###AMOR SEM CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

1548 Words
Maris segurava o Livro dos Espíritos entre os dedos, mas antes de abrir na próxima pergunta, olhou para a mãe com os olhos marejados e perguntou com a voz carregada de sentimento: — Mamãe... eu queria te perguntar uma coisa antes de continuarmos. Como eu posso fazer... como eu posso fazer pra não esquecer de tudo isso quando eu voltar? Eu sei que a senhora me disse que não vou lembrar conscientemente, mas... tem algum jeito de guardar isso aqui dentro de mim? Alguma forma de manter essa vontade de mudar? Porque eu não quero ser mais a mesma. Eu quero mudar de verdade... mudar de dentro pra fora... A mãe de Maris sorriu com ternura e, sem dizer nada por alguns instantes, tocou o coração da filha com a ponta dos dedos, fazendo com que ela sentisse um calor suave expandir pelo peito. — Minha filha... a transformação verdadeira acontece no íntimo do espírito, não na memória do cérebro. O que você está aprendendo aqui, com sinceridade, não será perdido. Mesmo que a mente carnal não se recorde, a sua alma se lembrará. Maris franziu a testa, confusa: — Mas como, mamãe? Como eu vou me lembrar disso se eu não vou lembrar...? — Você vai sentir, filha. Você vai sentir a diferença dentro de você. Ao retornar, haverá em você uma nova sensibilidade, um novo olhar sobre o mundo. Você talvez se emocione sem saber o porquê. Talvez sinta vontade de fazer o bem, de ajudar alguém, mesmo sem entender de onde vem esse impulso. Isso será o reflexo do que você está aprendendo aqui. Ela fez uma pausa, e depois acrescentou: — Você terá intuições. Vozes suaves em seu pensamento que te lembrarão de escolher a paz. Sonhos que te despertarão a consciência. Situações que tocarão sua alma de forma diferente. E, principalmente, você terá a chance de praticar o que está absorvendo. Porque é na Terra, filha, que se realiza o verdadeiro teste do espírito. Maris assentiu lentamente, absorvendo cada palavra. — Então, se eu for fiel a esse sentimento de gratidão... de querer ser melhor... eu posso fazer diferente? — Sim. E quando o coração se abre ao bem, aos poucos, tudo muda. Mesmo sem lembrar dos detalhes, você terá mais compaixão, mais humildade, mais desejo de servir. Isso é a mudança de dentro pra fora. — E se eu esquecer? — ela perguntou com a voz embargada. A mãe segurou sua mão com firmeza. — Deus nunca desiste de um coração arrependido, filha. Mesmo que você tropece, mesmo que caia, haverá sinais, pessoas, encontros e dores que virão não como punição, mas como convites à reflexão. E se você buscar a Deus sinceramente, Ele te mostrará o caminho, como está mostrando agora. Maris chorou silenciosamente e disse, com a alma aberta: — Então eu vou confiar... vou seguir esse caminho... mesmo que eu esqueça, eu quero sentir esse amor dentro de mim... Eu quero ser diferente, mãe. Por mim, por vocês... e por Deus. A mãe a abraçou, emocionada, e sussurrou ao seu ouvido: — E Ele já te escutou, minha filha. Esse é o primeiro passo da verdadeira transformação. Maris olhou para a mãe com olhos curiosos e sinceros. — Mamãe… uma vez, há muitos anos, eu vi na televisão… relatos de pessoas que passaram por coma e disseram que viram túneis de luz, que conversaram com entes queridos. Algumas delas contaram que lembravam de tudo. E eu aqui… estou vivendo tudo isso, e mesmo assim a senhora diz que eu não vou lembrar? Ela suspirou, tocando o peito com as mãos. — Eu queria tanto dar meu testemunho quando voltasse… queria contar às pessoas o quanto eu mudei, o quanto eu vi e aprendi… Será que eu não vou poder? A mãe de Maris a olhou com ternura, como quem entende a alma, e falou com voz suave e firme: — Minha filha, cada espírito é um universo. E cada missão tem um roteiro único, escrito conforme as necessidades do próprio espírito. Aqueles que recordam do que vivenciaram em estados de coma, geralmente têm uma mediunidade natural mais desenvolvida — ou então foram autorizados espiritualmente a lembrar, pois suas experiências seriam úteis para a edificação de outras almas. Ela tocou o rosto da filha com carinho e continuou: — A sua mediunidade, minha filha, pode sim ser despertada quando você retornar. Mas tudo dependerá da sua conduta moral, da sua disciplina espiritual e da sua sintonia vibratória. Se você se aproximar de Deus, da oração sincera — não importa se for dentro do catolicismo, do espiritismo, do evangelismo, ou de qualquer outra crença fundamentada no amor — o seu