Passado presente!
Luísa
A música sempre foi tudo para mim. Pelo menos, desde que me lembro.
Movo os braços e as pernas em volta do ferro, me exibindo para aqueles homens nojentos.
Por alguns segundos, quase consigo fingir que não estou aqui, sendo objetificada pelo meu corpo. Por alguns instantes quase consigo esquecer os últimos 10 anos, que foram cheios de dor e confusão. Quase consigo fingir ser alguém.
Quando a música lenta se torna uma batida intensa, eu sei que o movimento final se aproxima, e é aqui que o dinheiro chove em cima de mim. Em um movimento ensaiado muitas vezes, eu jogo o corpo para frente, segurando o ferro com uma mão e puxando o tecido da minha roupa com a outra.
Os gritos confirmam que estou seminüa, pouco antes de ver as notas de 100 reais voando pelo palco. Forço um sorriso para eles, e me despeço, enviando beijinhos para os clientes fieis, que estão aqui em todas as minhas apresentações nos últimos dois anos.
Quase corro do palco, por um corredor estreito, fugindo do gerente que sei que inventará um motivo qualquer para encostar no meu corpo pouco coberto, e respiro aliviada quando me tranco no quartinho que uso para me trocar, sem encontrá-lo no caminho.
10 minutos é o tempo que eu levo para vestir as minhas roupas e por fim, sair para a noite, pelos fundos da balada. Enquanto ando pelo calçadão, lembro do dinheiro voando ao meu redor, e sinto nojo de mim mesma, por apenas ignorar aquilo. Eu ganho um valor fixo, para dançar aqui de terça á sábado, por 30 minutos e ficar seminäa, em todas as noites. O valor que os velhos nojentos jogam ficam para o gerente, não para mim.
Me odeio pela minha burrice ao negociar aquele acordo, tanto tempo atrás, mas isso não me detém. Eu continuo caminhando até onde parei a minha bis, e tudo o que eu quero é chegar em casa, para poder finalmente dançar por vontade própria, não para ganhar dinheiro.
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Rei (Luan)
Outra dose, outro back e outra garota.
Dias como hoje eu sinto como o poder pode ser cansativo.
A menina choraminga na minha cama, fingindo que chegou ao orgasmö, mas eu sei que ela não gozöu.
Faz tempo que não encosto em uma mulher para que ela sinta präzer.
O meu objetivo, desde sempre, sou eu mesmo.
- Vaza daqui! - Ordeno e a menina se encolhe.
- Mas, Reii, achei que tínhamos a noite todinha … - O som forçado de gemidö me irrita e eu levanto da cama sem olhar para ela.
- Não vou mandar sair de novo. - Explico, com menos raiva do que sinto. - Vaza ou vou te jogar assim mesmo no beco. - Ela se move rápido e eu fico aliviado quando ouço a porta bater, avisando que ela saiu.
Da minha janela consigo ver o morro do Alemão inteiro, o meu reino e uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, e penso de novo que essa vida está cansativa demais. Tomo outra dose, e acendo mais um back.
Me arrependo de expulsar a menina, eu poderia gözar mais uma vez.
Essas são as únicas coisas que amortecem o vazio que eu sinto: Drogas, bebida e sexö.
Bufo, porque eu não lembro o nome da vadiä, e não posso mandar trazer ela de volta.
Aviso no rádio que vou descer pro baile daquela noite. Preciso dar as caras e arrumar outra garota pra me enterrar essa noite.
Hoje faz 10 anos que cheguei aqui, depois da morte da minha mãe, com um único objetivo: vingar a morte dela. E depois que fiz isso, depois que matei com as minhas mãos o homem que abusöu dela e a matou em seguida, o vazio continuou.
Ignoro os meus pensamentos e foco no objetivo de hoje.
Entorpecer os meus nervos o máximo possível e gözar dentro de alguma böceta até dormir.
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Dante
- Estou animado com o que planejou! - O Junior não calou a pörra da boca por nenhum minuto desde que chegou. - Amanhã será inesquecível! - Ele vibra e eu encaro o único cara que eu chamo de amigo com uma dúvida no rosto. Ele percebe a minha confusão e a animação dele parece morrer. - Me diz que você planejou a minha despedida de solteiro! - Reviro os olhos, me dando conta que os problemas dele são comuns.
- Ah, isso? - Desdenho. - Amanhã, no Club Xperia, 20 horas. - Vejo meu amigo respirar aliviado e quase dou risada da cena. - Seu comportamento me ofende. - Declaro, fingindo algo que não sinto.
Aliás, eu não sinto nada faz tanto tempo, que fingir que sinto alguma coisa, se tornou natural.
10 anos desde que eu me senti inteiro pela última vez.
Afasto o pensamento, e tento ouvir os planos do meu amigo, sem sucesso.
Ele não fala de nada além da super noiva linda, loira e peitudä dele e é melhor assim, melhor pensar em assuntos seguros e previsíveis, sendo que metade dos meus dias são tomados por lembranças caóticas e dolorosas.
Ele fala por uma hora inteira, e sei que fala do casamento, de investimento e da empresa, e eu me limito a acenar com a cabeça. Quando o jantar termina, eu quase respiro aliviado por poder ir para casa, finalmente colocar um fim nessa semana. O meu alívio dura até eu passar pelas portas da minha casa, dentro do condomínio mais seguro do Rio de Janeiro. A familiaridade do lugar é dolorosa e tranquila, e não processo nada entre chegar, tomar banho e afundar na cama.
A hora de dormir é a pior hora dos meus dias, porque sempre que fecho os olhos, imagino como a minha vida teria sido diferente se os Vasconcelos tivessem vivos.