2 • Cuidar de mim

1266 Words
O único barulho audível era dos talheres batendo contra os pratos na sala de jantar. Fazia um pouco mais de uma semana desde que me instalei sem muitas palavras na casa de minha mãe, ela tentou tirar de mim algumas respostas para as prováveis inúmeras perguntas pairadas sobre ela, mas eu simplesmente não conseguia nem manter uma conversa razoável, quem diria lhe contar o que estava não só roubando meu sono todas as noites, como sugando as minhas forças. Giulio, que para minha não surpresa se apresentou como namorado dela, não tentou uma aproximação de fato comigo, mas sempre que nos cruzávamos na casa, me oferecia um sorriso caloroso, como se uma partícula sua soubesse o que se passava comigo. Eu não sabia dizer se aquele fato me acalmava ou me deixava apreensiva. Não que escondesse um grande segredo de estado, mas pensar que poderiam ver um terço da bagunça em meu amago, me deixava em pânico, eu não queria aceitá-la, e se caso alguém a descobrisse, eu seria obrigada a isso. Nos primeiros dias tentei ficar apenas no meu quarto, mas uma vez e outra minha mãe insistentemente batia na porta perguntando o que estava acontecendo, isso me esgotava, então passei a sair para higiene e tentar fazer com que meu estômago segurasse algum alimento, com isso, os dias se passaram lentamente, dolorosamente, e dona Eva parou de me fazer a mesma pergunta, eu a agradeci internamente, inúmeras vezes por isso. — Grace? — A voz suave me tirou do breve transe que entrei, desviei minha atenção do prato remexido para ela — Você escutou o que falei? —Indagou, eu a olhei sem entender — Você m*l tocou sua refeição. Suas palavras me fizeram olhar de fato para o prato, que apesar de estar uma bagunça, tinha a mesma quantidade mínima de comida que eu havia me servido. — Não estou com fome... — Resmunguei dando de ombros e afastando o prato de mim. Ela suspirou profundamente antes de abandonar seus talheres no prato e me olhar com uma carranca, sua expressão me lembrou vagamente da época em que morei aqui com ela. — Ontem, ontem de ontem, a semana inteira você não tem estado com fome... — Ela me olhou como antigamente, como se eu fosse um problema que ela não estava com paciência de lidar, eu suspirei resignada — Apenas... Coma, por favor — Ela ordenou antes de voltar a apanhar seus talheres mais uma vez, agindo como se ela pudesse ter um controle sobre mim, como se minhas palavras não valesse nada. — Obrigada pela refeição — Me levantei do meu assento para sua insatisfação — tenham um boa noite — Eu tentei sorrir, mas meus lábios apenas tremeram. — Grace — O tom de voz de minha mãe saiu como uma súplica, eu olhei no fundo de seus olhos e esperei um de seus ataques, seus lábios abriram, mas nenhum som saiu. Os minutos se passaram, e o silêncio voltou a nos envolver — Boa noite. — Resmungou ela por fim, assenti e logo me direcionei para fora da cozinha. **** — Grace — A voz distante de minha mãe e batidas frenéticas sobre a porta de madeira me despertaram. Minha cabeça instantaneamente começou a latejar, o que era certamente resultado de uma nova noite m*l dormida para variar  — Grace — ela continuou a me chamar, eu nada respondi, apenas tentei me manter sentada sobre a cama, sentindo uma vontade absurda de me emaranhar nas cobertas novamente. Mas mesmo um pouco tentada, forcei meu corpo para fora da cama, um calafrio percorreu meu corpo no instante em que meus pés descalços tocaram o piso gélido, eu logo apanhei meu chinelo, e não demorou muito para que eu parasse em frente da porta que continuava a fazer barulho por conta das batidas insistentes de Donna Eve. — Aconteceu alguma coisa? — Indaguei um pouco seca demais assim que abri a porta, minha mãe me avaliou da cabeça aos pés antes de negar com um aceno quase incerto. — Não, apenas estou com pressa — Disse simplesmente — Se apronte, assim que tomarmos o café iremos até a clínica. — Clínica? — Arqueei as sobrancelhas. Ignorando minha confusão, ela começou a se afastar, obrigando-me a segui-la. — Sim, clínica — Ela parou em frente ao fogão, e mexeu algo na panela e em seguida se virou em direção a geladeira. — Está doente? — A pergunta saiu por entre meus lábios de forma cautelosa, por mais que não nos déssemos bem como deveríamos, a possibilidade de ela não estar bem fez meu peito se apertar. Deus, eu não suportaria perder mais alguém, eu não poderia. — Apenas se arrume, Grace. — Seu semblante sem qualquer emoção me fez parar de perguntar e ir me arrumar apressadamente, sentindo a ansiedade chegar vagarosamente. **** — Alec — Eu o chamei em meio as lágrimas que desciam deliberadamente sobre minha face — Alec — O chamei mais uma vez, seu olhar quase sem vida me mirou por um segundo, uma de suas mãos sem muita força levantou se em direção a minha face, enquanto a outra tentava tocar uma outra região minha, era como se ele quisesse ter certeza de que eu, nós estávamos ali, como se seu olhar procurasse por algo para se agarrar em seu fim— Você não vai me deixar, você não pode...— Minha voz falhou enquanto minhas mãos seguravam as suas com força contra minha face encharcada pelas lágrimas — Você prometeu cuidar de mim... Você prometeu— Um soluço escapou por entre meus lábios. O canto de sua boca deu uma leve mexida, algo que eu poderia jurar ser um sorriso, se não estivéssemos na situação que nos encontrávamos, ele provavelmente esperaria que dissesse a minha frase corriqueira, que não precisava de cuidados, mesmo que as palavras não fossem tão verdadeiras. — Grace — Eu olhei para os lados procurando pelo dono da voz, mas nada encontrei, ainda perdida em uma névoa de desespero, abaixei a cabeça, soluçando, chorando... sentindo meu coração ser esmagado junto com meus planos, junto com a sensação de que eu pertencia a algo, alguém  — Grace — uma mão me sacudiu levemente o que me trouxe de volta ao agora. Meus olhos se abriram e logo miraram em minha mãe que me olhou de uma forma estranha, algo úmido desceu por minha face, e notei que o choro não fazia parte de minhas recordações, ele era real — O que está acontecendo, Grace? — A sua pergunta me irritou, eu nunca tinha ouvido tanto a mesma pergunta quanto no tempo em que estive hospedada em sua casa, a ignorei para não lhe atacar, para não fazer, falar qualquer coisa impensada. Me virei em direção a recepção da clínica onde a mulher que a alguns minutos nos atendeu parecia envolta a uma ligação pessoal, ela tentava conter suas expressões faciais, mas eu podia facilmente a ler, e dizer com precisão que conversava com alguém próximo a ser seu namorado. Geralmente quando estava tão sobrecarregada, perdida, avaliar as pessoas a minha volta e seus comportamentos me ajudavam a acalmar, mas ao fazer isso agora tive a sensação de que me trouxe apenas uma sensação angustiante de ansiedade. — Grace? — A voz de minha mãe mais uma vez ecoou, eu a olhei, mas antes que ela pudesse dar continuidade ao que fosse que ela tivesse em mente, uma voz conhecida soou na recepção, fazendo minha mãe não prosseguir com suas palavras, e meu olhar pousar sobre a pessoa a nossa frente vestida de jaleco. 
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