Você

1496 Words
Capítulo-VIII. Você " Somente você para trazer a luz e o calor que a minha vida precisa." Varuna Everaldo chegou rápido, falando alto, o que irritou meu pai. Kairos olhou na direção do sobrinho. — Marselha não te educou, rapaz? — indagou com ares de poucos amigos. — Educou, muito bem, tanto que disse que eu não devo escutar tudo o que o senhor diz. — Everaldo falou, passando por meu pai, que estava sentado numa cadeira na varanda da frente, lendo o jornal. Kairos dedica metade da sua manhã à leitura de diversos jornais. Não sei qual é a graça, no entanto, nunca perguntei o que o agrada tanto naquelas páginas. — Vou ter uma conversa com a minha irmã — Kairos disse, virando a página e baixando os olhos por trás dos óculos de leitura. Sorri, olhando para os dois, que vivem se espetando feito dois ouriços. Meu primo me viu perto do carro e apontou o indicador na minha direção. Everaldo se aproximou, estendendo a mão para me cumprimentar. — Sabe que só venho aqui por sua causa. Seu pai é um pé no s*co. Um, não, os dois! Coroa chato da desgraça! Me dê valor, viu? Olha o que eu aturo por sua causa — falou, olhando para o próprio reflexo na parede de vidro. — O pai tá na pista pra negócio. — Vamos. Estava te aguardando — falei, contornando o veículo. — Não brinca que não vai me deixar dirigir? — Hoje não. Quero memorizar o caminho. — Rapaz, tem que valer muito a pena todo esse sacrifício — resmungou, antes de entrar no veículo. Retirei o Aston da garagem. Meu pai ergueu o olhar. Dei uma leve buzinada e recebi um aceno em resposta. Manobrei e coloquei a máquina na pista. — Como é Extremoz? — perguntei, porque nunca fui de explorar as imediações. Estava fazendo isso agora por causa da desconhecida que resolveu se apossar dos meus pensamentos e sentidos. — No século XVIII, Extremoz foi elevada à categoria de vila e, nas décadas seguintes, estabeleceu-se como um centro econômico e pecuarista. Na década de 1960, o município se emancipou de Ceará-Mirim. Pertencente à Região Metropolitana de Natal e ao Polo Costa das Dunas, localiza-se ao norte da capital do estado, distante desta 23,5 quilômetros. Ocupa uma área de aproximadamente 139,6 km² e... Olhei rapidamente para o homem, que parecia ter engolido um livro sobre a história local. — Everaldo, para. Não quero ter um misto de aula de geografia com história. Quero saber o que tem lá que atraiu a menina. A praia da Barra do Rio parece ser mais interessante. — Diz isso porque parece um caranguejo que não sai da toca. Você só fica por ali ou em Genipabu, na época do Carnaval. — Venho pra cá raramente. Você sabe disso. — Claro que sei. Perdi as contas de quantas vezes fui pra São Paulo. Agora, as vezes que você veio para o Rio Grande do Norte dá pra contar nos dedos. Cinco vezes, com essa. Sorri. Era bem verdade, não podia negar. — Não sei como sua mãe e seu pai continuam casados. Nunca vi serem marido e mulher e viverem em casas separadas, em estados diferentes. Eu não aguentaria uma merda dessas. Passei devagar por um grupo de meninas, olhando para todas, buscando pela garota. — Arranjo deles — respondi. — Aí, papai... Manda tudo lá pra casa — Everaldo murmurou. Uma das meninas mandou um beijo no ar. — Na volta, nós se beija! — gritou Everaldo, quase me deixando surdo. As meninas caíram na gargalhada. Segui o caminho que o GPS indicava. Olhei para o meu primo. — Viu que belezinhas? — Você não aprende — falei, acelerando, com os olhos atentos em qualquer menina que tivesse características físicas similares às dela. — Tô vivo, tenho que viver. Depois que morre, não se pode aproveitar o bom da vida... o sexo. Senti algo esquisito. Um arrepio frio percorreu minha espinha. Passei a mão pelo pescoço. — Uma das cinco coisas para se fazer em Extremoz: Aquário Natal, Praia de Santa Rita, Pitangui Lagoa Park, Passeios de bugre, Ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo, uma das primeiras a serem construídas... — Ruínas? Quem se interessa por isso? — Quem tem fé. Dizem que tem gente que sente uma energia diferente quando se aproxima do local. Eu sei não, mas me arrepio. É São Miguel Arcanjo, príncipe dos anjos, que lidera as hostes