Hoje é meu primeiro dia de aula e eu estou na escola de quem? Da Rosa. Infelizmente, existem poucas escolas na região e eu não consegui me matricular em nenhuma outra.
- Oi, Billie! - Era a Rosa. Meu coração começou a bater mais forte. Por que diabos ele tá batendo mais forte?
- Oi, gatinha. Que legal te encontrar aqui. - Eu abri um sorrisinho simpático. Aprendi muitas coisas na internet, por sorte, os anjos aprendem muito mais rápido que os humanos.
- Você parece mais solta hoje. - Concordei com a cabeça.
- Sim, sim. Eu tava com vergonha aquele dia... Tinha acabado de chegar na cidade, não tava entendendo muita coisa... Sabe? - Ela encarou aquilo como uma excelente explicação.
- Então logo você se encaixa melhor aqui. Seja bem-vinda ao colégio, Billie. - Ela abriu um sorriso simpático de volta. - Vai pra qual sala?
- Artes. - Ela sorriu e passou um braço ao redor do meu, andando junto comigo.
- Eu também. - Ela falou.
Fomos caminhando juntas para a sala, até que uma pessoa parou na nossa frente. Era uma garota mais alta que nós duas, e eu ouvi o coração de Rosa disparar.
- Oi, garota nova. Eu sou Ellen e eu mando nessa p***a toda, entendeu? - A garota ruiva, gostosa, parecendo um furacão olhou pra minha cara como se eu fosse um bicho. Já entendi, ela é o valentão do colégio.
Fingi farejar. Fui me aproximando dela. Os alunos estavam atônitos esperando minha resposta.
- Rosa, você tá sentindo esse cheiro? É cheiro de... Bosta. E tá vindo do cérebro dessa menina aqui. - Apontei para a cabeça de Ellen e todos ao redor começaram a rir.
Ellen saiu andando, batendo os saltos no chão. Como se isso fosse importante. Mas agora, todo mundo quer saber quem é a aluna nova que afrontou a Ellen.
- Você é maluca, Billie? - Respirei fundo ao ouví-la. - A Ellen vai querer matar você.
- Fica tranquila, eu não tenho medo de humanos. - Falei. Ela soltou uma risada.
Entramos na sala. Tinha argila nas mesas e eu me sentei em uma das cadeiras, olhando o bolo de argila na mesa. Lembrei-me das histórias que ouvi no céu.
- "Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou em suas narinas o sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente." - Falei, tocando na argila. - Fascinante.
- Você é religiosa? - Rosa questionou. Neguei com a cabeça.
- Acredito que Deus exista, mas não o cultuo. Não mais. Ele me expulsou de casa. - Soltei uma risada. Ela também. Acho que deve ter achado que era uma piada.
- Eu não acredito em Deus. Nem em anjos nem em nada dessas coisas. - Arqueei as sobrancelhas.
- Eu vou te fazer mudar de ideia. - Falei. Ela suspirou.
- Eu sinto um abandono tão grande dentro de mim. Como se algo... Faltasse. E assim, não consigo me aproximar de Deus. - Olhei Rosa com compaixão. Ela me olhou como se eu fosse estranha. - O que você tá olhando, Billie?
- Nada. Só tô triste por você. E eu também te acho linda, daí isso me faz te olhar mais. - Ela sorriu e olhou para baixo, constrangida. Seu rosto ficou vermelho. Isso significa que ela ficou tímida, né? - Desculpa, não quis te deixar tímida.
- Não, isso foi bem legal de se ouvir. Eu sou um pouco insegura sobre mim mesma... - Ela colocou o dedo na argila e fez um buraco. - Vamos brincar com isso aqui e fazer o que temos que fazer.
Eu e Rosa decidimos fazer um vaso. Rosa é péssima modelando vasos, não tem o mínimo jeito pra olaria. Por sorte, eu tenho. Fiz isso demais no céu. O equipamento é mais primitivo, mas ainda assim, é bem parecido.
- Vem cá, Rosa. Senta nesse banquinho que eu vou te ensinar. - A professora estava ocupada demais vendo o folheto de uma loja.
Rosa se sentou e eu fiquei posicionada atrás dela. Peguei suas mãos, e, delicadamente, coloquei na argila e comecei a girar a máquina com o pé. Apertei os dedos da garota de leve contra a argila e vagarosamente, o vaso foi se formando.
Sempre achei olaria a coisa mais incrível de se fazer no céu. Era meu trabalho favorito.
- Você é ótima nisso... - Ela disse. Percebi que meu rosto estava muito próximo do dela quando virei um pouco o meu para olhá-la. Ela sorria ao olhar para o vaso se formando, e eu sorria em olhar pra ela.
- Você vai ficar ótima nisso também, Rosa. - Falei.
O vaso estava quase pronto. Entreguei um palito para ela acrescentar os detalhes que quisesse.
Mas, antes que ela pudesse colocar os acabamentos, Ellen apareceu e afundou o vaso de argila molhada, o fazendo virar novamente, um bolo de argila.
- Ei, sua p*****a do c*****o! - Libertador o grito que eu dei.
A professora de artes se levantou imediatamente.
- O que está acontecendo, meninas? - Rosa tentou me parar. Mas eu não sabia como as coisas funcionavam, nem sabia onde eu tava me metendo. Eu queria queimar essa menina viva com meu olhar.
- Essa vaca amassou nosso vaso! - Apontei para Ellen.
- Isso é verdade, Rosa? - Ela concordou com a cabeça. - Vá para a diretoria, Ellen.
Ellen saiu mostrando o dedo do meio para nós. Eu mostrei de volta.
- Eu faço outro, não se preocupa. Faço cinco vasos e você pode quebrar todos na cabeça daquela vaca i*****l. - Rosa deu risada. Ela respirou fundo como se eu tivesse feito uma grande bosta. - Porque você tá apreensiva?
- Porque a Ellen vai se vingar. E eu tenho medo do que pode acontecer com você, e comigo também. - Rosa estava com medo.
Por que algo tão... Intenso tá acontecendo dentro de mim agora?
- Eu vou te proteger, Rosa. Você não tem que ter medo da Ellen enquanto eu estiver por perto. Ela não tem chance. - Falei, de forma firme.
Rosa me deu um abraço. Eu fiquei um pouco incomodada, porque não sabia o que fazer, mas a abracei de volta, colocando os braços ao redor dela.
- Você não é muito de abraços, pelo visto. - Ela se separou de mim.
- Nada que eu não possa aprender, se você me ensinar. - Ela sorriu. - Vamos tentar de novo?
Rosa veio para me abraçar novamente. Dessa vez, eu a apertei com firmeza e conforto em meus braços. Eu senti cada coisa estranha que eu prefiro nem nomear. Mas aquilo, de modo geral, foi muito bom.
Quando nos separamos, ela abriu um sorriso pra mim e segurou minhas duas mãos.
- Você realmente aprende rápido. Seu abraço foi ótimo. - Eu abri um sorriso pra ela.
- Te falei.
O dia passou sem maiores incidentes. Quando me separei de Rosa na escola, senti a estranha sensação de que havia cumprido meu dever. Era isso que eu sentiria todos os dias ao proteger ela, então?