Provocações

2883 Words
Quando eu era criança, tinha o hábito de aproveitar os momentos mais críticos e me fechar no meu mundinho. Eu fechava os olhos e me tele transportava para um lugar mais agradável, geralmente eu me imaginava dentro de um carro, correndo a mais de 100 km/h em uma pista, competindo com outros carros e ganhando uma corrida. Esse era o meu lugar preferido do mundo! E imaginar esse momento, sempre me ajudava, porque era como um combustível para mim, um lembrete silencioso do lugar a onde eu queria chegar e do quanto eu teria que abrir mão de certas coisas, para estar nele. E eu precisei abrir mão de coisas que eram importantes para mim, na época, abri mão de uma parte da minha infância, para ter um trabalho e consegui treinar, abri mão de momentos de brincadeiras com os meus amigos e de certa forma, abri mão dos meus amigos, já que eu nunca tinha tempo para cuidar da nossa relação. Eu abri mão de fazer novas amizades, de sair e conhecer lugares, de ter uma adolescência tranquila, mas eu não me arrependo de nada do que eu fiz, não me arrependo de nenhuma das minhas decisões, porque todas elas, sem exceção, me trouxeram para esse momento. Sim, esse exato momento. O momento em que eu estou diante de um executivo importante, que está comandando uma enorme equipe de StockCar e que está interessado por mim e pelo meu trabalho. Nada disso seria possível se eu não tivesse aberto mão de tudo aquilo lá atrás. E hoje, pela primeira vez em anos, eu estou pensando em abrir mão de uma grande oportunidade para a minha carreira, simplesmente por priorizar boas condições de trabalho. Eu quero ser grande, quero fazer parte de uma equipe grande, mas não estou disposta a ter isso, se vou precisar estar em um ambiente hostil, com uma pessoa que eu não suporto. Não acho que seja um preço válido a se pagar. Eu sei, isso parece uma loucura. Mas para mim, trabalhar com o Tristán, é uma opção inviável. Eu odeio tudo o que ele representa! - Nenhum outro piloto tinha sido mencionado em nossa ligação, vocês disseram que tinha interesse apenas no meu cliente. – ouço o representante do Tristán falando e solto um suspiro. Que papo de gente sonsa! Tristán estava bem ciente sobre esse risco, já que o meu chefe de equipe tinha falado com nós dois no hospital. - Como vocês sabem, a Voxx gosta de trabalhar com novos pilotos, gostamos de trazer novos nomes para a nossa equipe e dessa vez não queremos apenas um, mas dois pilotos. A nossa equipe observou a Sophie e o Tristán e gostaram muito do que viram. Creio que essa é uma boa oportunidade para os dois e que isso só tem a acrescentar a carreira de ambas as partes. – Thomas explica com toda a sua educação e eu sou rápida ao encarar o Ramon, vendo que ele estava com os olhos sobre mim, parecendo bem atento a qual seria o meu posicionamento diante da situação atual. Ramon estava totalmente ciente dos meus problemas com o Tristán, e a esse ponto, ele já deveria saber que não era um grande desejo meu estar na mesma equipe desse homem. - Qual é a ideia? Colocar eu e a Sophie para trabalharmos na mesma equipe? – Tristán questiona e cruza os braços, agindo como o bom mimado de sempre. - Sim. Por quê? Existe algum problema aqui? – Thomas pergunta, intercalando o seu olhar entre mim e o Tristán. Ouço o suspiro do ser mais arrogante desse mundo, antes que ele se sentasse a duas cadeiras de distância de mim, seu representante se senta também e para a minha felicidade, ao meu lado, impedindo que eu tivesse qualquer contato visual com o Tristán. Anjos existem sim. - Gostaríamos de ouvir as propostas. – o representante dele diz educado e o Thomas concorda, se sentando ao lado do Lorenzo. - Antes de começarmos, eu gostaria de dizer que não me sinto muito confortável trabalhando com aquele rapaz, que apesar de admirar imensamente a Voxx e me sentir extremamente honrada por ter sido vista