Quando os recém-casados começaram a atravessar o pátio rumo ao templo, a luz do sol já dourava os telhados brancos e as oliveiras, anunciando o início da cerimônia pública. Lívia caminhava devagar, sentindo o corpo mover-se quase sozinho, como se estivesse distante, observando tudo de fora.
E então ela viu seus pais.
Eles estavam ali, como manda a tradição: a mãe segurava uma grande cesta de frutas maduras e flores, enquanto o pai carregava uma jarra de vinho e um pano bordado com símbolos de Afrodite. Os dois pareciam radiantes, orgulhosos… até que seus olhos encontraram os das filhas.
A expressão mudou instantaneamente.
A mãe de Lívia franziu o cenho, confusa, procurando alguém que não estava ali.
O pai estreitou os olhos, como se achasse que a luz do amanhecer estivesse enganando-o.
Porque ali, diante deles:
Lívia não estava com Lucas. E o segundo choque veio ainda mais forte. Lucas! O rapaz que frequentava sua casa desde a adolescência, companheiro de trabalho da filha, o menino que eles imaginavam ser seu futuro genro estava caminhando logo atrás de mãos dadas com Judith.
A mãe levou uma das mãos ao peito, atordoada. Sabia que tudo poderia acontecer, mas, tinha uma certeza em seu interior que o casal já parecia certo.
— O que?! — sussurrou ela, num fio de voz que m*l chegou aos ouvidos do marido.
O pai permaneceu imóvel, apertando a alça da cesta com força suficiente para deixar os dedos brancos. Seus olhos saltavam de Lívia para Lucas, de Lucas para Judith, tentando montar um quebra-cabeça que simplesmente não fazia sentido.
Judith notou a reação deles — claro que notou — e abriu ainda mais o sorriso. Um sorriso ensaiado, quase teatral, como se estivesse caminhando numa passarela.
— Papai, mamãe! — chamou ela, com voz doce. — Este é o meu marido.
As palavras cortaram Lívia como lâminas.
Lucas parecia confortável ao lado dela. Talvez confuso, mas longe de desconfortável. Ele não soltou a mão de Judith — pelo contrário, entrelaçou os dedos ainda mais firme, como se tentasse passar segurança à mulher ao seu lado.
O pai de Lívia engoliu seco.
— Judith… — começou ele, mas a voz falhou por um instante. Olhou então para Lívia. E seu rosto suavizou-se imediatamente, cheio de preocupação. — Lívia, meu amor, o que aconteceu?
Antes que ela pudesse responder, Simon deu um passo à frente — discreto, mas protetor — interpondo-se de forma educada entre ela e o mundo.
O gesto fez a mãe recuar um pouco, surpresa. O homem de olhos verdes inclinou a cabeça em um cumprimento respeitoso.
— Sou Simon — disse ele, com voz firme e serena. — O marido de sua filha.
Não havia arrogância, apenas a certeza tranquila de alguém que aceitava o próprio papel.
O pai olhou de Simon para Lívia, e de volta para Simon, tentando, em vão, entender como a filha mais nova, discreta e sábia, havia aparecido com um marido completamente desconhecido, enquanto o rapaz que todos esperavam está com ela, estava com a outra filha.
A mãe abriu a boca para perguntar algo, mas Lívia apertou o braço de Simon e deu um passo à frente.
— Mamãe… papai… — sua voz tremia. — A deusa decidiu assim.
Foi a única coisa que conseguiu dizer sem desabar.
Os pais trocaram um olhar pesado, carregado de dúvidas, surpresa e… uma pontada de mágoa. No coração deles, sentiam que algo estava errado. Judith, ao fundo, apertou ainda mais o braço de Lucas, como se quisesse assegurar sua vitória.
Lucas, por sua vez, finalmente ergueu os olhos na direção de Lívia — e, por um breve segundo, algo cruzou o rosto dele.
Dúvida? Confusão?
Ou reconhecimento tardio?
Lívia não conseguiu saber.
Porque Simon tocou suavemente suas costas, convidando-a a seguir o caminho até o templo. E, naquele instante, ela percebeu que não havia mais volta.
A vida que ela conhecia tinha acabado.
E outra — imprevisível, vertiginosa, assustadora — tinha acabado de começar ao lado de Simon.
O templo de Afrodite erguia-se logo à frente, branco como marfim, com colunas altas adornadas por guirlandas de flores rosadas. Perfume de olíbano e pétalas queimadas preenchia o ar, criando um véu sagrado que envolvia cada casal que atravessava a entrada.
Lívia sentiu as pernas tremerem enquanto caminhava ao lado de Simon.
Não era o suspiro reverente que imaginara sentir quando menina, ao sonhar com seu próprio dia da deusa.
Era uma sensação pesada, quase sufocante.
Os casais formaram uma fila em semicírculo diante do altar. No centro, o sacerdote principal — um homem idoso de barba prateada e olhos serenos — segurava uma grande coroa feita de flores brancas entrelaçadas com ramos de louro e pequenas fitas vermelhas, símbolo da paixão guiada.
Ao lado dele, duas sacerdotisas carregavam cestos idênticos, cheios de colares de flores longos e delicados.
— Filhos da deusa, aproximem-se.
A voz do sacerdote ecoou suave, mas firme, fazendo todos silenciarem.
A primeira dupla deu um passo à frente. Uma das sacerdotisas colocou o colar de flores sobre seus ombros, unindo simbolicamente os dois corpos com o mesmo fio trançado. O sacerdote ergueu as mãos e pronunciou o verso ritualístico:
— Unidos pela noite, reconhecidos pela luz. Aceitam a escolha da deusa?
Os noivos trocaram um olhar breve e responderam, em uníssono:
— Aceitamos.
