- Por que você tinha que ter razão, Joaquim? – debruço sobre o carro, enquanto ele analisa tudo de forma cautelosa. Os mecânicos estavam verificando os últimos detalhes do veículo, para garantir que eu fizesse a corrida que aconteceria daqui a pouco da melhor maneira possível.
Ele solta uma risadinha baixa e n**a com a cabeça.
- É o preço de ser uma pessoa observadora, Sophie. – ele tira os olhos da prancheta que está segurando, me olhando com atenção.
- Você quis dizer uma pessoa fofoqueira? – brinco e solto uma risada baixa, sendo acompanhada pelo Joaquim.
- Eu não sou fofoqueiro, apenas sou atento o suficiente para pegar as coisas que acontecem ao meu redor. É assim que uma pessoa observadora age.
- Claro que sim. – digo de forma irônica e ele lança uma piscadela para mim.
- E então, eles chamaram mesmo você e o Tristán?
- Sim. – solto uma bufada e ajeito a minha postura, cruzando os meus braços. – É uma oportunidade perfeita, Joaquim. A chance que eu sempre quis, a oportunidade perfeita para eu realizar o meu sonho, mas enfiaram aquele b****a nisso, tudo para estragar a minha experiência.
Ele concorda com a cabeça e parece tão decepcionado com isso quanto eu. Joaquim estava bem ciente das armações do Tristán contra mim e de como ele era um b****a completo.
- Eu verdadeiramente sinto muito, Sophie. Mas você sabe bem como essas coisas funcionam, eles querem os melhores, e infelizmente, vocês dois são os melhores.
- Eu sei disso. – falo desanimada. – Mas é difícil ter que lidar com a ideia de que para crescer no meu ramo, vou ter que fazer parte da mesma equipe que ele. Logo ele. – resmungo e cruzo os meus braços. – O cara que causou meu último acidente e ainda teve a audácia de ir até o hospital. – falo raivosa e o Joaquim concorda com a cabeça.
- Tristán age de uma forma bem bizarra mesmo. É difícil entender aquele garoto, mas acho que ele não quer nada muito diferente de você, Sophie. Ele está lutando por um sonho.
- Eu juro que entendo isso, Joaquim. O problema para mim é a maneira como ele decide lutar por isso, ele joga sujo.
- As vezes, eu tenho a impressão que ele faz todas essas coisas, apenas para te provocar.
O encaro seriamente e n**o com a cabeça.
- Não tenho dúvidas disso. Mas essa não é a única razão, ele me quer fora.
- Pensa pelo o lado bom, trabalhar na mesma equipe, vai obrigar que vocês construam uma parceira, e talvez, vocês se tornem até amigos.
Solto uma risada alta, achando que essa tinha sido uma tentativa do Joaquim de fazer uma piada, mas ao encarar a sua feição séria, percebo que ele não estava brincando quando disse isso. O que significa que uma parte do Joaquim, acreditava mesmo nisso.
Dá para acreditar nisso? Eu e o Tristán sendo amigos? Não existe o mínimo de chance de isso funcionar bem, de nós termos uma relação pacata e minimamente amigável. Porque ele escolheu ser tudo que eu mais abomino, ele decidiu tomar a decisão de me afastar, antes mesmo que a gente tivesse a chance de construir uma relação minimamente amigável.
Eu sempre fui a pessoa que consegue construir uma relação legal com todos que aparecem, eu sou a pessoa que sabe muito bem como entrar em um ambiente e não fazer inimizades. Eu sou da paz e gosto de estar em lugares que tenham harmonia. Nunca tive grandes problemas com ninguém, porque evito conflitos o máximo que eu posso.
A minha prioridade sempre vai ser em ter paz, então qualquer situação que ameace isso, é uma situação que deve ser eliminada.
O Tristán é o completo oposto disso. As fofocas nos corredores é que toda semana ele está discutindo com algum m****o da sua equipe, que sempre está arrumando problemas com as pessoas que estão ali para trabalhar junto com ele. E meu deus, não quero nem pensar o caos que deve ser estar na mesma equipe que esse homem. Eu estou na mesma equipe há quase um ano e nunca tive sequer uma discussão com alguém daqui, nunca tive um desentendimento com ninguém. Porque sempre tento resolver as coisas da melhor maneira possível, sem gritos, sem humilhações, sem ofensas.
- Eu sinceramente tenho medo do que me espera, o Tristán arruma problema com todos da equipe, e não acho que na Voxx vai ser diferente.
- Tenha um pouco mais de fé, Sophie. – ele fala animado. – Acho que você está colocando a sua energia no lugar errado, deveria estar comemorando por estar prestes a entrar na Voxx, o caos que o Tristán vai causar lá, não é problema seu! Deixa que os executivos cuidem disso, ele não vai poder fazer o que quiser em uma equipe grande, te garanto isso.
- Certo. – sinto um peso sendo retirado das minhas costas. – Agora vamos para um outro problema?
Joaquim me olha com uma cara de: “outro?”
- Outro problema, Sophie? O que está pegando? – ele cruza os braços, esperando por mais uma de minhas reclamações. Joaquim já estava muito habituado a ouvir os meus múrmuros. Coitado, é praticamente um santo.
- Como eu vou ficar em uma equipe onde não existe você e os meninos? – falo com um certo pesar e vejo a feição de tristeza surgindo no rosto dele.
Joaquim se aproxima de mim e me abraça de lado, encostando o seu rosto contra o topo da minha cabeça.
- É por um bom motivo. Tenho certeza que você vai ter uma equipe tão incrível quanto essa.
- Mais incrível do que vocês? Eu duvido.
