Terror
Os caras tavam de tiração, não tinha como, pô. Resolveram invadir o bagulho bem quando eu tava de folga, dormindo de conchinha com a garota cujo nome eu tinha esquecido. Sei lá. Tanto faz. Mas tava gostosinho e maneirinho, não tinha porque sair correndo do bagulho — só quando o dia amanhecesse. Mas a voz do meu mano VH gritando no radinho me fez despertar no pulo e a garota também. Ela era gatinha até; eu só não lembrava o nome.
Peguei minha roupa no chão e entrei nela de qualquer jeito, junto com a pistola — era o que tinha ali na salinha. Ia ter que dar um pulo em casa pra pegar outra que me desse mais segurança. Prendi a blusa em volta da cabeça, porque por mais que o pai fosse bonitão, não dava pra ficar chamando atenção na televisão.
A garota me olhou com os olhões esbugalhados.
Terror: Milena, né?
Garota: Não... é Duda! — falou como se fosse óbvio.
Terror: Uhum, saquei. Aí mana, dá um dez e sai quando os tiros acabarem, já é?
Duda: Eu quero ir pra casa — choramingou. — Me leva, Terror.
Terror: Não rola, e sem drama, n**a. Ninguém entra aqui — calcei a sandália. — Mas se entrar, diz que tu não tem nada a ver com os bagulho e fica suavona.
A garota me olhou com ódio. Mas ela tava esperando o quê? Os mano me apressando pra caramba naquele corre, nem deu tempo de escovar os dentes.
Terror: Aí aí aí, VH, onde tu tá? — perguntei no radinho, saindo da salinha na malandragem.
VH: Acordou, filha da p**a? — debochou.
Esse moleque era meu irmão de uma vida, papo de alma gêmea e os c*****o. Não existia o Terror sem o VH e vice-versa. A gente se trombou na vida com uns dezessete anos, dois pivete cheios de marra que se meteram em briga com outros menorzinhos da escola. Os cara tavam fazendo o VH de chacota, falando alto uns bagulho da irmã dele — lembro como se fosse hoje. Eu morava no morro do Pavão com minha coroa e o VH morava no Pavãozinho, então a gente se trombou na escola. Ele foi tretar com os cara e os mano fizeram na covardia, papo de cinco contra um. Me meti no meio e não deu outra.
A gente apanhou? Sim! Mas apanhou junto!
Desde então viramos melhores amigos e, quando perdi minha mãe pra p***a de doença que não a deixava respirar, aos meus dezoito anos, foi o VH e o pai dele, o DG, que me acolheram. Me mudei pro Pavãozinho, entrei pros corre do lado do mano, e meu pai do coração sempre dizia que ele tinha dois braços direitos: eu e o mano. Crescemos juntos nessa, e eu tinha certeza que sairíamos da mesma forma.
Terror: Tava comendo tua mãe — meti sério, ouvindo a trocação de tiro ficar mais intensa. — Anda p***a, tô precisando de armamento, tô na rua onze, com pouca coisa.
VH: Ah, p***a, Terror. Tá zoando, né? — a linha ficou muda e eu não respondi. — Sobe lá pra casa, mas vai na malandragem, é o primeiro lugar que os cana vão procurar o pai!
Terror: Já é.
Subi correndo pra casa do mano, que era mais perto que a minha, e entrei direto pro quarto dele, pegando um fuzil pendurado nas costas e mais duas pistolas na cintura.
VH: Tão recuando, c*****o! Continua essa p***a!
Pulei pra fora da casa, querendo pelo menos me divertir um pouco, e fui na malandragem, atirando em uns fardado que passavam debaixo das lajes; como eu tava em cima, tava no lucro. Uns dois caíram, e eu mandei a localização no radinho pros cara sumirem com os corpos. Pulei de laje em laje, quando vi a cena que me fez tremer na base.
Tinha um filho da p**a com a arma apontada pro DG, enquanto falava alguma coisa que eu não conseguia ouvir. Puxei a pistola da cintura rapidinho, mas não rápido o suficiente. Atirei na cabeça do desgraçado, que caiu pra trás na mesma hora, jorrando sangue pra todo lado. DG olhou na minha direção, mas já tava no chão segurando o braço, onde o porco tinha atirado.
Terror: Atiraram no DG, c*****o! Atiraram no DG na rua treze! Manda um carro agora! Agora, mano! — gritei no radinho enquanto corria descendo as lajes.
Chutei o verme, que a essa altura já tava indo pro inferno, com tanta raiva que ouvi o osso da costela estralar. DG riu e eu tirei o pano da cabeça, mantendo a maior frieza pra apertar em cima do tiro, que graças a Deus tinha sido de raspão.
Terror: Fica de olho aberto, n***o. Os mano tão vindo te pegar. — falei, olhando pro rosto dele pela primeira vez.
DG: Eu já tô velho pra essas coisas.
Terror: Vai se f***r com os teus dramas pra lá. Cala a boca, tu vai ficar bem!
Tava tentando manter a frieza, mas não tava dando pra segurar por muito tempo. DG era minha família, era meu pai, era meu chefe e o cara que me cuidava como filho. Não ia perder esse mano nunca. Era fora de cogitação!
DG: Tô perdendo muito sangue, Guilherme.
Terror: Cala a boca, DG — senti o olho começar a arder. — Não fala nada.
DG: Se der merda... — eu o interrompi, negando com a cabeça.
Terror: Não vai dar, p***a! Não tem como!
Limpei a lágrima que escorreu rapidinho.
DG: Se der merda o Pavãozinho fica com o meu primogênito, mas o Pavão é teu, meu filho do coração. Tu sabe!
Terror: Eu não quero c*****o de morro nenhum, DG. Eu te quero aqui! Não vou conseguir! O Vitor não vai conseguir!
O carro chegou e eu só soube gritar com os moleque por causa da demora. Tentaram se justificar dizendo que ainda tinha uns cana pelo morro, mas não dei bola. Mandei voarem com o velho pro postinho da favela.
Eu continuei ali, jogado no chão mesmo, sem nem conseguir levantar. A cabeça rodava a mil e a única coisa que eu pensava era que, se realmente desse merda e o DG não conseguisse sair dessa, eu não podia me abalar — pelo Vitor e por ele.
E foi pensando nisso que eu consegui sair daquele lugar, indo pra casa pra pelo menos tirar o sangue do corpo e entrar no postinho com uma roupa que me deixassem entrar.