por vocês, a experiência seria terrível, se eu que tivesse que dividir ela com ele. – falo sincera, mantendo os meus olhos no Thomas. Eu não tinha a intenção de fazer ele escolher entre um, ou outro, só estava deixando todos os meus motivos na mesa, para que ele estivesse ciente da razão pela qual eu recusei essa oferta. - Agradeço pelo convite e espero que essa minha decisão não impeça que tenhamos a chance de trabalhar juntos, em outro momento. – abro um sorriso de lado e me levanto com toda a calma e educação, vendo o Ramon fazer o mesmo. Thomas e Lorenzo estão com os seus olhos presos em mim e parecem completamente confusos com o que está havendo. Eles não sabem mesmo que existe uma grande rivalidade entre mim e o Tristán? - Sophie, espere. Nós queremos vocês dois. – Thomas argumenta. - Eu entendo isso, Thomas. Mas a minha relação com o Tristán não é boa e ele causou o meu último acidente, não me sinto confortável em estar na mesma equipe que a dele. – explico com calma, ouvindo a risadinha do Tristán. Aperto o meu punho e respiro fundo, não querendo me estressar agora. - Deixe ela ir, Thomas. Eu sou capaz de entregar tudo o que vocês querem, diferente da Sophie, que m*l consegue controlar o carro na pista e ainda quer culpar os outros por isso. – mordo o lábio e encaro o Ramon na mesma hora. Ele se aproxima de mim e sussurra. - Eu estou disposto a respeitar qualquer decisão que você tomar, mas dispensar uma oferta como essa, por causa do Tristán, é um erro gigantesco, Sophie. Oportunidades como essa não caem do céu. Fecho os meus olhos e solto um longo suspiro, tentando organizar os meus pensamentos. Valia a pena abrir mão dessa oportunidade por alguém como o Tristán? - Sophie, eu entendo o seu posicionamento, mas o que você acha de apenas ouvir o que temos para dizer, para depois tomar a sua decisão? – Lorenzo sugere com calma e meus olhos vão na direção dele na mesma hora. Solto mais um suspiro e apenas concordo com a cabeça, voltando a me sentar. - Certo, então podemos começar. – Thomas sorri para mim e abre uma pasta, entregando um papel para cada um de nós. – Nesse papel está descrito o quanto vocês ganharão com a gente e todas as propagandas publicitárias em que farão parte. Meus olhos batem no papel e eu me surpreendo com o tanto de zeros que tem ali. Isso era muito! - A Voxx tem muitas propagandas com grandes marcas, como vocês bem sabem, e nossos pilotos sempre pegam as melhores campanhas. Então o salário de vocês nunca será fixo, queremos que vocês ganhem sempre mais. - Certo. Thomas fala sobre o carro que vamos dirigir, explica que o apartamento em que vamos morar será por conta deles, assim como todas as nossas despesas com ele, como: água, luz, gás. Fala das viagens que serão feitas, que serão todas no jatinho da empresa e que nós teremos que nos mudar definitivamente para a Austrália, o que não é uma grande problema para mim. Ele explica que os pilotos tem total acesso a equipe e todos os funcionários são abertos a propostas sobre melhorias nos carros. - Aqui estão os contratos. – ele retira duas folhas da sua pasta e entrega uma para mim e outra para o Tristán. – Nele está falando detalhadamente sobre todos os nossos termos, peço que vocês leiam tudo com atenção e deixo claro que não precisam dar uma resposta agora, só peço que seja o mais breve possível. Queremos começar o trabalho com vocês, na próxima temporada já. – explica e eu concordo com a cabeça. – Nós fomos informados sobre a rivalidade que existe entre vocês e eu já estava esperando que a reação de ambos não fosse ser muito positiva, diante das circunstâncias, por isso não deixei claro quem estaria presente nessa reunião e o meu interesse em mais de um piloto. – Thomas fala com toda a cautela. Bom, isso faz sentido. – Nós temos alguns planos a respeito disso, já que o público parece gostar bastante dessa briga que existe entre