A Jaula Dourada

1190 Words
Shark Eu tava dirigindo morro acima, o motor do carro rugindo firme, aquele ronco pesado que me acalma, porque enquanto o carro obedece, o mundo obedece também. Nada me tira do eixo, nada. Pelo menos era assim até hoje. Até ela entrar no banco de trás, toda encolhida, olhos vermelhos de tanto chorar, corpo tremendo que nem vara verde no vento. Beatriz. A irmã daquele filho da p**a do Robson que me deve mais que a própria vida. Olhei pelo retrovisor e… c*****o. O reflexo dela me pegou desprevenido. Linda pra p***a, mano. Cabelo bagunçado, pele morena brilhando com as luzes da rua, aqueles olhos grandes cheios de raiva e medo misturado. Parecia um anjo perdido no meio do inferno. E era exatamente isso que ela era agora: minha prisioneira. Se fosse qualquer outro no meu lugar, ela já tava fodida. Já tinham usado, rasgado, jogado num canto qualquer do morro. Mas eu não sou qualquer outro. Eu sou o Shark. O cara que olha pro caos e decide quem vive, quem morre, quem respira mais um dia. Ela acha que tá sendo castigada. m*l sabe que eu tô salvando a pele dela. Salvando de monstro pior que eu. Porque tem uns aí que não têm limite, não têm freio. E eu, mesmo sendo o que sou, ainda tenho um resto de linha que não cruzo. Mas quando olho pra ela, alguma coisa dentro de mim treme. Uma dúvida filha da p**a que eu não sentia há anos: será que dá pra salvar alguém sem se sujar inteiro no processo? O carro parou na frente da casa. De fora é só mais uma caixa de concreto caindo aos pedaços, fachada de pobre mesmo. Mas por dentro… por dentro é palácio, irmão. Tudo no capricho: piso frio, parede cinza, luz de LED, som embutido, bar com whisky que custa mais que carro de rico. É assim que eu gosto: parecer uma coisa por fora, ser outra por dentro. Igual eu. Desliguei o motor, abri a porta do carro e virei pra ela. — Sai. Ela ficou parada, olhando pros lados como se tivesse alguma saída mágica aparecendo. — Eu disse pra sair, p***a. Aí sim ela obedeceu, mas com o olhar cheio de ódio. Segurei o braço dela, não apertei forte, só o suficiente pra ela entender quem manda aqui agora. E ela entendeu rápido, a mina é esperta. O vento da noite bateu na cara dela, vi os pelinhos do braço arrepiar. Quase senti pena. Quase. — Fica quietinha e vem comigo. Ela abriu a boca, voz tremendo: — Aonde a gente tá indo? — Tu vai ver. Abri a porta da casa e o cheiro bateu: madeira boa, couro novo, whisky caro, aquele cheirinho de homem que tem grana. Ela entrou devagarinho, olhando tudo com os olhos arregalados. Parede cinza, luz de LED mudando de cor, sofá de couro preto, televisão gigante. A cara dela era um poema: esperava um porão fedendo a mofo, não um apê de playboy no alto do morro. — Não esperava isso, né? Ela só me encarou, sem falar nada. Fui pro corredor, abri a porta do meu quarto. A jaula dourada. Cama redonda enorme, lençol preto de seda, globo espelhado no teto jogando luz colorida nas paredes, ar condicionado gelando, banheiro com box de vidro, tudo top. Bonito pra c*****o. Mas é jaula. Porta tranca por fora, janela tem grade disfarçada, não tem como sair. — Tu vai ficar aqui. Ela olhou em volta, depois pra mim, olhos cheios de raiva: — Aqui? Tu tá me prendendo mesmo? — Até teu irmão resolver a parada dele. — Isso é sequestro, seu filho da p**a! Eu dei uma risadinha, ergui a sobrancelha: — E tu acha que alguém vai vir bater aqui pra te tirar, é? Acha que a polícia sobe esse morro pra salvar princesa? Silêncio. Ela sabia que não. Dei um passo pra frente, cheguei perto. Ela recuou até encostar na parede. — Escuta bem, Beatriz. Se eu quisesse resolver do jeito fácil, tu nem tava respirando agora. Mas tu apareceu na minha frente. E agora é assim que vai ser. — Por quê? Por que tu tá fazendo isso comigo? Fiquei quieto um segundo. Tentei achar uma resposta que não fosse mentira. No final, só saiu a real: — Porque tu vale mais viva do que morta. Ela me olhou como se eu fosse o capeta em pessoa. E talvez eu seja mesmo. Cheguei mais perto. Senti o cheiro dela. Doce pra c*****o. Cheiro de sabonete barato misturado com medo. Cheiro de pureza no meio da minha sujeira toda. E isso me irritou pra p***a. Me fez lembrar de um tempo que eu nem era o Shark ainda. Tempo que eu era só um moleque tentando sobreviver. Odeio lembrar disso. — Tu tá segura aqui. — Isso não é segurança, isso é prisão! — Chama do que quiser, c*****o. Balancei a chave na frente dela, aquele barulhinho do metal tilintando. — Não grita, não tenta fugir, não faz besteira. Aqui dentro tu come, tu dorme, tu toma banho. Lá fora… lá fora tem gente que não pensa duas vezes antes de acabar contigo. Ela me fuzilou com o olhar. E mesmo com raiva, mesmo chorando, mesmo me odiando, ela era linda pra c****e. Linda de um jeito que aperta o peito. Por um segundo passou um pensamento sujo na minha cabeça: o que qualquer outro filho da p**a faria se tivesse uma mina dessas trancada no quarto, chorando, indefesa? Eu sei muito bem o que fariam. Mas eu não sou eles. Não vou ser. Virei as costas, saí do quarto e tranquei a porta. O clique do ferro foi alto, ecoou no corredor vazio. Do outro lado começou o barulho: ela batendo na porta, gritando, chorando, chamando de tudo que é nome. Beatriz, Beatriz… o nome dela ficava voltando na minha cabeça. Encostei as costas na parede do corredor, a chave ainda quente na mão. Meu coração tava disparado, coisa que não acontecia desde que eu era adolescente. Respiração pesada, peito subindo e descendo rápido demais. Ela tava lá dentro achando que eu era o pior monstro do mundo. E talvez eu seja. Mas enquanto ela chorava do outro lado da porta, a única coisa que eu conseguia pensar era: se alguém encostar um dedo nela, eu mato. Mato devagar. Mato sorrindo. O choro dela foi diminuindo, até virar silêncio. Silêncio pesado que nem pedra. Fechei os olhos, apoiei a cabeça na parede. Pela primeira vez em anos, alguma coisa dentro de mim queria ser o mocinho da história. Queria proteger ela de verdade. Queria ser o herói que ela merece. Mas aqui em cima do morro, herói morre primeiro, irmão. E eu já tô muito fundo nessa vida pra virar santo agora. Só que… c*****o, Beatriz. Tu tá fodendo com a minha cabeça. E eu nem comecei a f***r com a tua ainda. Mas vou. Porque agora tu é minha. E eu cuido do que é meu. Nem que pra isso eu tenha que virar o maior demônio de todos. ADICIONE NA BIBLIOTECA COMENTE VOTE NO BILHETE LUNAR INSTA: @crisfer_autora
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD