Capítulo 16

1503 Words
Benjamim Narrando No outro dia, acordei cedo, ainda sentindo o peso do que tinha acontecido. A casa tava silenciosa, todos ainda dormindo. Dei um suspiro, me espreguicei, e não pude evitar de olhar pela janela. A rua tava calma, mas a sensação que eu sentia dentro de mim não passava. Então, sem dizer nada a ninguém, saí de casa. Não sabia bem pra onde ia, só sabia que precisava de um tempo sozinho. Caminhei pela cidade, de cabeça vazia, tentando dar um jeito de colocar as coisas no lugar, mas parecia impossível. Cada esquina, cada ponto que passava, era um lembrete do caos que Jacaré e toda aquela vida deixaram na minha cabeça. Mesmo assim, não consegui evitar de me perguntar por que diabos eu tava pensando tanto nele. Por que, de repente, sentia que talvez fosse preciso dar ouvidos a um cara como ele? Eu odiava admitir, mas ele ainda me importava de algum jeito. Quando voltei pra casa, o dia já tava mais avançado. Entrei, e tudo ainda tava na mesma calma estranha. Sem dizer nada pra ninguém, peguei o celular e decidi que era hora de mandar a mensagem. "Tá, Jacaré. Eu topo conversar. Pode ser hoje." Não sabia exatamente por que mandei isso. Talvez eu ainda estivesse tentando entender o que se passa na minha cabeça, ou talvez algo dentro de mim me dizia que era a coisa certa a se fazer, por mais que não fizesse sentido. Não demorou muito, e logo a resposta chegou. Jacaré mandou um texto simples, direto. "Bora. Você escolhe o lugar e a hora." Eu ainda me senti estranho, mas algo no fundo do meu coração parecia me empurrar nessa direção. Sabia que não fazia sentido. Eu não devia, mas algo dentro de mim, algo que eu não conseguia entender direito, dizia que essa conversa era necessária. Precisava encarar aquilo tudo de frente. Respirei fundo e decidi. Não ia mais fugir de nada. "Tô em tal lugar. Te espero aqui." Enviei a localização, e então o celular ficou quieto, sem nenhuma notificação. Mesmo assim, me levantei e saí de casa. Não sabia exatamente o que esperar, mas já tinha passado tempo demais pensando no que seria. Algo dentro de mim sentia que essa conversa poderia mudar muita coisa, ou pelo menos esclarecer as dúvidas que eu estava carregando. Era a minha chance de entender Jacaré. Quem sabe o que essa história toda significava, no fim das contas. Eu só sabia que eu precisava tentar. Fiquei ali, esperando por um bom tempo. O local era meio isolado, mas tranquilo. Me sentia em paz, até. Olhava ao redor, mas o que mais me martelava era a ansiedade sobre o que viria a seguir. Aquela situação parecia surreal. Como é que eu tinha chegado a esse ponto? Aquele encontro parecia mais com um encontro de casal do que algo sério. Dava até pra perceber como minha ansiedade se manifestava: meu estômago estava virado de um jeito que parecia até uma sensação de frio na barriga, como se eu estivesse esperando alguém importante. Era irônico, porque mesmo sendo gay, e sabendo disso sem problema, eu sabia que não queria isso com Jacaré. A última coisa que queria na minha vida era me envolver romanticamente com um traficante. Jacaré? O homem que eu vi fazendo tudo, mandando bala, controlando um pedaço da cidade com sua violência e impunidade. Jamais poderia pensar nele assim. A pressão que ele exerce, a maneira como ele vive a vida — isso tudo não combinaria comigo de forma alguma. Eu sabia que estava ali para outro motivo. E, apesar do nervosismo, algo dentro de mim dizia que esse momento estava indo além do que eu imaginava. Por fim, vi ele se aproximando. Jacaré caminhava com a postura que eu já conhecia, a mesma maneira de andar firme, sem pressa, como se o tempo tivesse sido feito só para ele. Quando ele se aproximou mais, o clima ficou pesado. Eu fiquei ali, sentado na cadeira, observando-o chegar, tentando manter a expressão neutra, mas aquele silêncio se arrastava. Jacaré chegou e sentou à minha frente. Ele não disse nada, só olhou pra mim com aquele olhar de sempre: sério, concentrado, como se tudo ao redor não passasse de um simples plano sendo seguido. O silêncio entre a gente foi insuportável, como se todas as palavras já tivessem sido ditas antes, mas nada tinha sido de fato resolvido. O tempo parecia