Capítulo 2

1406 Words
Jr narrando 4 Anos Depois Desde que meus pais morreram, eu me fechei pra muita coisa nessa vida. O sofrimento me fez virar pedra, me fez endurecer, me fez ser esse homem frio que sou hoje. Não tenho tempo pra frescura, nem pra sentimento mole. Essa p***a de mundo só respeita quem mete o pé na porta e segura a barra sem chorar. Tô nessa vida há anos, e conquistei cada metro com sangue e estratégia. E com a ajuda do meu irmão, o Hades, consegui o que sempre foi meu por direito: esse o morro da Mare. Hoje eu sou o dono dessa p***a toda. O chefão. O rei dessa favela. Tento cuidar da quebrada com mão de ferro, porque se vacilar aqui, já era. Cuido dos moradores, da segurança, do postinho, da creche, da molecada que merece um futuro. Eu construí meu legado aqui, tijolo por tijolo, bala por bala. E por isso, hoje em dia, sou respeitado. Sou temido. E tô deixando minha marca nessa p***a. Tava na minha sala, fumando um e pensando nos próximos passos, quando a porta se abriu e o Lobo entrou, todo afobado. — Aí, irmão... a Bruna tá feito louca te procurando — ele falou, rindo. Suspirei pesado. A Bruna... um p**a vacilo meu. Apareceu aqui pouco depois que eu assumi o morro. Corpo bonito, olhar de safada, dessas que sabe usar o que tem pra tentar subir na vida. A gente se pegou algumas vezes, até que numa das trepadas a p***a da camisinha estourou. Resultado? Um filho. Pedro. Moleque tem três anos agora. — Que p***a essa v***a quer? — perguntei, já de saco cheio. — Não sei, mas a mina tava atrás de você mesmo — ele respondeu, dando risada. — Caralho... essa p***a não entende que acabou e fica no meu pé — resmunguei, tocando a cabeça. — Vai lá ver o que ela quer. Foi tu que assumiu esse B.O — ele zoou. Filho da p**a do Lobo adora tirar uma com a minha cara. Mas no fundo tem razão. Eu assumi o B.O. Nunca deixei faltar nada pro moleque. Tem casa, comida, roupa boa, brinquedo, escola. Mas a Bruna… ela acha que porque pariu o herdeiro do trono tem direito a coroa. Saí da minha sala, desci as escadas do QG e montei na minha moto. O motor rugiu quando girei a chave e segui na direção da casa que dei pra ela e pro Pedro. O sol tava rachando o chão, e as vielas ferviam de calor e fofoca. Quando cheguei na casa, bati na porta e ninguém respondeu. Empurrei e entrei. A visão me fez bufar na hora. A Bruna tava jogada no sofá, só de lingerie. Uma calcinha minúscula e um sutiã de renda vermelha. Pose de novela, mas alma de barraco. — Que p***a é essa? Cadê o Pedro? — perguntei, já de cara fechada. Ela se esticou toda, sensualizando. — Deixei com a Dona Tereza. Eu tô com muito fogo, JR... e quero dar pra você — disse, me encarando com aquela cara de safada. Dei um passo pra trás, irritado. — Tu tá achando que eu tenho tempo pra tuas palhaçada, Bruna? — soltei, ríspido. Ela se levantou e veio até mim, tentando me tocar. — Para com isso, Bruna. Se tu não tem nada pra falar do nosso filho, ou se não tá precisando de nada, eu vou nessa. A favela não funciona sozinha. Ela arregalou os olhos e ficou p**a na hora. — Qual é, JR? Tá me dispensando por quê? Quem é a p**a que tu tá comendo agora? Fala! Ia responder, mas meu rádio apitou. A voz do Caveira veio firme. — JR, cola aqui na boca rapidão. Tem uma mina querendo alugar uma casa. — Tô colando. Me dá cinco minutos — respondi no rádio. Encarei a Bruna, sem paciência. — Eu não te devo satisfação. E, mais uma vez, vê se entende que entre nós dois só existe o Pedro. E ele nem tá aqui — falei antes de virar as costas. Ela ainda gritou alguma merda, mas eu já tava na moto, acelerando pelas vielas. Precisei respirar fundo pra deixar a raiva baixar. Bruna é um carma que me persegue. Cheguei na boca e desci. Os soldados abriram caminho quando entrei. A quebrada tava no corre, tudo no esquema, tudo girando como deve ser. Subi a escadinha até a entrada da casa que a gente sempre mostra pra quem quer alugar, e quando empurrei a porta… o mundo pareceu parar. Meus olhos congelaram na imagem na minha frente. Era ela. Sandrinha. A p***a do meu coração quase saiu pela boca. Ela tava ali, de pé, bem na minha frente. Cabelo solto, castanho escuro, daquele jeito que sempre me fez perder a linha. Os olhos... p***a, aqueles olhos escuros que eu reconheceria até no escuro da alma. O vestido era simples, colado no corpo, mas deixava evidente cada curva que eu já conhecia. E que, confesso, nunca esqueci. — Sandrinha? — minha voz saiu baixa, rouca, como se eu tivesse engasgado no nome dela. — J... JR... — ela respondeu no mesmo tom, e cada sílaba dela me atingiu como um soco no estômago. Porra... quanto tempo? Anos. Tantos anos que perdi a conta. Tantos anos que eu enterrei esse nome, essa lembrança, esse sentimento… ou pelo menos achei que tinha enterrado. Mas só de ver ela ali, tudo voltou. A saudade, o gosto do que a gente viveu. Fiquei sem reação. Meus dedos tremiam. c*****o, JR, tu não é assim. Tu não gagueja, tu não se perde. — O que tu tá fazendo aqui? — perguntei, tentando manter a firmeza na voz, mas saí mais curioso do que mandão. Ela olhou pro lado, desviando do meu olhar. Tava nervosa. E eu percebi. Aquele jeitinho dela ainda tava ali, tímido, contido. — Minha vó morreu... não tava conseguindo me manter mais em São Paulo. Resolvi voltar pro Rio. Não sabia que você era o dono da Maré... Me aproximei devagar. O cheiro dela invadiu meu pulmão como se fosse ontem que ela tinha ido embora. Era o mesmo perfume leve, doce, que ela usava quando se enfio debaixo dos meus lençóis. Mas agora parecia diferente… mais maduro, mais dolorido. Ela parecia insegura, nem me olhava nos olhos. E isso me deixava mais pilhado ainda. — Então tu quer uma casa aqui? — perguntei, direto. — Sim... mas acho melhor olhar em outro lugar — respondeu, baixinho. — Olhar em outro lugar por quê? — insisti. — Só... não quero problemas. Fiquei quieto por um segundo. Analisei cada expressão dela. Cada piscada. Cada movimento. — Não tem problema. Vai morar tu e quem? — perguntei, cruzando os braços. — Eu... eu... eu e minha filha — falou, quase sussurrando. Meu coração travou na hora. Um gelo subiu pela espinha e congelou meu raciocínio. — Tu tem uma filha? — soltei, ainda tentando processar. — Tenho — respondeu rápido, mas sem detalhe. Como se quisesse fugir do assunto. Minha mente girava. Eu ali, dono da p***a toda, mandando e desmandando, e de repente… essa bomba. — Eu tenho um moleque — soltei, quase sem pensar, como se precisasse igualar o jogo. Ela levantou os olhos, finalmente me encarou, mas logo desviou de novo. Estava visivelmente abalada. — JR... eu preciso ir. Desculpa, eu vou... — A casa é tua — interrompi, firme. Ela me olhou, surpresa. — JR... — Sandrinha, deixa o passado pra trás, beleza? Não precisa ficar esse clima estranho. A gente se despediu numa boa, não foi? — Sim — ela respondeu, quase num sussurro. — Então não vejo motivo pra não ficar. Aqui tem espaço, tem segurança. Vi os olhos dela encherem d’água. Ela segurou firme, mas eu percebi. Ela quase chorou. E aquilo mexeu comigo de um jeito que eu não tava preparado. Ela respirou fundo, assentiu com a cabeça. — Tudo bem. No sábado eu me mudo. Assenti também, mantendo a pose de durão. Mas por dentro, eu tava uma bagunça. Quando ela virou as costas e saiu, parecia que tava levando um pedaço meu junto de novo. Me deixou ali, parado, no meio da boca, com a mente mais embaralhada do que nunca. Sandrinha voltou. E Voltou com uma filha. E eu... p***a, eu não sei se tô pronto pra isso. Mas uma coisa eu sei: essa história ainda não acabou. Nem de longe.
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