coração será guiado. Maris ficou em silêncio, absorvendo tudo. — Mas atenção, minha filha… — disse a mãe com expressão grave — nem tudo o que se apresenta como fé é luz. Existem armadilhas nas religiões terrenas. Existem falsos profetas, falsos pastores, falsos padres, falsos líderes espirituais que usam o nome de Deus para alimentar seus próprios interesses, dominar consciências frágeis e manipular os corações mais desesperados. São como lobos em pele de cordeiro. Ela então prosseguiu com mais profundidade: — Esses líderes criam seitas fechadas, cultos de adoração à personalidade deles mesmos. Distorcem os ensinamentos de amor, humildade e caridade, e propagam o medo, a culpa e a dependência. Muitos exigem dinheiro em troca de milagres, exploram a fé das pessoas e conduzem multidões para o fanatismo. Outros usam da mediunidade sem preparo, invocando forças que não compreendem, e se tornam instrumentos de trevas. — E por que isso acontece, mamãe? — Porque onde há luz, as sombras tentam se infiltrar. A espiritualidade superior nos alerta sempre: conhecereis os falsos profetas pelos seus frutos. Uma fé que promove a violência, o preconceito, o orgulho, a dominação — não vem de Deus. Uma casa religiosa que exclui, que julga, que se coloca como única detentora da salvação — está sob o véu do ego humano. Ela respirou fundo e concluiu: — Por isso, minha filha, viva o Evangelho de Jesus, independente da religião. Aproxime-se de grupos que falam de amor, caridade, estudo e reforma íntima. E se a sua mediunidade se abrir, aceite com humildade e use-a com responsabilidade. Porque lembrar do plano espiritual é um dom… mas viver no plano físico com fé e coerência, é a verdadeira missão. Maris então sussurrou: — Eu quero ser esse instrumento do bem, mamãe… Eu quero sentir o amor de Deus e espalhar esse amor. Se eu puder, eu quero ajudar outras pessoas a não cometerem os mesmos erros que eu cometi. A mãe sorriu com os olhos brilhando. — Então você já começou, filha. Porque o primeiro passo é o arrependimento sincero. O segundo é o compromisso com o bem. O terceiro… é caminhar todos os dias, mesmo caindo, com o olhar voltado para o alto. A mãe segurou as mãos de Maris com suavidade e disse com voz serena e vibrante: — Viva o Evangelho. Pratique o Evangelho. E lembre-se sempre, minha filha… Amor sem caridade não há salvação. Maris repetiu as palavras em pensamento, como quem grava um código eterno no coração. — Amor sem caridade… não há salvação… — ela murmurou, e então ergueu os olhos, confusa. — Mas, mamãe… o que quer dizer isso exatamente? Eu achava que o amor era suficiente. Que amar já bastava… A mãe sorriu com ternura, mas seus olhos estavam cheios de sabedoria. — Minha filha… o amor verdadeiro não é sentimento passivo, nem está apenas nas palavras doces ou nas intenções não realizadas. O amor, para ser pleno e salvador, precisa se movimentar — precisa agir. E esse movimento se chama caridade. — Caridade… não é só doar coisas aos pobres, né? — Maris perguntou com receio de parecer ignorante. — Não, meu bem — respondeu a mãe, com um sorriso encorajador. — Caridade não é só dar pão, roupa ou esmola. Essas são formas materiais e dignas, sim, mas a caridade verdadeira começa dentro da alma. Ela então explicou, com suavidade, apontando com os olhos para a luz que os envolvia: — Quando você perdoa… você está praticando a caridade. Quando você silencia diante de uma ofensa… você está praticando a caridade. Quando você ouve com paciência, acolhe sem julgar, orienta com respeito, ora por quem te fez m*l… Tudo isso é caridade. Ela prosseguiu: — Amar sem praticar a caridade é como ter um rio de águas puras e nunca permitir que ele regue nenhuma planta. O amor é a fonte. A caridade é o caminho por onde essa fonte alcança o mundo. Por isso Jesus nos ensinou que fora da caridade, não há salvação. Maris se emocionou, e lágrimas suaves escorreram por seu rosto espiritual. Aquelas palavras não feriam, não cobravam. Eram como um bálsamo, um despertar. — Então… — disse ela, com a voz embargada — se eu quiser de verdade me transformar… eu preciso amar… mas amar com ação. Eu preciso praticar o bem… mesmo em silêncio, mesmo que ninguém veja. — Exatamente — respondeu a mãe com orgulho. — E o mais bonito disso tudo, filha, é que cada ato de caridade, por menor que seja, ilumina o caminho de quem o pratica. A caridade não transforma só o outro. Ela transforma primeiro quem a faz.
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