Nunca pensei que minha queda seria tão longa. Eu parecia estar caindo em uma p***a de buraco infinito... E aí eu atingi o chão. Eu caí em uma poça de alguma coisa extremamente melequenta e pegajosa. Tinha cheiro de enxofre... Eu tô no inferno? Ao menos eu caí em algo macio. Mas afinal, o que é isso?
Quando olhei o que estava embaixo de mim, além da gosma, eu vi uma p***a de um humano. Uma p***a de um humano!
- Meu Deus, eu já cheguei nesse c*****o fazendo merda! Eu matei um humano, merda! - Dei um tapa na cara do humano que estava todo melado em sujeira, como eu. Era um homem gordinho, macio. E cheirava enxofre como a gosma. - Acorda, p***a!
O humano abriu os olhos. Mas os olhos dele eram negros, e então eu me levantei e me afastei.
- Billie! Quando fiquei sabendo que você cairia na terra, eu não sabia que seria bem em cima de mim. - O homem se levantou como se nada tivesse acontecido. Arregalei meus olhos, dando um passo pra trás. - Guarde suas asas, ninguém pode vê-las aqui, garota!
- Quem é você e como você sabe quem eu sou? - Arregalei os olhos. Guardei as asas, por medo.
- Eu sou Caim, Billie. O da Bíblia. Que matou o Abel. - Eu girei os olhos.
- Eu sei quem é você, i*****l. A gente te estuda na escola dos anjos da guarda. - Caim abriu um sorriso malicioso. Parecia satisfeito com isso.
- Tá, eu vim recepcioná-la a pedido de Jesus. Diferente do Papai, ele se preocupa com as suas criaturas. - Caim deu um grande suspiro. - Eu tenho muita coisa pra te falar, Billie... Mas a principal delas, é que você fodeu com a vida de alguém aqui na terra.
- Como é que é? Eu não fiz nada! - Caim soltou uma gargalhada.
- Você era um anjo da guarda, mocinha. Estava designada pra uma pessoa... E essa pessoa viveu sem você durante dezesseis anos. Foi o tempo que você passou caindo. Você não tem noção do tempo porque, bom, o tempo dilata e expande e nesse mundo aqui, é apenas uma linha reta. - Arregalei os olhos.
Um ser humano sem anjo da guarda é literalmente uma catástrofe. Primeiro porque humanos são burros, e segundo porque nós somos responsáveis por literalmente proteger esses seres inúteis de forças sobrenaturais. Como um ser humano conseguiu sobreviver dezesseis anos sem nós? Como?
- p**a que pariu, Caim... É a primeira vez que eu sinto... - Coloquei a mão no peito. Algo em mim batia forte. - Que p***a é essa?
- Compaixão, Billie. Você está sentindo compaixão. - Balancei a cabeça, tentando acalmar meus pensamentos.
Existe uma criatura sem proteção por minha culpa. Minha culpa.
- Esse negócio dói. Eu achava que era um sentimento bom... Mas ele dói. - Ele concordou com a cabeça.
- Você vai sentir coisas que jamais sentiu. Medo, fome, dor, tristeza, t***o, entre muitas e muitas outras sensações como... Isso aí. - Ele apontou para os meus braços. Eles estavam cruzados, por conta da gosma. - Você está com nojo do petróleo.
- Estou? É por isso que meu estômago está revirando? - Ele concordou.
- Você é um anjo caído agora. Tem os privilégios de um anjo, mas precisa se alimentar, dormir, se proteger do frio e do sol escaldante... - O olhei confusa.
- Espera, então eu não vou pro inferno? Eu vou ficar aqui? Mas eu caí! Eu deveria ir pro inferno, não é? - Caim soltou uma gargalhada divertida ao me olhar.
- Não, não, não. O inferno não existe. É a maior mentira que contam no céu. - Arregalei os olhos.
- Filhos da p**a! - Caim concordou com a cabeça. - E o que mais eles mentem?
- Tanta coisa, Billie... Você não faz ideia. Mas aos poucos eu vou te contando. Vem, você precisa tomar um banho e se arrumar. Precisa de uma identidade também... - Olhei para ele confusa. Acho que tem muita coisa que eu tenho que aprender.
Caminhamos até um carro. Entramos nele sujos, e aparentemente Caim não ligou. Chegamos em sua casa, e eu observava a decoração... Tudo por aqui é tão diferente do céu.
- O que é isso? - Eu estava parada em frente uma caixa preta e fina pendurada na sala. Apertei um botão, e de repente, pessoas apareceram. Saí correndo e me escondi atrás do sofá. - Por que você prende humanos dentro de uma caixa, seu doente?
Caim começou a rir.
- Isso é tecnologia! Chama-se televisão. São programas e coisas que você pode assistir pra passar o tempo quando não tem o que fazer.
- Vocês tem tempo pra não ter o que fazer? - Caim concordou. Me deu uma toalha e algumas roupas muito maiores do que eu, mas tudo bem.
- Tome um banho. É como tomar banho no rio, só que o rio sai de dentro de um cano e se chama chuveiro. - Concordei com a cabeça.
Enquanto eu tomava banho, uma coisa muito boa aliás, eu comecei a pensar no meu humano. Eu não o conheço, mas me sinto em débito com ele. Por que eu tenho que ter uma consciência tão filha da p**a? Eu não queria ser livre? Agora que cheguei aqui, me sinto culpada por isso?
Após tomar o banho, me vesti com as roupas que Caim me deu e fui até a sala. Ele estava vendo TV e comida vinda de dentro de um saquinho.
- Que p***a é essa? - Questionei. Ele me ofereceu e eu peguei o pacote. Comi. Tem gosto de... Não sei. Mas é bom.
- Salgadinho de milho. Pode comer. - Dei os ombros e me sentei no sofá. - Mais tarde peço o jantar para nós.
- Certo. Ei, você conhece a pessoa de quem eu... Deveria cuidar? - Ele concordou com a cabeça. Meu coração apertou. Malditas sensações terrestres.
- Conheço. O nome dela é Rosa, Billie. Ela é uma garota adorável. Trabalha na floricultura da família aqui perto e estuda na escola... Aliás, você devia ir pra escola, se não o conselho tutelar pode me encher o saco. - Eu não entendi quase nada do que ele disse além de escola.
- Você pode me levar para vê-la? Aliás, eu tenho um buraco bem no meio das pernas, que p***a é essa? É o que eles usam pra se reproduzir aqui? - Caim comia salgadinho compulsivamente e concordou com a cabeça.
- Sim, o nome disso aí é b****a. - Arregalei os olhos.
- O palavrão!
- Isso aí. - Comecei a rir.
- Nunca pensei que teria minha própria b****a. É um dos meus palavrões favoritos. - Comecei a gargalhar. Caim também.
- Você vai gostar da terra. Mas, você realmente quer conhecer a Rosa? - Concordei com a cabeça.
- Sim, e nada de escola pra mim. Eu sou um anjo, não preciso disso. - Ele deu risada.
- Você precisa de um emprego e sem um diploma você vai terminar seus dias servindo café. É quase tão chato quanto a escola dos anjos.
- Certo, então eu quero ir pra escola.
- Antes, você vai conhecer a Rosa... Não se apegue a ela. Esqueça. Veja, mate a curiosidade e deixe pra lá. - Concordei com a cabeça.