vocês. - No que você está pensando, Thomas? Você quer usar isso a favor da empresa? – pergunto e dou toda a atenção para ele. - Um pouco, talvez. Nós podemos usar isso para atrair ainda mais o público e fazer vocês ganharem mais visibilidade. – solto um suspiro. – O público ama os dois, acho que todo mundo pode ganhar com isso. - Eu acho que isso é uma excelente ideia! As pessoas amam ver eu ganhando, ainda mais se for da Sophie, acho que todos ficaram animados ao ver que estamos na mesma equipe. - E ainda seremos inimigos. É um entretenimento e tanto. – falo sem entusiasmo algum. - Isso é só uma ideia. – Thomas fala rapidamente. – Só levaremos essa parte para frente, se os dois estiverem de acordo. De início, quero que vocês leiam o nosso contrato com atenção, peçam para os seus advogados analisarem tudo com cuidado e me mandem, caso queiram fazer alguma mudança, estamos abertos para mudar algumas cláusulas. – ele explica com calma. – A Voxx quer muito vocês dois e espero que possamos trabalhar juntos. – ele abre um sorriso amigável. E eu quero muito trabalhar com eles, mas o Tristán tem que estar mesmo nessa? - Agradeço pela reunião, Thomas. Foi um prazer conhecer vocês! – falo com calma e me levanto, vendo todo mundo fazendo o mesmo. Estico a minha mão para ele e ele é rápido em apertar ela. - O prazer foi nosso. Espero ter você no nosso time. – fala gentil e eu assinto. O bom é que eu teria um tempo para decidir, um tempo para analisar todos os prós e os contras. - Também espero. – cumprimento o Lorenzo, vendo ele sorrir para mim. Me afasto, enquanto os outros se despedem entre si. Abro a porta de vidro e ouço os passos atrás de mim. - Eu acho que essa é uma boa oportunidade, Sophie! – Ramon m*l consegue esconder o seu entusiasmo com essa reunião. O encaro e aceno com a cabeça. - É uma ótima oportunidade, por isso deixa a minha situação tão delicada. Paro em frente ao elevador e aperto o botão para chamá-lo até o nosso andar. Ramon para ao meu lado e me olha com atenção. - Trabalhar na mesma equipe que o Tristán, ia ser tão r**m assim? – eu vejo que ele está se esforçando para entender o meu ponto. Abro a minha boca para responder, mas sou interrompida. - Eu ainda não acredito que a Voxx quer eu e você na mesma equipe, Sophie. – a voz debochada do Tristán surge em meus ouvidos e eu solto um suspiro. – Logo você? Tem tantos pilotos mais talentosos por aí. O encaro e abro um sorriso. - Acredita que eu estava pensando exatamente a mesma coisa? Tenho certeza que existem muitos pilotos melhores e que não precisam sabotar ninguém, para ganhar uma corrida. – inclino a minha cabeça e vejo o sorriso em seu rosto ficar maior, na medida em que ele se aproxima de mim. - Você ainda está magoada com isso, Sophie? Eu sei que é deprimente uma suposta pilota, não conseguir manter o carro na pista, mas acho que você precisa seguir em frente e tentar ser a melhor. Dou mais um passo em sua direção e inclino a minha cabeça, para poder encarar os seus olhos. Tristán era bem mais alto do que eu. - Tentar ser a melhor? – arqueio a minha sobrancelha. – Eu sou a melhor, Tristán e é por isso que você me tirou da pista, porque não ganharia uma corrida de mim jogando limpo. Tristán solta uma bufada e n**a com a cabeça, dando uma risada debochada. - Você quer apostar, Sophie? – ele dá mais um passo em minha direção, fazendo com que nossos corpos fiquem colados e a sua altura me cobre por inteira, tenho a sensação que ele faz isso para me intimidar, o que não acontece. – É só dizer a hora e o lugar. – ele abre um sorriso de lado e eu estalo a língua no céu da boca. - Tem certeza disso, Tristán? Porque você pode perder uma boa grana com essa aposta. – lanço uma piscadela. - Você não é tão boa quanto pensa. - Se eu não fosse tão boa, eu não estaria aqui agora, a Voxx não estaria de olho em mim. - Vai ver eles querem uma pilota