saí para fora do morro e vi um caminhão chegando pelo lado do mato — nossas entregas vindas direto do Morro do Alemão. Bn estava mandando muito bem comandando tudo por lá. Agora, pelo menos, tudo estava em família: Rocinha conosco, Alemão com Bn, Complexo da Maré e Santa Marta nas mãos de Perigo. Mas todo mundo achava que Santa Marta estava com a polícia e a Maré com Saul, que na verdade era sub do Perigo. Vida que segue. Vamos ver até onde Perigo levaria essa história.
— Tio — Joana falou, de mãos dadas com Rosa.
— Enquanto eu não trouxe ela, ela não parava de incomodar na ONG — disse Rosa, me dando um beijo, que correspondi.
— Você me leva para passear? — perguntou Joana.
— Vamos sim — respondi. — Pode deixar, Rosa, diz à Malu que levo ela depois.
— Preciso voltar — disse Rosa. — Estou ajudando Malu a preparar a festa das crianças.
— Depois conversamos — falei, e ela assentiu sorrindo.
— Até mais, sua chata! — Rosa disse para Joana, que pulou e bateu as mãos de alegria.
— O que você quer, minha Perigosinha? — perguntei a Joana.
— Quero ver meu pai — disse baixinho.
— Não pode deixar sua mãe descobrir — me abaixei até ela. — Lembra do nosso segredo?
— Ele me disse que ia me dar um presente — ela falou.
— Final de semana eu te levo, ok? Foi o que combinamos — garanti.
— E se eu te disser que é sábado, você acredita? — piscou e sorriu.
— É quarta-feira, dona Joana — resmunguei, e ela bateu os pés, resmungando, antes de comer um sorvete no caminho para a creche. Mandei uma mensagem para Malu avisando que a coloquei lá, e ela me agradeceu.
(…)
Bn encostou a moto na frente da boca, e Rodrigo subia também.
— E aí — falei para Bn.
— Fiquei sabendo que vai assumir a Rosa no baile sábado — ele sorriu. — Vou ficar sozinho.
— Você não foi convidado porque não queremos ninguém drogando ninguém — ri.
— Cala a boca, c*****o! — ele falou. — Minha presença é VIP, não precisa de convite. Já separei as coisinhas boas para Malu.
— Malu o c*****o — Rodrigo desceu da moto. — Fica longe da minha mulher.
Rimos todos.
— Agora — disse Bn — pede para ela se sabe algo da Marisa.
— O que foi, mano? — Rodrigo perguntou. — Tá com saudade da X9?
— Não, não — respondeu Bn, acendendo um baseado. — É papo de quando eu ver ela quero cobrar. Sabe a raiva que tenho dessa mulher depois de tudo que fez.
— Precisa ficar calmo — Rodrigo comentou.
— Ela nem deve estar no Brasil — falei. — Deve estar em algum lugar do mundo, junto daquele filho da p**a do Kaio.
— Esse é outro — Bn concordou.
— Duvido que ele apareça algum dia — Rodrigo falou.
— E aí, gostou da aliança? — Bn perguntou. — Roubei no mesmo lugar que peguei a da Malu e a do Rodrigo.
— Dono do Complexo do Alemão roubando joalheria — dei um peteleco nele. — Toma jeito, c*****o.
— Sorte da Rosa que a Julia foi embora. Só assim para ela virar primeira dama do sub — Bn riu, e eu apenas o encarei.