capítulo 7

1470 Words
Lívia pediu licença, dizendo que precisava ir ao banheiro. A voz saiu baixa, quase frágil, e Simon apenas assentiu, permitindo que ela se afastasse. O templo estava lotado de famílias, sacerdotes e novos casais, mas o corredor que levava aos aposentos laterais era mais silencioso, iluminado apenas por tochas suaves. Ela respirou fundo quando empurrou a porta da antessala. Mas congelou. Judith estava ali. E, para piorar, Lucas também. Os dois lado a lado — como se tivessem combinado de encontrá-la. — O que… o que é isso? — a voz de Lívia falhou. — Como isso aconteceu? Judith sorriu. Não o sorriso alegre de sempre, mas algo afinado, calculado… quase triunfante. — Obra da deusa, irmãzinha. — Ela deu dois passos à frente, como quem se vangloria de um prêmio. — Nunca estive tão feliz. Lívia sentiu o coração bater mais rápido. Havia algo errado. Terrivelmente errado. Judith continuou, com leveza c***l: — Sabe o mais irônico? Lucas me contou que só ficou tanto tempo perto de você porque, — Ela lançou um olhar rápido para o rapaz. — …você lembrava um pouco a mim. Foi como levar um golpe no estômago. Lívia piscou, sem ar, sem entender se tinha ouvido certo. Olhou para Lucas, buscando negação, esperança, algo. Mas encontrou um sorriso. Não o sorriso tímido e gentil que ela conhecia. Mas um sorriso de triunfo, de alguém que finalmente obteve o que queria… e que não via problema em machucá-la no processo. O chão pareceu sumir sob os pés dela. Aquele rosto, que tantas vezes a fizera sonhar, agora parecia quase estranho — e c***l. Lucas deu um passo leve em direção a Judith, como se confirmasse tudo. — Eu… me enganei, Lívia. — disse ele, sem um pingo de vergonha. — Agora tudo está como deveria ser. As palavras ecoaram como portas se fechando dentro dela. Judith entrelaçou os dedos aos dele, exibindo o gesto como um troféu. Lívia engoliu em seco. A boca seca. A visão levemente turva. Era como se estivesse assistindo alguém arrancar, fio por fio, tudo em que acreditara até ali. Antes que pudesse reagir, footsteps ecoaram pelo corredor — passos firmes, determinados. Simon. A porta atrás dela rangeu levemente, e o som ecoou pela antessala silenciosa. Simon entrou. Seu passo era firme, quase imponente, e seus olhos claros percorreram o ambiente com precisão empresarial — como quem avalia uma negociação prestes a azedar. Ele sentiu o peso ali dentro no mesmo instante. O ar parecia espesso, quase tenso, e havia algo no modo como Judith e Lucas estavam próximos demais que deixava a situação ainda mais estranha. Mas antes que Simon pudesse dizer qualquer coisa, Lívia respirou fundo. E, num esforço que doeu até em seus ossos, sorriu. — Está tudo bem — ela disse, com a voz surpreendentemente suave. Simon a olhou por um segundo longo demais. O sorriso dela era delicado, bonito… mas havia algo errado. Ele não sabia o quê, mas seus instintos gritaram. Judith deu um passo para trás, recompondo o rosto com falsa inocência. Lucas apenas cruzou os braços, como se fosse dono da situação. Simon inclinou a cabeça, avaliando todos. — Aconteceu alguma coisa? — Sua voz foi baixa, quase neutra, mas carregada de uma autoridade natural que fez Lucas endireitar a postura. Lívia abaixou os olhos, escondendo o turbilhão dentro de si. — Não — ela insistiu. — Só nos encontramos no corredor. Nada mais. Mas seu sorriso vacilou por um instante — rápido, mas não o bastante para escapar ao olhar treinado de Simon. Ele não insistiu, mas seus olhos pousaram levemente em Judith, depois em Lucas, e por fim novamente em Lívia demorando-se nela como se tentasse decifrá-la. Ele então se aproximou e ofereceu a mão, num gesto silencioso, quase protetor. — Os sacerdotes já estão chamando. Sua voz era baixa, só para ela. — Temos que voltar. Lívia respirou fundo, lutando para manter o controle. Judith observava tudo com um leve arquejo no canto dos lábios. Lucas a imitava, satisfeito. Mas quando Lívia colocou a mão na de Simon, sentiu algo inesperado — um calor firme, quase estável. Ele a guiou para fora da antessala com cuidado, como se sentisse que ela poderia desmoronar se alguém a tocasse de forma brusca demais. E, quando passaram pela porta, Simon lançou um último olhar para Lucas e Judith. Foi rápido, mas tão frio e avaliador que fez os dois ficarem