mulher para poder dizer que estão incluindo mulheres no esporte. Você sabe, nos dias atuais, as pessoas cobram esse tipo de inclusão e você é a pessoa perfeita para isso. As vezes não é pelo talento. – ele parece muito animado por ter chego nessa conclusão. - É nisso que você quer acreditar? – abro um sorriso de lado. – Dói tanto assim no seu ego saber que uma mulher é um piloto melhor do que você? – franzo o meu cenho e o encaro em total desafio. – E ser um bom piloto não tem nada a ver com talento, tem a ver com disciplina e treino e você não estar ciente disso, só prova que está longe de ser um dos bons, que só está aqui por ter uma rixa comigo, não porque é bom. – jogo a bomba bem na sua cara e a careta que ele faz, enche o meu coração de felicidade. - O que você está insinuando, Sophie? – ele me encara seriamente e parece ter ficado afetado com o que eu acabei de dizer. - O quê? Ficou magoado? Vejo a feição do Tristán se contorcer inteira e ver essa cena, me faz gargalhar internamente. - Ok, chega dessa discussão boba! – Ramon diz sério e segura o meu braço fracamente, me afastando do Tristán. – O elevador chegou, temos que ir. Acompanho o Ramon para dentro do elevador e nós dois nos ajeitamos dentro dele, depois do Ramon apertar o botão do térreo. - Você deveria ter me deixado aproveitar mais a cara do Tristán. – falo baixo para o Ramon. - E vocês deveriam crescer e parar com essas provocações estúpidas, na minha época, as pessoas que não se gostavam, simplesmente se ignoravam, não ficavam nesse joguinho de provocação. – Ramon diz em tom de repreensão. Solto um suspiro e decido não discutir com ele, mesmo porque não adiantaria de nada, as minhas discussões com o Tristán nunca foram muito adultas mesmo. Já que eu sempre caio nas provocações dele. Falando na praga, a mão dele surge entre as portas do elevador, quando elas já estavam se fechando. As portas se abrem novamente e ele entra, junto com o seu representante, ficando do lado oposto em que nós estávamos. Quando eu achei que teria um momento de paz, longe dele. As portas se fecham e eu sinto os olhos do Tristán em mim por alguns segundos, me encarando de forma mortal. - Tira uma foto, dura mais. – resmungo e ouço a sua bufada. - Esse é o seu sonho, não é? Que eu te veja dessa maneira. – ele fala baixo e eu solto uma risada. - Acredite, meu gosto para homens não está r**m a esse ponto. Você nunca será uma opção para mim! - Ótimo! Estamos de acordo sobre isso. Cruzo os meus braços e mantenho os meus olhos no pequeno visor, torcendo para chegarmos no térreo de uma vez e eu poder ficar longe desse cara. Assim que as portas se abrem, eu dou passos rápidos para fora do elevador, ouvindo passos atrás de mim. - Faça um favor para nós dois e não aceite essa proposta, Sophie. Você sabe que nós dois na mesma equipe, não dará certo. - Então por que você não recusa? – me viro para ele, vendo ele parando de andar na mesma hora, para não trombar em mim. - Porque eu não sou e******o a esse ponto, diferente de você. – fala como se fosse o óbvio. - Sabe que até agora eu estava pensando na ideia de recusar, mas graças a essa adorável conversa, estou reconsiderando a ideia. - Por quê? Não existe lugar para nós dois. – ele me encara de forma incisiva. - Você está certo, Tristán. É por isso que eu vou aceitar e vou transformar a sua vida em um verdadeiro inferno, até que você desista de fazer parte da Voxx. - Acha mesmo que você tem essa capacidade? – ele arqueia a sobrancelha. - Eu não acho, sei que tenho. - Estou pagando para ver. O encaro com os olhos estreitos, antes de me virar e me afastar em passos rápidos. - Você vai aceitar então? – Ramon pergunta, assim que estamos fora do prédio. - Vou. Tristán que me aguarde, vou fazer ele se arrepender de ter entrado no meu caminho. As coisas estão prestes a ficar feias.
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