Capítulo 2

1277 Words
Benjamin Narrando Quando senti minha consciência voltando, foi como se eu estivesse emergindo de uma escuridão profunda. Meus olhos pesavam, e, quando tentei abri-los, parecia que estavam cheios de areia, difíceis de controlar. A luz era forte, quase dolorosa, mas aos poucos fui focando no que estava ao meu redor. A primeira coisa que vi foi o movimento rápido. Meus pais. Eles correram até mim assim que perceberam que eu estava acordando. Minha mãe se abaixou ao meu lado, acariciando minha cabeça com tanta delicadeza, como se eu fosse quebrar. Ela me beijava no rosto repetidamente, enquanto meu pai segurava minha mão, o alívio estampado no rosto dele. Mesmo sem dizer nada, eu podia sentir o peso de tudo o que tinha acontecido no ar. Eu tentava falar, queria perguntar o que tinha acontecido, mas parecia que não tinha forças. Minha boca se movia, mas as palavras simplesmente não saíam. A sensação de impotência me dominava, e, por um momento, o medo de não conseguir falar nunca mais passou pela minha cabeça. Foi então que meu pai, percebendo o esforço que eu fazia, segurou minha mão com firmeza e disse, com a voz calma: "Não se esforça, filho. Está tudo bem agora. Você está bem." Ele olhou para mim com aquele jeito que só pais têm, tentando me passar segurança, mas eu sabia que havia muito mais por trás daquele olhar. Eu tentei de novo, com todas as forças, formar uma palavra, qualquer coisa que pudesse sair da minha boca, mas o som não vinha. Era frustrante, como se meu corpo estivesse me traindo. Meu pai, percebendo a luta nos meus olhos, apertou minha mão um pouco mais forte, se inclinando sobre mim. — Calma, filho — ele disse, com a voz baixa e tranquila. — Não precisa falar agora, ok? Você está aqui, com a gente. Está tudo bem. Eu tentei de novo, mas só saiu um suspiro fraco. Queria perguntar... O que aconteceu? Como cheguei aqui? Mas nada funcionava. Ele passou a mão no meu rosto, os dedos ásperos contrastando com o carinho no gesto. — Não se esforça, Ben — ele continuou, a voz meio embargada. — Você foi forte, muito forte. Agora, descansa. O pior já passou. Meus olhos tentavam se fixar nos dele, pedindo respostas, mas meu corpo parecia tão cansado. Eu queria tanto falar, mas, por agora, as palavras dele tinham que ser suficientes. Algumas horas depois de eu ter acordado, minha mãe saiu do quarto. Ela estava exausta, dava pra ver nos olhos dela o quanto aqueles últimos dias tinham sido pesados. Assim que a porta se fechou atrás dela, percebi que meu pai ficou mais inquieto. Ele estava ao meu lado, mas não parava de mexer as mãos, o olhar se perdendo em pensamentos. Parecia que ele queria dizer algo, mas não tinha coragem de começar. Eu, ainda sem forças para falar, fiz um sinal com a mão, tentando mostrar que estava pronto para ouvir o que ele tinha a dizer. Ele olhou pra mim, respirou fundo, e finalmente começou. — Filho... — Ele hesitou por um momento, o olhar sério, mas ao mesmo tempo carregado de dor. — Acho que você precisa saber o que aconteceu. Você foi atingido, lembra? Por um tiro... A gente foi parar numa rua errada, e... acabou acontecendo. O cara que mandou atirar... — ele pausou, como se estivesse escolhendo bem as palavras — ele tem vindo aqui todos os dias. Meu coração apertou na hora. A pessoa que mandou atirar? — Ele vem oferecer ajuda... e ver como você está. Acho que está arrependido, não sei... Mas o que importa é que você está vivo, Ben. Você vai ficar bem. Fiquei pensativo depois que meu pai me contou que o homem que mandou atirar no carro em que estávamos vinha me visitar todos os dias