em silêncio por um instante. A celebração terminou em meio a cantos suaves, perfume de flores e murmúrios emocionados. As oferendas haviam sido depositadas ao pé da estátua da deusa, e agora a multidão começava a se dispersar. Os novos casais eram instruídos pelos sacerdotes a iniciarem o último rito: Os maridos deveriam buscar os pertences da esposa na casa de seus pais e levá-los, com as próprias mãos, para o novo lar. Lívia, ainda atordoada com tudo, deixou escapar um sorriso discreto quando pensou em suas coisas. Ela não tinha muito. Alguns vestidos simples, itens de trabalho… E muitos, muitos livros. Quando chegaram à casa dos pais dela, a porta já estava aberta. Seu pai a recebeu com uma expressão emocionada, e sua mãe abraçou Lívia demoradamente, sussurrando bênçãos. Mas então, quando Simon entrou, preparado para pegar talvez uma mala ou duas… Ele congelou. Eram caixas. E mais caixas. E mais caixas. Todas empilhadas ao lado da parede da sala, cada uma cuidadosamente rotulada: “Biologia Marinha – Volume 1” “Flora do Mediterrâneo” “Romances Clássicos” “Mitologia Geral” “Coleção Afrodísia – Estudos Culturais” “Atlas do Oceano” E muitas outras. Simon soltou um suspiro quase inaudível, mas os olhos ficaram ligeiramente arregalados. — Isso tudo? — ele murmurou, tentando entender como uma mulher tão pequena acumulava uma biblioteca inteira. Lívia baixou o olhar, meio envergonhada, meio divertida. — Eu gosto de estudar. — Ela tocou a borda de uma das caixas, carinhosamente. — E de reler. Antes que ele pudesse responder, a mãe dele surgiu atrás, junto do pai — ambos sorrindo com orgulho. Simon pigarreou, apontando discretamente para as caixas: — Vamos colocar no carro. A mãe rebateu na hora, rindo alto. — Não, não! Nada de carro. — Ela ergueu o dedo como uma sacerdotisa reforçando um decreto sagrado. — A tradição é clara: você deve levar com suas próprias mãos e suor, todos os pertences da sua esposa. Simon virou-se lentamente para ela, como se esperasse que fosse uma brincadeira. — Mãe, nossa casa fica na montanha. — Interviu quase desesperado. — Sim. — Ela sorriu ainda mais. — E sua esposa não vale isso? Acabou de casar e já está desagradando ela, filho ingrato?! — colocou a mão no coração, fingindo uma dor. — olhe isso Daniel! Seu filho desse tamanho, reclamando por ter que levar algumas caixas?! — Choramingou para o marido, que sorriu calmo para a esposa. — Deixe de brincadeira e mostre sua força a sua esposa. Mostre que é capaz de cuidar dela quando necessário. — Deu um tapinha no ombro do filho, se divertindo internamente com o drama do homem. Ele fechou os olhos por um instante. Respirou fundo. Lívia, atrás dele, tentou segurar o riso com a mão, mas não conseguiu impedir que o ombro tremesse. — Claro que vale. — Simon respondeu, resignado. — Então… — sua mãe cruzou os braços, esquecendo completamente o drama que estava fazendo a um segundo. — Leve sem reclamar. Simon pegou a primeira caixa — a mais pesada, claro — e levantou com um esforço evidente, enquanto o pai de Lívia batia nas costas dele em encorajamento, quase o derrubando. — É assim mesmo, filho! — disse ele animado. — Mostra força para sua esposa! Lívia escondeu o rosto atrás da mão, vermelha de vergonha e riso. Simon lançou um olhar de falsa acusação para ela. — Quantos livros você tem, afinal? — Não muitos — ela respondeu, com uma inocência que enganaria qualquer um, menos alguém equilibrando muitos quilos de papel. Simon suspirou profundamente, ajustando a caixa nos braços. — Excelente. — murmurou. — Vai ser um longo caminho até a montanha. Mas quando passou por ela, olhou Lívia por um instante — e havia algo novo em seus olhos. Orgulho. Diversão contida. E um começo de curiosidade verdadeira pela mulher com quem agora era casado. Lívia, por sua vez, sentiu o peito aquecer de um jeito inesperado. Talvez… talvez a deusa soubesse mesmo o que estava fazendo. Assim que o casal e os sogros de Lívia saíram, Judith chegou acompanhada de Lucas, que por um instante pareceu se constranger diante dos sogros, porém, apenas esqueceu disso um segundo depois, pensando que finalmente a deusa tinha feito justiça com seus sentimentos, e finalmente poderia está com a mulher que gostava desde a infância. ... ...
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