O templo vibrou num murmúrio de aprovação.
Outro casal avançou. Depois mais um.
Lívia tentava não tremer. Sentia o peso da respiração de Simon ao seu lado, constante, tranquila, quase reconfortante — mas era tudo tão errado.
E, ao fundo, percebia o olhar preso de Lucas nela… e o toque possessivo de Judith segurando o braço dele, como se estivesse marcando território.
Quando chegou a vez deles, Lívia sentiu o mundo estreitar-se.
Simon deu um passo à frente primeiro, sem soltar a mão dela, como se realmente acreditasse que estava onde devia estar.
A sacerdotisa se aproximou, colocando sobre seus ombros o colar de flores. O aroma suave das pétalas tocou o rosto de Lívia, e aquela união física entre eles — tênue e ao mesmo tempo inescapável — pareceu ganhar forma real.
O sacerdote ergueu o olhar para ambos.
— Diante de Afrodite, que observa desde o primeiro sopro da manhã… vocês aceitam o destino que lhes foi concedido? Aceitam a união que a deusa guiou na escuridão para se revelar à luz?
Simon virou-se para Lívia.
E aquele momento… aquele momento era apenas deles.
Os olhos verdes dele encontraram os dela. Não havia pressa. Não havia dúvida. Apenas um silêncio firme, como se estivesse dizendo sem palavras que não fugiria dali. Que não se arrependia.
Lívia respirou fundo, seu coração em guerra.
Ela não queria estar ali.
Não com ele.
Não assim.
Mas a tradição apertava em sua volta como um abraço imenso da própria ilha. E fugir agora seria afastar-se de tudo que acreditara a vida inteira.
Simon falou primeiro, com voz firme e clara:
— Eu aceito a escolha da deusa.
O coração de Lívia vacilou.
E então, com a garganta fechada, mas sem desviar o olhar… ela respondeu:
— Eu… aceito.
O colar de flores caiu um pouco mais ao centro, como se abençoado por um vento leve que cruzou o templo. Um sinal. Um reconhecimento.
O sacerdote sorriu, satisfeito.
— A deusa confirma a união. Sigam-na. Protejam-na. Honrem-na.
Atrás deles, Lucas arregalou os olhos — apenas por um segundo, mas suficiente para que Lívia visse a centelha de choque e arrependimento surgir em seu rosto.
Judith apertou seu braço com força, escondendo o próprio sorriso triunfante.
E ali, diante do altar de Afrodite…
Lívia e Simon foram oficialmente declarados marido e mulher.
Do lado de fora do templo, o ar parecia mais leve, mas Lívia ainda sentia o colar de flores como um laço apertado ao redor de si. O sol começava a descer, derramando um brilho dourado sobre a praça sagrada, onde famílias e testemunhas aguardavam para saudar os novos casais.
Simon m*l teve tempo de respirar quando seus pais surgiram, quase radiantes.
A mãe dele foi a primeira a se aproximar — uma mulher elegante, de sorriso fácil e olhos que revelavam, sem disfarces, o orgulho que sentia.
— Lívia, minha querida… você está simplesmente deslumbrante. Ela segurou as mãos da jovem com delicadeza, como se já fosse parte da família há anos. — Meu filho tem muita sorte.
Lívia corou na mesma hora, o rosto queimando como se o sol tivesse se aproximado demais. Ela tentou sorrir, tímida, sem saber exatamente onde colocar as mãos ou como agradecer.
— A-ah… obrigada… — murmurou, sentindo o estômago se contorcer de nervosismo.
O pai de Simon, um homem alto de postura firme, inclinou a cabeça com aprovação.
— Sempre dissemos que Simon precisava de alguém de espírito gentil.
Ele lançou um breve olhar orgulhoso ao filho. — A deusa escolheu bem.
Simon permaneceu em silêncio.
Apenas observava.
Os olhos dele iam de Lívia para seus pais, depois voltavam para ela.
Havia algo naquela expressão: uma mistura de surpresa, cuidado… e uma pontinha de inquietação que só quem olhasse com atenção perceberia.
Era como se ele estivesse tentando entender o que Lívia realmente sentia — e tentando decidir se deveria protegê-la daquilo ou apenas respeitar seu espaço.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, os pais de Lívia chegaram.
A mãe dela enxugava discretamente os cantos dos olhos, emocionada.
— Minha filha. — disse, colocando uma mão trêmula na face de Lívia — você está linda. E… — Ela respirou fundo, encontrando coragem. — A deusa sabe o que faz. Devemos acolher o marido que ela te trouxe.
A palavra marido caiu como um peso novo, denso, em cima da jovem.
O pai de Lívia, mais contido, cumprimentou Simon com um aperto de mãos firme.
— Que você honre a nossa filha como a tradição pede, disse ele, com um respeito quase solene. — E que a união de vocês seja próspera.
Simon finalmente falou.
— Eu vou cuidar dela. — respondeu, com voz baixa e sincera. — Da melhor forma que eu puder.
Lívia mordeu o lábio, o coração apertado.
Não sabia se aquelas palavras a confortavam… ou se a deixavam ainda mais dividida.
As duas famílias se juntaram por um instante, trocando comentários, elogios, risos leves, tentando transformar aquele momento em algo natural — como se não fosse o dia mais confuso da vida de Lívia.
Judith e Lucas observavam de longe.
Lucas com os punhos fechados ao lado do corpo.
Judith com um sorriso tão doce que chegava a ser c***l.
E enquanto isso, Simon mantinha-se próximo o suficiente para que Lívia soubesse que ele estava ali — mas sem tocar nela, sem pressioná-la, como se esperasse… quem sabe… que ela desse o primeiro passo.
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