no hospital. — Quando ele vier me visitar, peça para ele vir até mim. Quero ver o rosto do homem que mandou atirar em nosso carro. — Falo, tentando controlar o medo. Apesar disso, sabia que era algo que eu precisava enfrentar. — Tem certeza da sua decisão? — Meu pai pergunta, com dúvida no olhar. — Absoluta. Está na hora de eu conhecer esse homem. Meus pais saíram do quarto dizendo que iam comer alguma coisa, e eu fiquei sozinho, refletindo sobre tudo que tinha acontecido. Minha vida havia virado de cabeça para baixo. O que era para ser um simples passeio se transformou em dias de internação no hospital. Ainda sentia dores, mas estava me recuperando bem. O que eu queria mesmo era sair dessa cama e fazer alguma coisa. No entanto, o tiro que atingiu meu estômago havia drenado minhas forças. Mais tarde, naquele mesmo dia, o médico veio ao meu quarto e informou que minha recuperação estava rápida e progressiva. Não demorou muito até que meus pais voltaram ao quarto, mas havia algo estranho no olhar deles, como se estivessem assustados. Eu já sabia o motivo. — Filho... — Meu pai começou, mas eu o interrompi. — Pode mandar ele entrar. Estou pronto. — Falei, tentando disfarçar o nervosismo com um sorriso sem graça. Meu coração começou a bater mais rápido. Os aparelhos registraram isso, e o médico me pediu para me acalmar. Respirei fundo, tentando obedecer, enquanto ouvia o trinco da porta se abrir. Primeiro entraram meu pai e minha mãe, e logo depois surgiu um homem alto, muito bonito e coberto de tatuagens. — Licença aí. — Ele falou, olhando diretamente nos meus olhos. Sua presença era marcante, e aquilo me deixou apreensivo. Mas me esforcei para manter a calma e evitar que as máquinas apitassem ainda mais. — Fique à vontade. — Respondi, com um pequeno sorriso e fazendo um gesto para ele se sentar. Ele puxou uma cadeira e se acomodou, sem desviar o olhar. — Tô ligado que seus coroas já te falaram que fui eu quem mandou meter chumbo no carro de vocês. Tô aqui pra pedir desculpa. — Disse, um pouco sem graça. — Eu aceito suas desculpas, mas preciso entender: como você manda atirar em pessoas sem nem saber quem elas são? — Perguntei, tentando conter o nervosismo. Percebi meus pais me olharem surpresos. — Qual foi? Vocês entraram na minha área com o carro todo lacrado. Achei que eram os “cu azul” à paisana. — Ele falou com naturalidade, e eu acabei rindo. — “Cu azul”? O que é isso? — Perguntei, achando curioso. Ele riu junto e explicou que era como chamavam os policiais na quebrada. A conversa seguiu por horas. Ele me explicou as gírias e as dinâmicas do morro, algumas engraçadas, outras um tanto bizarras. Por mais incrível que pareça, me senti confortável com a presença dele ali. Até mesmo meus pais se envolveram na conversa, rindo de algumas histórias que ele contava. — Então tá tudo certo entre nós? Vou meter o pé. Mas, quando sair dessa cama aí, me dá um salve. Faço questão de te buscar. — Ele falou ao se levantar. Apertou minha mão com firmeza e caminhou até a porta. Antes de sair, olhou para trás e me encarou por um instante, como se quisesse dizer algo a mais. Depois que ele foi embora, meus pais se aproximaram e começaram a comentar. — Estranho ele ser tão educado e simpático, considerando o que é, né? — Minha mãe observou, ainda intrigada. — Também achei. — Meu pai concordou. — Mas a bondade dele pareceu genuína. Porém, ao contrário deles, eu gostei da conversa. Apesar das circunstâncias, havia algo naquele homem que me despertava curiosidade, algo que eu ainda não conseguia entender.
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