parar enquanto nos encarávamos. Eu não sabia o que ele estava pensando, e a verdade é que eu também não sabia exatamente o que queria dele. Jacaré sempre foi difícil de decifrar. Mesmo assim, sentia que ele esperava algo. Ele queria falar, ou pelo menos tinha algo pra dizer. E naquele momento, aquilo me dava uma sensação de que havia mais entre nós do que qualquer um imaginaria. Eu respirei fundo e tentei falar, mas as palavras ficaram presas. O que é que eu ia dizer depois de tudo o que aconteceu? O que ele queria que eu soubesse? Jacaré olhou pra mim com aquela expressão de sempre: calma, sem emoção aparente. O tipo de olhar que já dizia que ele sabia mais do que estava disposto a revelar. O silêncio continuou pesado, como se a qualquer momento uma explosão fosse acontecer. Mas quem ia romper isso primeiro? Foi ele quem quebrou o silêncio, enfim. — Eu sei que tu tá pensando em mil coisas agora — ele começou, a voz grave, pausada. — Mas eu não sou i****a, Benjamim. Eu sei que tua vida inteira virou de cabeça pra baixo depois do que aconteceu. Não espere que eu seja diferente de quem sou, mas, porra... Aqui estamos, né? Pra tentar achar um meio de entender tudo isso. Não tenho como te pedir perdão pra tudo, mas... Eu me arrependo por ter colocado vocês naquela situação. Fiquei em silêncio, ainda sem saber o que falar. Mas aquilo me tocou de alguma forma. Não era um pedido de desculpas tradicional, não era o tipo de coisa que alguém, sei lá, da minha família, ou até de uma pessoa "normal", diria. Mas tinha uma sinceridade ali que eu não sabia como lidar. Fui tomando fôlego e finalmente consegui falar, meio que no automático: — Por que fez isso, Jacaré? Por que envolver minha família nesse jogo? E ainda tentar se mostrar alguém em quem eu deveria confiar? Você sabia muito bem quem eu era... Por que teve que colocar minha vida em risco? — Eu sabia que podia ser duro demais, mas precisava saber a razão por trás de tudo. Não ia deixar pra lá. Ele me olhou fixamente, como se estivesse pensando nas palavras. Levou um momento até ele responder. — Às vezes a gente faz as coisas pensando que tá protegendo quem tá ao redor, sem perceber que se mete cada vez mais em confusão... Eu pensei que estava protegendo vocês, que tava cuidando da segurança de todos ali, mas acabei tomando decisões erradas, sem pensar nas consequências de verdade. E eu queria que tu soubesse disso — Ele fez uma pausa, seus olhos voltaram a me encarar, mais sério do que antes. — Eu sou doido, Benjamim, mas não sou cego. Sei que tu odeia a vida que eu escolhi, sei que tu não concorda com p***a nenhuma do que faço, e no fundo... Eu não espero que tu me perdoe. Só quero que, depois disso tudo, tu entenda a real, que meu arrependimento é de verdade. Eu respirei fundo, sentindo aquele nó no peito apertando de novo. Queria perguntar mais, queria entender tudo. Por que Jacaré não seguia outra vida? Como ele poderia conviver com o que fazia? Mas, por enquanto, eu só estava ali, ouvindo-o. — Como você espera que eu entenda, Jacaré? Eu não sei se um cara como você pode ser...de verdade — As palavras saíram mais duras do que eu queria. Eu estava frustrado, sabia disso, mas tinha a impressão de que, no fundo, ele estava esperando que eu visse alguma humanidade nele. E não sabia nem como aceitar isso. Ele sorriu fraco, como se soubesse que eu ia falar isso. — Eu sei que tu vai me chamar de filho da p**a, de bandido, de traficante. Não espero muito de ti. Só queria dar essa chance pra, no futuro, se tu me olhar de novo... Não seja só com ódio. Eu olhei pro lado, tentando processar tudo. Não sabia onde essa conversa ia dar, mas já havia algo em mim que falava que, de alguma forma, eu precisava terminar. Fechei os olhos, tirei o peso de tudo um pouco, e olhei pra Jacaré, que esperava pacientemente, como se não houvesse mais ninguém ali além de nós dois. — Não sei o que pensar ainda. Mas... A gente conversa mais tarde, Jacaré. Eu prometo... só que não agora. — Eu disse com mais calma. Ele não contestou. O que quer que fosse que estivesse acontecendo, essa conversa já tinha plantado alguma semente. Só não sabia se ela ia crescer.
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