Suíte reservada de recuperação pós-parto
A luz do sol filtrava-se pelas cortinas finas do quarto hospitalar, lançando um brilho suave sobre o rosto pálido de Britney. Lena ajeitava os travesseiros atrás da amiga com delicadeza, enquanto a observava com atenção. Apesar do esforço, ainda havia sombras nos olhos de Britney, marcas silenciosas da batalha emocional que travava desde o parto.
— Lena — a voz dela saiu baixa, arrastada — Papai veio aqui hoje. Mase a mamãe? Já faz dois dias que você tá vindo. Você ainda não viu a mamãe por aqui?
Lena hesitou por um instante, os dedos parando no ajuste da coberta.
— Não, Bri eu não a vi, não. Mas ela deve estar com algum problema que a impediu de vir. — tentou sorrir, suavizar a tensão — Pode ser, né? Você sabe como a sua mãe é...
Britney suspirou e desviou o olhar para a janela.
— Será mesmo? — murmurou — Ou será que ela só não quer ver o que eu me tornei?
— Bri, não começa com isso — Lena se sentou ao lado da cama e segurou com firmeza a mão dela. — Você tá indo bem. Você tem que melhorar por causa das crianças. Não pode cair de novo, muito menos alimentar essa culpa toda. Você lembra do que a psicóloga disse sobre os pensamentos distorcidos, né?
— Eu lembro— sussurrou ela, quase como uma criança repreendida.
— Pois então. Depressão pós-parto não é brincadeira. Se você se deixar afundar, quem vai cuidar de você? E das crianças?
O silêncio foi pesado por um instante. Britney piscou lentamente, tentando conter a emoção.
— É que eu passei toda a gravidez sem o apoio dela. Eu sei que o papai me apoiou... mesmo com aquela confusão se o bebê era do Patrick ou do Richard. Ele não me julgou. Ficou do meu lado, mesmo com a vergonha pública.
— Exatamente. — Lena apertou levemente sua mão — Ele fez tudo o que podia e mais um pouco. E é isso que importa agora. A tua mãe vai ter que lidar com a consciência dela, não é com você. Quando for a hora certa, ela vai vir.
— Mas... será que vai mesmo?
— Bri, a verdade é que às vezes a gente precisa entender que os nossos pais também são produtos da criação deles. Vai ver... a sua mãe também nunca recebeu amor. Então ela não sabe dar. E você sabe disso melhor do que ninguém.
Britney pensou por um momento, em silêncio. Depois, com um nó na garganta, confessou:
— Eu não me lembro dos meus avós sendo carinhosos com a mamãe. Eu me lembro deles frios, impessoais. Acho que era o jeito deles. Talvez... talvez ela só tenha aprendido a amar desse jeito.
— É isso, Bri. Você estava copiando a sua mãe. Ela, por sua vez, estava copiando os pais dela. Mas agora você é mãe. Agora é a sua vez de quebrar esse ciclo. Você tem a chance de ensinar a ela o que é amor de verdade, se ela estiver disposta a aprender.
Britney fechou os olhos e respirou fundo. Quando abriu novamente, havia uma nova firmeza em sua expressão.
— Vou seguir seu conselho. Quando ela aparecer — se ela aparecer — eu vou tentar. E se ela não vier, eu mesma vou dar um jeito de levar os netos até ela. Ela vai conhecer. Vai ver que o amor existe sim.
— Isso mesmo, Bri. — Lena sorriu com os olhos marejados — Você já deu o primeiro passo. Agora continue sua terapia, não pare quando sair daqui. Não desista de você.
Britney assentiu com os olhos cheios d’água.
— Obrigada por estar aqui... obrigada por não ter desistido de mim.
Lena sorriu, apertando a mão dela com carinho.
— Eu sou sua amiga e irmã do coração, Bri. E irmãs são feitas pra isso... pra segurar a mão quando o mundo parece desabar.
Pouco tempo depois
Um leve toque na porta interrompeu o silêncio suave que pairava no quarto. Lena e Britney se se olharam.
— Deve ser a enfermeira — disse Lena, levantando-se e caminhando até a porta.
Ao abrir, encontrou a psicóloga do hospital, Dra. Rafaella, com seu sorriso calmo e o olhar atento de sempre.
— Bom dia, Lena. Bom dia, Britney. Posso entrar um pouquinho?
— Claro — respondeu Britney, tentando ajeitar os cabelos com as mãos. — Fica à vontade, doutora.
A Psicóloga entrou com passos suaves, seu jaleco limpo e o bloquinho de anotações nas mãos. Sentou-se na poltrona ao lado da cama e olhou para Britney com genuína ternura.
— Como você está hoje?
— Melhor — respondeu com sinceridade. — Ainda assustada com tudo, mas consegui dormir melhor.
Lena sorriu, orgulhosa.
— Conversamos bastante hoje de manhã. Ela está refletindo sobre muitas coisas.
A Psicóloga assentiu.
— Fico feliz em ouvir isso. Britney, sei que esse processo de cura é feito de muitos pequenos passos. E hoje eu vim te propor algo novo.
— O quê?
— Que tal escrever uma carta para você mesma? Não precisa ser longa. Só algumas linhas onde você diga para você, Britney, o que você gostaria de ouvir todos os dias. Como se estivesse escrevendo para a sua versão adolescente... ou para a menina que ainda existe aí dentro.
Britney ficou em silêncio por alguns segundos.
— Nunca pensei nisso.
— Pode te ajudar mais do que imagina. E se quiser, pode ler para mim numa próxima sessão.
Ela respirou fundo, sentindo as lágrimas ameaçarem vir. Mas dessa vez, não de tristeza.
— Eu vou tentar.
A psicóloga sorriu.
— Isso é tudo o que você precisa agora: tentar. E sabe quem vai se beneficiar disso? Seus filhos. Eles terão uma mãe que sabe acolher, mesmo tendo crescido sem ser acolhida.
Lena observava a cena com os olhos marejados.
— Eu disse pra ela exatamente isso hoje.
a Psicóloga levantou-se.
— Então ela está em ótimas mãos.
Antes de sair, virou-se novamente para Britney:
— E quando você estiver pronta, podemos convidar sua mãe para uma sessão conjunta. Com mediação, com respeito. Apenas se você quiser.
Britney assentiu lentamente.
— Talvez... um dia.
A psicóloga sorriu uma última vez e saiu.
Assim que a porta se fechou, Britney voltou o olhar para Lena.
— Você acha que um dia a mamãe pode mudar?
Lena se sentou de novo ao lado da cama.
— Eu não sei, Bri. Mas eu sei que você já está mudando. E isso já é um começo lindo.
Britney sorriu.
Pela primeira vez em muito tempo, sentia que poderia ser, sim, uma boa mãe.