Jacaré Narrando
Era sábado, o dia do baile. Desde cedo, eu já estava no corre. A boca estava movimentada, e eu tinha que garantir que tudo ia rolar tranquilo. Resolvi onde cada mano ia ficar, distribui as mercadorias, e alinhei tudo para que cada um tivesse seu espaço certo. Não podia deixar brechas pra imprevistos, então estava em cima de cada detalhe. Onde os vapores iam fazer a segurança? Tudo tinha que ser organizado para o baile bombar e para ninguém ficar de fora.
Chamei o Jaguatirica para ajudar na logística e mandei ele atrás do MC Livinho, o cara que sempre segurava o clima da festa, pra levantar o astral. Já sabia que a galera ia curtir o som dele. Da mesma forma, avisei alguns donos de morro parceiros, pessoas que sempre estavam do meu lado quando o bagulho apertava. Eles também iriam colar para fortalecer o evento. Era importante manter esses laços, e o baile era uma boa oportunidade para continuar a alavancar a moral com a galera e movimentar a venda das mercadorias.
Era tudo calculado, uma estrutura bem armada para não deixar que o evento perdesse o ritmo ou fosse afetado por qualquer complicação. Não ia ser um baile qualquer, eu estava fazendo isso pra marcar território e pra dar uma porrada de moral na quebrada. Pensar nessas coisas me mantinha focado. O baile não era só festa, era uma forma de dizer que eu estava com o controle em mãos.
Depois de colocar tudo no esquema, eu parei por um segundo e olhei pro morro. Por mais que tudo estivesse rodando como um relógio, minha mente voltou a Benjamin, como se ele fosse um constante aperto, aquele assunto pendente. Mas, hoje, a missão era outra: fazer o baile acontecer.
Depois de tudo no esquema e tudo organizado, eu subi pro meu barraco e, ao chegar lá, já dei o papo pra dona Amélia.
— Amélia, hoje é dia de baile. Fica por aí mesmo, vai ficar mais tranquilo com a Valentina. Não quero saber de nenhum pepino, é dia de fazer o corre e manter a ordem — falei de maneira direta, já deixando claro que a prioridade era o baile. Dona Amélia sempre cuidou bem da Valentina, então sabia que poderia confiar na companhia dela durante esse evento.
Ela assentiu, meio sorrindo, mas também com aquele olhar atento de quem sabe como as coisas podem ser.
— Pode deixar, Jacaré. Pode ir tranquilo. A Valentina já até está animada, mas fica sossegado que vou tomar conta dela.
Com isso, eu subi para o quarto. O corre tinha sido intenso, então uma boa ducha seria uma ótima maneira de me livrar da pressão da manhã. Liguei o chuveiro, senti a água quente batendo no meu corpo, e aproveitei cada segundo daquele momento. O banheiro ficou em silêncio, apenas o som da água caindo e o barulho do meu pensamento martelando na minha cabeça.
Quando terminei o banho, tomei um tempo para ajeitar a barba. Tinha que estar no ponto, afinal, era baile. Sempre foi assim comigo, meu visual sempre teve que estar "na régua". Eu não era de me entregar para qualquer aparência, sempre procurei manter uma imagem forte, mas também com aquele toque de sofisticação. O visual era um reflexo de como eu me via, e, naquele momento, eu queria estar no auge, mais preparado do que nunca.
Saí do banheiro e fui direto até o guarda-roupa, olhando cada peça de roupa. Hoje era um daqueles dias em que a escolha do traje tinha que ser certeira. Não podia errar. Peguei uma camisa preta, de um tecido mais suave, que deixava o corpo se ajustando bem. Combinei com uma calça jeans escura que não falhava nunca. Aí, pra completar o visual, peguei uma jaqueta de couro que, por mais que fosse comum, passava o charme certo. Um tênis que destacava, mas sem exagero, e eu estava pronto. O traje precisava ser estratégico, mas ao mesmo tempo simples. O suficiente para impressionar, mas sem ser forçado.
Quando me vesti e me olhei no espelho, o reflexo me disse tudo. Eu estava mais focado, pronto para curtir a festa e para manter a moral no morro. O dia ia ser meu, não tinha dúvida disso.
Vesti o casaco, ajeitei o cabelo e me preparei para o baile. Pensando bem, se houvesse algo que eu precisasse fazer era dar aquela última olhada nos detalhes que garantiam que tudo ia seguir tranquilo.
Eu coloquei a chave na moto e, com o som do motor ronco, comecei a descer o morro, sentindo a adrenalina já tomando conta do corpo. O baile hoje seria histórico, e eu estava decidido a fazer tudo certo, garantir que rolasse sem qualquer problema. A cada curva, o som do baile ficava mais forte, mais abafado pelo ritmo do funk que começava a tomar conta da quadra lá embaixo. A energia estava no ar, e meu foco não deixava que eu me distraísse com nada mais.
Quando cheguei, o som já estava torando. As batidas do funk reverberavam na rua e por todo o bairro. Isso era vida no morro, e eu tinha que garantir que tudo estava no controle. Estacionando a moto, não precisei falar muito, só vi o Jaguatirica lá em cima no camarote esperando. Ele e os manos estavam firmes, garantindo que a segurança no rolê fosse em primeiro lugar, mas sem perder o ritmo da festa, claro.
Subi direto pro camarote, uma visão privilegiada. De lá, dava pra ver todo mundo dançando, as luzes piscando, a galera se divertindo, mas eu não estava lá pra ser só mais um. Era meu evento, minha conquista, e eu queria sentir esse controle pulsando. A fumaça do baile subia, o som estava pesado, mas eu mantinha os olhos atentos a tudo.
Horas se passaram, o baile tava rolando bem, todo mundo estava empolgado, mas, por algum motivo, eu tinha o olhar voltado pra um canto específico da pista. Eu não sabia dizer exatamente quando foi que me toquei, mas, ao olhar bem, vi ele. O moleque. Benjamin. Ele estava lá embaixo, na multidão, se misturando com a galera, mas de algum jeito, ele não conseguia passar despercebido pra mim.
Quando meus olhos encontraram os dele, foi como se um frio percorresse a minha espinha. Aquela sensação, inexplicável, meio inusitada, já me tomou por completo. Eu sabia o que aquilo significava. Não tinha como ignorar. Já senti um certo aperto no peito, algo que me pegava desprevenido, mas ao mesmo tempo não deixava de me envolver. O que ele fazia ali? Eu não sabia, mas o fato de ver aquele moleque no meu ambiente me deixou… eu diria, curioso.
Fiquei parado, observando ele de cima. Talvez se eu visse o jeito como ele se misturava à multidão, não ficasse pensando tanto. Mas, claro, a emoção tomou conta. Mandei o Jaguatirica ir falar com ele. Meu plano? Não sei exatamente, mas eu queria que o moleque subisse pro camarote. Por que eu estava querendo que ele subisse? Eu sabia que algo maior estava acontecendo, algo dentro de mim que não fazia sentido se eu não agisse de alguma forma.
— Jaguatirica! Vai até o Benjamin e diz pra ele subir no camarote, eu vou dar o papo com o moleque lá de cima — mandei, tentando disfarçar o nervosismo.
Jaguatirica não perguntou muito. Ele sabia como eram as coisas comigo e sempre dava o resultado que eu queria. E, de alguma forma, aquilo tudo já estava fora de controle de um jeito bom, porque o que fosse acontecer dali pra frente, eu já sabia que ia ser diferente.