O espelho oval, antigo como a própria casa, refletia a luz suave das lâmpadas que tremulavam com a sombra das cortinas que balançava suaves com a brisa vinda das janelas abertas. Lá fora, o mar sussurrava contra as pedras, carregando o murmúrio da ilha que se preparava para a Noite de Afrodite — a celebração mais esperada do ano.
Lívia respirou fundo, alisando com cuidado o tecido do vestido branco. Era simples e leve, feito de algodão fino que se movia com o vento como se tivesse vida própria. Ela o havia comprado de uma artesã local, justamente por isso: gostava de coisas que respiravam verdade.
Com dedos delicados, ergueu a pequena coroa feita de flores brancas e rosadas, recém-colhidas nos arredores do templo, e a colocou sobre o cabelo preso em ondas soltas. Um rubor cor-de-pêssego subiu às suas bochechas — parte nervosismo, parte encanto.
— Pronto! — murmurou para si mesma. — Tomara que eu esteja bonita o suficiente. — virou o rosto de um lado e outro, admirando seu próprio rosto com apenas um pouco de blush.
Bateu-se à porta.
Antes que pudesse responder, a maçaneta se moveu e Judith entrou com o mesmo brilho que carregava nas passarelas do mundo. Seu vestido dourado parecia derramar luz pelo quarto; o perfume, sofisticado e doce, inundou o ar, fazendo a irmã admirar e se sentir um pouco menos bela, diante de tanta beleza.
— Lívia! — exclamou Judith, abrindo um sorriso radiante. — Você está… — olhou a irmã dos pés a cabeça. — diferente. Linda!
Lívia sorriu orgulhosa pelo elogio recebido da irmã. Passou as mãos nervosamente pela saia do vestido, fingindo arrumar algum amassado, enquanto secava as mãos suadas de nervosismo.
— Judith! Eu nem sabia que você viria ao ritual este ano… achei que estivesse em Milão ou Paris ou algum desses lugares que você vive citando. — A mais não disfarçou a empolgação por ter a irmã ali, em um momento tão crucial para a vida dela.
— Eu estava. Mas… — ela segurou uma mecha de cabelo de Lívia e a ajeitou atrás da orelha — não podia perder isso. É um ritual importante. E você vai participar pela primeira vez.
— Eu fico tão feliz que você esteja aqui. — disse Lívia, sincera. — De verdade. Você sempre faz tudo parecer mais bonito, sabe?
Judith sorriu, mas o sorriso não alcançou totalmente os olhos. Ela analisou a irmã por alguns segundos — o vestido simples, a coroa de flores, a serenidade quase infantil no rosto — antes de comentar:
— Esse é o vestido? É… delicado. Combina com você. — Finalizou, talvez com um tom de critica escondida nas palavras doces.
— Eu não queria nada extravagante. — respondeu Lívia, ajeitando a saia. — A tradição fala que devemos ir como somos, sem máscaras. É assim que a deusa reconhece o coração verdadeiro.
Judith arqueou uma sobrancelha, com leve ironia que Lívia não percebeu.
— Você e essas crenças antigas…
Mas antes que dissesse algo mais ácido, seu olhar suavizou — ou fingiu suavizar. Ela voltou a olhar a irmã, se preparando para agilizar seu plano.
— Espero que tudo dê certo com o Lucas. — continuou Judith. — Você realmente gosta dele, né?
Lívia corou como se tivesse sido pega em flagrante. Os três cresceram todos juntos, e se conheciam desde sempre. Judith a irmã mais velha, seguiu sua carreira de modelo, enquanto Lívia e Lucas permaneceram na ilha, e agora os dois são biólogos marinho.
— Sim, eu gosto. Ele é diferente. Gentil. E estamos juntos a tanto tempo, que não faria sentido não ser ele. Lucas vai deixar um lenço azul na porta. — Um sorriso tímido escapou. — Assim vou saber que é ele no escuro.
Um brilho rápido — frio, calculado — atravessou os olhos de Judith. Mas ela estendeu a mão e segurou a de Lívia.
— Vai dar tudo certo. — afirmou com voz aveludada. — Afinal… se existe um destino, ele vai guiá-la até seu par. Nem precisaria dizer qual é o lenço dele, afinal, a deusa já levaria você diretamente para seu amado.
Lívia apertou a mão da irmã, grata pelo apoio ao seu relacionamento.
— Obrigada, Ju. Você sempre sabe o que dizer. — Lívia agradeceu sincera.
— Claro que sei. — respondeu Judith, aproximando-se para beijar-lhe a testa. — Sou sua irmã mais velha. Mesmo que seja bem pouco, mas sou mais velha.
Lívia riu da irmã, e beijou a bochecha dela. Judith sorriu, um sorriso que sua irmã entendeu como alegria, admiração, mas, estava bem longe disso. Era determinação, inveja.
...