- Você sempre vai ter um lugar no nosso coração, Sophie e sempre poderá vir nos visitar.
- E eu virei. – passo um dos meus braços pela sua cintura, o abraçando fortemente. - Mesmo a gente virando oponente.
Eu ia sentir falta dele e de todos os outros, mas nós sempre soubemos que isso iria ser temporário. É o preço a se pagar, quando você decide que quer crescer. Quando você decide seguir em frente, algo sempre vai ficar para trás.
Temos que aprender a lidar com as perdas.
Eu tive uns dias para pensar em toda a reunião que eu tive com o pessoal da Voxx e estou usando o tempo que o meu advogado ficou de analisar o contrato, para me acostumar com a ideia de que na próxima temporada, as coisas vão mudar completamente para mim, que tudo será novo e eu vou entrar em uma nova fase. Não tenho palavras para dizer o quão feliz eu estou com tudo isso, apesar dos pesares, vou fazer o possível para aproveitar a minha chance da melhor maneira.
- Você vai correr mesmo hoje? – Joaquim questiona, após uma longa pausa de um silêncio confortável.
- Sim.
- Está se sentindo bem para isso, Sophie? – ele me encara de forma atenta.
- Estou ótima!
- Então, vá se preparar.
Dou um abraço rápido nele e me afasto em passos rápidos, indo para o pequeno provador onde eu me vestiria. Entro nele me sentindo mais animada, já que a corrida estava próxima a acontecer e eu sempre ficava muito animada para correr. Me livro do par de vans que estava usando, da minha calça legging e do meu moletom, pendurando tudo em alguns cabides que tinham ali. O provador tinha um espaço bem precário, era apenas o espaço necessário para se trocar e pronto.
Agarro a camisa branca, que olhando rapidamente, parecia ser uma camisa normal, mas ela tinha p******o contra fogo, assim como o restante da minha roupa, o que deixava o nosso corpo mais pesado do que o normal, ainda bem que dentro do carro isso não fazia muita diferença. Visto a camisa branca e sou rápida ao pegar a calça, que lembrava uma legging, mas também era anti fogo. E só então, pego o macacão, amarelo e azul e o olho por alguns segundos, sentindo uma tristeza momentânea, ao me dar conta de que em breve, essas cores não fariam mais parte do meu vestuário. Encaixo os meus pés e puxo o macacão para cima, nas pernas ele passa perfeitamente, deixando até uma sobra, mas na b***a eu preciso puxar com mais afinco. Coloco os meus braços sem grandes dificuldades e fecho o zíper. Me livro das meias que eu estava usando e visto as do meu uniforme, calçando o sapato, que pareciam mais uma sapatilha. Faço uma trança rápida no meu cabelo, garantindo que nenhum fio ficasse para fora.
Saio do vestiário e vou cumprimentando todos os membros da equipe, recebendo sorriso de alguns e abraços de outros.
Paro próxima aos engenheiros e um deles abre um sorriso de imediato para mim.
- Sophie, fizemos algumas melhorias no carro, depois você me diz o que achou.
- Pode deixar. – lanço uma piscadela.
O barulho na oficina está alto e eu consigo ouvir as outras equipes correndo contra o tempo, ajustando os últimos detalhes nos carros, antes que a gente tenha que se posicionar.
Lá fora, o sol está queimando, o que indica que a pista está quente e que o pneu pode desgastar um pouco mais.
- Fique de olho na nossa ordem, ok? Talvez você precise trocar os pneus mais cedo. – o engenheiro fala.
- Tudo bem.
Joaquim se aproxima de mim.
- Está na hora, garota. Mostre para eles como se faz! – ele me anima e eu abro um sorriso.
- Vou mostrar. – lanço uma piscadela e apoio as minhas duas mãos no teto do carro, dando impulso para que as minhas subam e eu consiga encaixar elas na janela do carro e assim eu faço, deslizando para dentro dele com maestria.
Joaquim para próximo a janela, observando enquanto eu coloco o protetor de cervical, o encaixando no meu pescoço. Agarro o capacete que estava ao lado e tiro a toca preta de dentro dele, a colocando na minha cabeça e prendendo o meu cabelo nela, antes de colocar o capacete. Feito isso, o Joaquim conecta os fones na parte de fora do capacete, os pego e encaixo nos meus ouvidos. Joaquim prende o instrumento que protegeria a minha cervical no capacete também e faz um jóia com a mão, permitindo que eu saia. Por fim, eu coloco as minhas luvas.
- Boa corrida, Sophie! Estaremos com você. – assinto e ligo o motor do carro, sentindo prazer ao ouvir o ronco do motor.
Saio do PitStop e vou em direção a pista, nessa corrida eu arrancaria em décimo lugar.
- Sophie, as condições estão perfeitas. Traga uma vitória para a nossa equipe, é a melhor maneira de você se despedir. – Um dos engenheiros fala no meu ouvido e solto uma risada.
- Darei o meu melhor.
Paro o meu carro na minha posição, vendo os outros carros se ajeitando também. Um carro para ao meu lado, mas eu o ignoro completamente, já que estava começando a me concentrar para o início da corrida, não podia perder o meu foco.
- E ai parceira de equipe. – ouvir a voz do Tristán a esse ponto é incomodo demais. – Não vai me responder?
- Te respondo na linha de chegada. – o encaro com desdém e pela maneira como os seus olhos estão, ele está sorrindo.
- Tudo bem.
Ergo o meu dedo do meio para ele, antes de desviar os meus olhos e encarar o pequeno semáforo a nossa frente.
Estava disposta a ganhar essa corrida.