####Do Outro Lado da Linha

1105 Words
O celular de Lloyd vibrava sobre a escrivaninha do quarto. Era noite, mas ele ainda não conseguia dormir. A humilhação que presenciara mais cedo ainda fervia no sangue, como um veneno lento corroendo seu orgulho. Naomi – Chamando... Ele encarou o visor por alguns segundos, respirou fundo e atendeu. Não ia fugir. Não mais. — O que você quer? — disse seco, sem rodeios. Do outro lado, a voz melosa e irritada de Naomi tentava soar superior, como sempre: — Lloyd, o que aconteceu hoje foi um exagero. Aquela atendente, ou sei lá o quê, aquela menina precisava aprender a respeitar gente como a gente. Você ficou contra mim? Sério? Você ficou a favor de uma vendedora? Ele ficou em silêncio por dois segundos. Depois, respondeu com uma firmeza que ela jamais havia escutado: — Naomi, você precisa procurar tratamento psicológico. Sério. E não estou dizendo isso por raiva, estou dizendo por pena. Você é uma pessoa doente. Extremamente arrogante, insuportavelmente presunçosa e desrespeitosa. Você humilha os outros como se fosse melhor do que todo mundo… isso não é normal. Isso é coisa de sociopatia. — Lloyd, você está me chamando de louca?! — ela gritou. — Eu estou dizendo que você faz m*l às pessoas. Está fazendo m*l a mim. Está fazendo m*l a você mesma. E, pior: está fazendo m*l à criança que está carregando. Isso me dá nojo. Me dá medo. Me dá um desespero que você não imagina. — Você está sendo c***l, Lloyd! Eu sou a mãe do seu filho! — E por isso mesmo eu estou te dizendo tudo isso. Porque o que aconteceu hoje não tem precedente. A vergonha que você me fez passar diante daquelas pessoas… da menina… da loja inteira… foi imperdoável. Você perdeu totalmente o controle. Você gritou, humilhou, insultou uma funcionária inocente na frente de clientes, de crianças… até da minha família! A voz dele falhou por um instante. Ele respirou, tentando se manter calmo. — Você está com cinco meses de gestação. Eu vou esperar mais quatro. Quando essa criança nascer, eu vou exigir o teste de DNA. E se for meu filho… eu vou entrar com pedido de guarda. Porque eu não vou deixar um filho meu nas mãos de uma mulher descontrolada, descompensada, emocionalmente instável. — Você vai se arrepender disso! Vai pagar caro por me tratar assim! — Eu prefiro pagar caro por dizer a verdade do que continuar pagando emocionalmente por te manter perto de mim. Você é bipolar, Naomi. E isso não é um insulto. É um alerta. Você precisa de ajuda. Vai buscar. Porque do jeito que você está… você vai acabar sozinha. — EU ESTOU GRÁVIDA, SEU MONSTRO! EU NÃO ESTOU SOZINHA! — Estar grávida não é desculpa pra crueldade. E nem imunidade pra consequência. Ele desligou. O silêncio do quarto foi imediato, brutal. Lloyd se sentou na cama, levou as mãos ao rosto e deixou o peso do dia escorrer pelos dedos. A imagem da funcionária constrangida, da irmã segurando a raiva, do primo tentando conter a situação… tudo voltava como flashes. Ele sentia vergonha. Ele se sentia sujo por ter permitido aquela mulher se aproximar tanto de sua vida. Mas agora… agora era diferente. Agora ele tinha um plano. E ele não ia permitir que mais ninguém fosse ferido por Naomi — nem Lisbeth, nem a irmãzinha dela, nem seu filho. A Reflexão de Lloyd O silêncio depois da ligação com Naomi não era o de alívio. Era o do pânico. Lloyd sentou-se à beira da cama, encarando o chão. O celular ainda estava em sua mão, como se esperasse tocar de novo — como se, no fundo, temesse o próximo colapso de Naomi. Ela estava grávida. E se… e se ela fizesse alguma loucura? Ele levou a mão ao queixo, fechando os olhos. Sim, ele havia perdido a paciência, dito coisas duras. Mas… e se ela descontasse na criança? E se ela se machucasse? E se…? Levantou num rompante e pegou o telefone de novo. Procurou pelo nome da ginecologista de Naomi — ele se lembrava do consultório, do primeiro exame que acompanhou. — “Boa noite. Eu sou Lloyd, companheiro da paciente Naomi Barcel… Ela está com cinco meses de gestação. Eu… eu gostaria de conversar com a doutora. Urgente. É uma questão de segurança para a paciente e o bebê.” Foi atendido pouco tempo depois pela própria médica. A conversa foi fria e profissional, mas confirmado: Naomi havia faltado às últimas duas consultas. A pressão estava alta na última, e o humor dela estava... instável. A médica já havia feito um alerta formal para que ela procurasse apoio psicológico. Desligando, Lloyd abriu o notebook e digitou: “Sinais de sociopatia em gestantes” “Comportamentos esquizoides em mulheres grávidas” “Direitos legais do pai em casos de risco psicológico materno” Ele se viu mergulhando em um mundo de artigos, relatos e estudos clínicos. Tudo que lia parecia falar dela. Tudo se encaixava. E tudo piorava o medo que apertava seu peito. "Mesmo que essa criança não seja minha ela precisa de alguém que a proteja." Foi nesse instante que a decisão brotou como um instinto. Ele ligaria para um detetive. Precisava entender o passado da Naomi, saber com quem estava lidando de verdade. Precisava conhecer os pais dela, as origens, os médicos históricos. Precisava saber se essa mulher já havia apresentado surtos antes. Algo naquela mulher gritava perigo. E, pela primeira vez, Lloyd não pensava em orgulho, nem em vaidade. Pensava em uma criança inocente. Pegou o celular. Respirou fundo. Era hora de mudar a postura. Ligou novamente. Naomi atendeu com a voz carregada de mágoa, mas também com medo — como se já esperasse mais acusações. — Naomi… — começou ele com a voz calma — eu estive pensando. Quero pedir desculpas pelo jeito como falei com você hoje. Eu estava muito chateado. Você passou dos limites, sim. Mas eu também exagerei. Houve um silêncio do outro lado da linha. — O que você quer? — ela respondeu, desconfiada. — Eu quero propor que a gente procure ajuda. Juntos. Terapia. Psiquiatra. Você está grávida. Isso não é só sobre nós dois. É sobre uma criança que está chegando e precisa de paz. — Você quer me internar? É isso? — Não. Eu quero ajudar. Eu vou com você, se for preciso. Eu também vou fazer terapia. Eu também errei. Mas a gente precisa mudar. Ou vai dar tudo errado. Eu tô me sujeitando a isso por você… por esse bebê. Você aceita? Naomi demorou a responder. E o que ela responderia, amiga… deixamos para a próxima etapa?
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