celestiais e é considerado um dos arcanjos mais poderosos. — Acredita em anjos, Everaldo? — Não desacredito de nada, meu parceiro. Nem das cobras gigantes que vivem na lagoa. Sorri do meu primo. — Quando eu era moleque, minha mãe dizia que, se eu não fosse dormir no horário, a cobra ia sair da lagoa e me pegar. Mermão pensa no terror! Teve uma vez que fiz xixi na cama com medo de ir ao banheiro e dar de cara com a cobra no corredor. Gargalhei. Não deu pra segurar. — São lendas, Everaldo — falei, olhando para duas moças andando de bugre. Uma delas tinha cabelos parecidos com os da desconhecida. Não era ela. Cada vez que eu pensava que poderia ser, meu coração acelerava, minhas mãos suavam. Mas, ao constatar que não era, um desapontamento me acertava em cheio. — Agora eu sei. Mas aos nove anos, como saberia? Mãe fala e a gente acredita. Acelerei. Temia chegar à pousada onde a menina estava e não encontrá-la. — Pensou no que vai dizer pra menina, bonitão? Ou acha que esses seus olhos claros são garantia de que ela vai cair nos seus encantos? Olhei de relance para Everaldo. Não tinha pensado em nada. Só queria estar perto dela, olhar nos olhos dela e ouvir sua voz. — Não se preocupe com isso — falei baixo, aumentando o volume do som do carro. O que não adianta muito quando se tem alguém dominando os seus pensamentos. Cerca de vinte e três minutos depois, estávamos em Extremoz. Everaldo me guiava pelas ruas. — Aqui tem as ruas dos “Dom”. São tantos, só perdem pras máfias da Itália — Everaldo riu. — Onde é a rua da hospedagem? — A próxima à direita. Segue até o final da rua. Faço isso com o coração quase batendo nas costelas. A vontade de ver essa menina é forte demais. Paro o carro do outro lado da rua. Observo. A fachada é simples, mas transmite um ar acolhedor — talvez refletindo o clima tranquilo do local. A casa tem paredes externas pintadas em tons suaves de branco e areia. É cercada por um pequeno muro com portão de madeira rústica, que combina perfeitamente com o ambiente natural da região. Logo na entrada, um jardim bem cuidado, com plantas nativas, coqueiros e flores tropicais, parece um verdadeiro cartaz de boas-vindas aos visitantes. Um letreiro artesanal com o nome da hospedagem em letras coloridas transmite o espírito familiar e hospitaleiro do lugar. A varanda frontal é ampla e sombreada, com redes penduradas e bancos de madeira — ideal para um descanso ao fim do dia ou início da noite. A estrutura é térrea, com telhado de telhas cerâmicas e detalhes em madeira, que trazem um ar rústico. — E agora, Varuna? Vai entrar e pedir pra reunir todas as moças hospedadas? Vai dizer que quer dar uma olhada nelas? Apoio o braço no volante do carro. Meus olhos miram a porta, por onde saem alguns hóspedes... menos ela. — Eu vou lá. Me espere aqui. — Que raios vai fazer? — Everaldo pergunta assim que fecho a porta. Atravesso a rua. Entro pelo pequeno portão, olho o local com atenção. Entro pela porta. Uma senhora, atrás de um balcão, me observa. Sigo em sua direção. — Bom dia. Estou à procura de um quarto para alugar. Teria algum? — pergunto, retirando os óculos de sol. — Sinto muito, senhor. Estamos no limite. É alta temporada, e a maioria dos turistas faz reservas com antecedência. — Sério? Caramba... Cheguei hoje. Não sabe de algum local com ambiente familiar e calmo por aqui? — Tem uma pensão que não é muito longe daqui... Fiquei cerca de sete minutos conversando com a senhora, prestando atenção na movimentação... nada da menina. Retornei ao carro com a cabeça doendo, corpo tenso e os nervos repuxando. Entrei e bati a porta. — E aí? — indagou Everaldo. — Nada — respondi, meu olhar espetando o ar. — Tem certeza que é aqui? — Absoluta. Vaguin não é de dar bola fora. Acontece que... Varuna, não é a menina? — Everaldo bate levemente no meu ombro. Olho na direção indicada e vejo a desconhecida deixando a pousada, em companhia de mais duas meninas. Todas aparentam ter aproximadamente a mesma faixa etária. Elas conversam. A minha menina ri. E algo aquece tanto meu peito que abro um sorriso leve. — O que vai fazer? — meu primo pergunta. — Segui-las.
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